“Embora a eficácia dos agentes clareadores apresente-se bem documentada, o uso exacerbado destas técnicas gera preocupação”, observa Vanessa. Segundo ela, entre os efeitos colaterais observados em microscopia eletrônica de varredura e análises químicas e mecânicas, destacam-se o aumento da porosidade do esmalte clareado, rugosidades, erosão e desmineralização da superfície do esmalte. “Estes fatores dão margem ao surgimento de cáries e favorecem o retorno da cor indesejada”, explica a pesquisadora, que desenvolveu o trabalho nos laboratórios da FOP, Instituto de Química da Unicamp, Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da Universidade do Vale do Paraíba e do Dental Research Center, na Universidade da Carolina do Norte, EUA.
Em busca de agentes mais seguros, Vanessa constatou, por meio de testes in vitro, que o flúor e o cálcio, adicionados separadamente aos géis clareadores, compensam as perdas sofridas durante o processo. Segundo ela, a adição desses íons ao gel promove a saturação do agente clareador e diminui a perda mineral do esmalte durante o tratamento.
A pesquisadora analisou os efeitos colaterais dos agentes clareadores em dentes saudáveis e em amostras com lesão inicial de cárie. Em ambos os casos, os testes revelaram que o tratamento clareador realizado com o peróxido de carbamida a 10%, sem a adição de flúor e cálcio, reduziu a microdureza e promoveu maior profundidade de desmineralização do esmalte. Nos dentes saudáveis, a perda de mineral foi de 45%, enquanto nas amostras com processo inicial de cárie esse índice foi de 30%. “Estas constatações tornam-se preocupantes, uma vez que, devido à notoriedade das técnicas clareadoras, observa-se em alguns casos a utilização desses agentes em pacientes que apresentam lesões iniciais de cárie”, destaca Vanessa.
De acordo com a pesquisadora, os dentes comprometidos apresentam índice inferior de desmineralização porque o processo inicial da cárie torna-os naturalmente mais “reativos”. “Clinicamente, o estrago só não é maior porque a saliva contém elementos como flúor, cálcio e fósforo, que acabam compensando as perdas em até 90%”, explica. “No caso dos dentes comprometidos, a perda é menor porque a saliva é mais efetiva numa superfície com lesão inicial de cárie”, completa.
As análises químicas realizadas com peróxido de carbamida a 10% também foram conclusivas quanto aos benefícios obtidos com a adição de flúor e cálcio. Os testes indicaram que, nos dentes sadios, a adição de flúor a 5 mil ppm (partes por milhão) e cálcio a 2 mil ppm foi capaz de controlar a perda mineral do esmalte clareado, enquanto nos dentes com cárie superficial, ajudou a manter o conteúdo mineral do esmalte. “Os agentes contendo altas concentrações de cálcio apresentaram bom desempenho no esmalte hígido, enquanto os agentes contendo altas concentrações de flúor foram importantes para as propriedades químicas do esmalte com lesão inicial de cárie”, observa.
Numa outra frente, Vanessa estudou os efeitos colaterais dos agentes usados para clareamento interno do dente. Segundo a pesquisa, agentes clareadores como perborato de sódio, peróxido de carbamida e peróxido de hidrogênio foram capazes de diminuir a resistência da dentina após o tratamento, possivelmente devido às alterações morfológicas.
Do consultório à aplicação caseira
Desde a década de 1980, o principal produto utilizado para clarear os dentes é um gel à base do componente ativo peróxido de carbamida. O processo de branqueamento acontece por meio de uma reação de oxi-redução capaz de liberar radicais livres que fragmentam as moléculas responsáveis pela pigmentação do dente. Em contato com os tecidos moles ou saliva em temperatura oral (37º), o peróxido de carbamida dissocia-se em peróxido de hidrogênio e uréia. O peróxido é capaz de movimentar-se e infiltrar-se livremente no esmalte e na dentina, devido ao seu baixo peso molecular, onde se degrada, liberando oxigênio e água, enquanto a uréia dissocia-se em amônia e dióxido de carbono.
O mecanismo de ação dos agentes clareadores abrange a habilidade do peróxido de hidrogênio formar radicais livres que interagem com as moléculas orgânicas pigmentadas, decompondo-as em moléculas menores e menos pigmentadas. A alteração no tamanho e na pigmentação de moléculas orgânicas após a oxidação produzida pelos radicais livres altera a absorção de espectro visível pela molécula, de maior para menor comprimento de onda, resultando em compostos “mais claros”.
O tratamento pode ser feito de duas maneiras: na chamada “aplicação caseira”, o dentista faz um molde dos dentes e depois uma moldeira flexível, na qual se coloca o gel com uma concentração de 10% de peróxido de carbamida. Seguindo o protocolo mais usual, a pessoa deve colocar a moldeira antes de dormir, por um período mínimo de seis horas, repetindo o procedimento por duas a quatro semanas. Para quem tem pressa, porém, o processo pode ser feito no consultório, numa sessão de duas horas. Nesse caso, a concentração de peróxido de carbamida é elevada a 35%, o que exige atento monitoramento por parte do dentista.
Os principais tipos de alteração de cor dental são divididos em alterações de cor extrínseca e intrínseca. A alteração de cor extrínseca ocorre, em geral, devido ao escurecimento externo da coroa dental. A descoloração pode ser causada por uma variedade de alimentos e produtos com grande quantidade de corantes como café, chá, fumo e medicamentos, como a clorexidina, e alguns produtos antibacterianos. A alteração de cor extrínseca pode também afetar as restaurações em resina (material restaurador estético amplamente utilizado na clínica odontológica). O tratamento das descolorações extrínsecas é realizado através da microabrasão com pastas profiláticas ou através de tratamento químico clareador.
Já a alteração de cor intrínseca é causada por fatores locais ou sistêmicos os quais produzem mudança de cor da estrutura interna do elemento dentário. Como conseqüência, as manchas intrínsecas são mais difíceis de serem tratadas e são freqüentemente mais severas que as manchas extrínsecas, uma vez que todo o elemento ou a dentição é envolvida. O fator local mais comum para a descoloração intrínseca é o trauma e subseqüente hemorragia. A difusão dos produtos de degradação do sangue, como a bilirrubina e hemoglobina, causa o escurecimento da dentina.
A descoloração intrínseca também pode acontecer devido à presença de certos materiais restauradores, como corrosão de produtos do amálgama, descoloração das restaurações de compósitos, sais de prata ou materiais utilizados no tratamento de canal. Os fatores sistêmicos que causam a descoloração intrínseca atuam durante a odontogênese. “A descoloração é incorporada no esmalte ou dentina, através da mudança na qualidade ou na quantidade desses tecidos, ou por meio da adição dos pigmentos na estrutura desses substratos”, explica. “Manchas de tetraciclina, fluorose e envelhecimento fisiológico são exemplos de descoloração interna causada por fatores sistêmicos”, conclui a dentista.