Para estabelecer o indicador de dispersão urbana, Ricardo Ojima lançou mão de quatro dimensões principais. A primeira medida foi considerar a densidade urbana em contraposição à densidade populacional normalmente empregada. Ou seja, a partir dos dados censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ele dividiu a população urbana pela área urbana para obter o dado que lhe interessava. Outro ponto trabalhado pelo autor da tese foi a fragmentação urbana. “Esse aspecto é importante, pois as áreas urbanas estão disseminadas por todos os aglomerados. Em outras palavras, há movimentos e relações importantes entre municípios que não são vizinhos e não estão conurbados”, explica.
A terceira variável tomada para análise pelo pesquisador foi o contorno geográfico dos aglomerados urbanos. Dito de outro modo, ele levou em conta se as áreas eram circulares, elipsoidais, achatadas etc. Por fim, Ricardo Ojima considerou os movimentos pendulares, que podem ser explicados como os deslocamentos dos moradores entre os municípios que constituem uma determinada região. Ao aplicar o indicador às 37 aglomerações urbanas brasileiras, que abrigam cerca de 300 municípios, ele pôde aferir o grau de dispersão urbana e relacioná-lo, conseqüentemente, com os principais problemas de ordem ambiental, com inevitáveis repercussões para os segmentos social, econômico e político.
Um fator relativamente recente que tem contribuído para a dispersão urbana, conforme Ricardo Ojima, é a proliferação dos condomínios fechados, fenômeno intimamente ligado ao padrão de consumo da população. Anteriormente, prossegue o pesquisador, as áreas periféricas das cidades eram reservadas às famílias mais pobres. De alguns anos para cá, porém, as regiões mais distantes dos centros urbanos passaram a abrigar núcleos residenciais de alto e médio padrão. Essa tendência, verificada também em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, normalmente é justificada por causa do problema da violência. “Mas essa questão não explica tudo. Afinal, esse tipo de empreendimento tem sido construído em cidades onde a insegurança não é tão dramática, como Campo Grande, no Mato Grosso do Sul”, pondera o autor da tese.
De acordo com Ricardo Ojima, a literatura tem apontado que esse tipo de dispersão urbana, que encontra nos condomínios fechados sua expressão mais evidente, tem trazido impactos negativos de variadas ordens. Do ponto de vista ambiental, um dos problemas é a construção de núcleos habitacionais no lugar ou próximos a áreas verdes, algumas consideradas de preservação. Isso leva à impermeabilização do solo e, como conseqüência, a episódios de inundações ou alagamentos. “Isso sem falar na redução do potencial de biodiversidade e na constituição de ilhas de calor, algumas delas responsáveis até mesmo pela alteração do regime local de chuvas”, diz o pesquisador.
Outro aspecto negativo refere-se ao aumento da emissão de dióxido carbônico (CO2), gás que contribui para o agravamento do efeito estufa. Por conta da dispersão urbana, os deslocamentos das pessoas em automóveis particulares passam a ser mais longos e freqüentes. Como pode ser observado por meio do indicador de dispersão urbana formulado pelo especialista, as aglomerações urbanas consideradas mais dispersas apresentaram maiores proporções de domicílios com pelo menos um automóvel de uso particular, mesmo entre as classes de renda mais baixa. “Além disso, há também uma tendência crescente do uso individualizado do carro. Isso ocorre, entre outras coisas, porque o investimento em transporte coletivo torna-se economicamente inviável em áreas onde a população está muito espalhada”, diz o pesquisador. Como decorrência dessa realidade, surgem ainda problemas de caráter social, segundo Ricardo Ojima.
A dispersão urbana, acrescenta o autor da tese, faz muitas vezes com que os núcleos habitacionais de alto e médio padrão se tornem vizinhos de comunidades extremamente carentes. A tensão social, nesse caso, é praticamente inevitável. Ademais, as prefeituras encontram dificuldades para levar equipamentos públicos para essas regiões, dado que umas ficam distantes das outras. “Isso prejudica notadamente as pessoas que dependem de serviços públicos como postos de saúde e escolas. Não raro, elas precisam fazer constantes deslocamentos de uma área para outra, para tentar obter atendimento. Para piorar, nem sempre o serviço está adequadamente dimensionado para suprir as necessidades desses cidadãos”, analisa Ricardo Ojima.
Ação conjunta Os problemas acarretados pela dispersão urbana fornecem um indicativo extremamente importante para aqueles que estão preocupados em promover uma gestão mais eficiente das aglomerações urbanas, na opinião de Ricardo Ojima. De acordo com ele, os intensos movimentos pendulares executados pelos moradores dessas regiões metropolitanas, oficializadas ou não, sugerem, para ficar num único exemplo, que a busca por soluções deve ter uma dimensão supramunicipal. Em outros termos, o pesquisador defende a idéia de uma gestão metropolitana. “Infelizmente, isso nunca houve de fato no Brasil. Nós temos algumas iniciativas nesse sentido, como a formação de consórcios intermunicipais, mas eles são poucos e estão restritos a temas escassos”, lamenta.
A partir da Constituição de 1988, explica o pesquisador, ocorreu uma transferência de poderes da esfera federal para a municipal. Ato contínuo, as cidades começaram a competir entre si, em diversos aspectos. Um exemplo cabal desse comportamento é a chamada guerra fiscal, por meio da qual um município oferece uma série de vantagens (isenção tributária, doação de terreno etc) para que uma empresa deixe a sede atual e transfira-se para o seu território. “Essa e outras posturas acabaram por consolidar um pensamento muito individualizado por parte dos administradores públicos. Ocorre, entretanto, que atualmente um prefeito não pode mais refletir sobre os problemas de saúde, transporte e saneamento básico da sua cidade sem levar em conta o que ocorre a sua volta”, afirma.
A criação das regiões metropolitanas, conforme o pesquisador, gerou a ilusão de que essa visão ampliada surgiria naturalmente. Na prática, no entanto, não foi isso o que se verificou. “Ainda precisamos evoluir muito em relação a esse pensamento metropolitano”, atesta. Segundo Ricardo Ojima, que foi orientado pelo professor Daniel Hogan, existe na literatura uma certa polêmica em relação ao que seria mais viável: uma cidade dispersa ou uma compacta. “A partir do que tenho estudado e pesquisado, minha posição é de que as áreas que apresentam dispersão urbana acarretam maiores impactos negativos ao meio ambiente e, como conseqüência, à qualidade de vida de seus moradores”, defende.