O
discurso e a prática
Docentes e alunos defendem o social, mas
a maioria da população
ainda é ignorada na pauta de pesquisas o
JOÃO
MAURÍCIO DA ROSA
Unicamp
possui um quadro de alunos e professores com inegáveis
preocupações sociais, que defendem um Brasil
igualitário, democrático, desenvolvido e
independente no plano internacional. Contudo, a sociedade
brasileira tem sido ignorada pela instituição
na pauta de suas pesquisas. Pode-se dizer que ela é
reproduzida da pauta de universidades de países
ricos e para atender à da iniciativa privada. Mas
e a sociedade, que é principal fonte dos recursos
da instituição pública de ensino?
Quem paga para a universidade funcionar não é
só as empresas, é a maioria da população,
lembra o pesquisador Renato Dagnino, do Instituto de Geociências
(IG).
Dagnino
descreve as atividades acadêmicas como incoe-rentes
em relação ao perfil ideológico dessa
maioria de estudantes e docentes. Quando entramos
na sala de aula ou no laboratório parece que esquecemos
de nossos valores, pois atuamos como qualquer outro professor
sem a preocupação social que existe nesta
universidade.
Engenheiro formado pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS) e doutor em Economia pela Unicamp, Dagnino
é do Departamento de Política Científica
e Tecnológica do IG. Diante de sua experiência
em pesquisa e docência, ele defende que a política
de pesquisas da universidade deve estar mais próxima
das necessidades da maioria da população.
Este foi o mote de sua palestra na oficina Reafirmando
a Cidadania, no II Simpósio Ciências
e Sociedade: Economia Solidária.
Ainda
hoje e mais no passado recente a Unicamp
tem atendido à demanda do Estado (empresas e órgãos
do governo) por conhecimento científico e tecnológico.
Com a mudança do cenário econômico
e político nacional, as estatais foram privatizadas,
o Estado foi sendo enxugado e a universidade empurrada
para a iniciativa privada, buscando desenvolver um conhecimento
passível de uso pelo mercado. Se formos ver
detalhadamente, notaremos que fazemos muito pouco em prol
da população. A maioria das pesquisas reproduz,
de uma forma ou de outra, a agenda de pesquisas propostas
pelos países mais avançados, critica.
Dagnino
argumenta que o Brasil, como país periférico,
dependente e subdesenvolvido, produz uma ciência
e uma pesquisa também periféricas, que não
conseguem se encontrar, dialogar com a sociedade. Sua
agenda de pesquisa é pautada pelo que as grandes
universidades do mundo consideram uma boa ciência,
que, por sua vez, reflete cada vez mais o que as grandes
empresas consideram importante ser estudado.
Em
conseqüência, conclui o pesquisador, aquilo
que vimos produzindo em termos de geração
de conhecimento pouco tem a ver com o Brasil que idealizamos.
Quero dizer que, de certa forma, somos um tanto
esquizofrênicos: queremos uma sociedade igualitária,
mas continuamos fazendo uma pesquisa que não se
encontra, no futuro, com esta sociedade que queremos.
Foco
no futuro Alguém poderia dizer que de
nada valeria introduzir na agenda de pesquisas, hoje,
temas que digam respeito às necessidades da parcela
maior da sociedade, uma vez que o contexto econômico,
político e social é tão restrito,
injusto e desigual que aquilo que se produzir em termos
de conhecimento jamais chegará à maioria
da população. Isso de certa forma
é verdade, ou seja, não adiantaria muito
orientar nossa pesquisa na tentativa de resolver problemas
concretos que enxergamos na realidade. Mas precisamos
pensar no futuro, que o país está mudando,
que existe um processo de democratização
em curso, que começou pelo aspecto político,
mas que logo passa pelo social e pelo econômico.
Se não pensarmos que em 10 ou 20 anos este país
vai demandar, de fato, conhecimento novo para satisfazer
a necessidade da maioria, nós vamos estar perdendo
tempo.
Dagnino
defende que os pesquisadores projetem uma agenda para
o futuro, pois as pesquisas demoram a amadurecer e formar
recursos humanos também leva tempo. É
por isso que este seminário é importante.
Precisamos iniciar esforços hoje, para que daqui
a 20 anos, quando o carnaval chegar e a sociedade
for mais igualitária, nós possamos oferecer
conhecimentos a esta sociedade e participar junto com
ela desta festa. Conhecimentos capazes de alavancar um
processo de mudança social, econômica e política
progressista, que estará então ocorrendo
a todo vapor.
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Universidades
não servem nem
a ricos nem a pobres
Renato
Dagnino, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp,
afirma que todos os principais problemas brasileiros no
plano social devem ter um tratamento multidisciplinar,
ao passo que a maioria das universidades é disciplinar.
Os problemas não vêm com uma etiqueta:
olha, eu sou da sociologia, eu da engenharia etc;
eles são multifacéticos, cada vez mais complexos
e politizados. Por isso, o tratamento multidisciplinar
é uma carência em universidades no mundo
inteiro que procuram seguir os padrões da ciência
dos países desenvolvidos.
Dagnino
acrescenta que o II Simpósio Ciência e Sociedade
realizado na Unicamp deve ser considerado um marco
ou o primeiro passo para que a instituição
possa, de fato, vir a prestar um serviço à
sociedade de forma mais incisiva, mais direta. A
Unicamp se caracteriza pela pesquisa em ciência
e tecnologia, e se destaca entre as instituições
brasileiras e latino-americanas pela sua forte orientação
para a pesquisa e para a formação de pessoal
no nível de mestrado e doutorado.
Este
pessoal, conforme o pesquisador, tem pela frente um desafio
enorme, que passa por transformar a universidade. As
federais estão em greve há meses. E quem
se levanta na sociedade para defendê-las? Por que
não se levantam? Nos Estados Unidos e na Europa,
se isso ocorresse, seria uma tragédia, pois as
empresas multinacionais dependem de suas universidades.
Mas a universidade pública brasileira é
disfuncional, não cumpre o papel que deveria, não
possui interlocutores. Não serve para a classe
dominante explorar melhor a classe dominada e não
serve para a classe dominada melhorar a sua condição
de vida e sua posição de barganha ante a
classe alta. Em outras palavras, a nossa universidade
não serve nem a ricos e nem a pobres, observa.
Concluindo,
Renato Dagnino observa que a universidade não tem
quem a defenda e, com a privatização do
Estado, ficou ainda mais órfã. Não
está conseguindo encontrar na sociedade um parceiro
efetivo que a proteja e a projete para o futuro, uma disfuncionalidade
grave e que pode ser fatal. Buscar alianças
com os atores sociais que vão poder demandar no
futuro o conhecimento e os cidadãos que temos capacidade
de produzir é, desde agora, essencial. São
eles que irão nos defender e é
a eles que deveremos visar ao programar nossas atividades
de pesquisa, docência e extensão.
Universidade,
comunidade e os aviões-bomba
O
discurso e a prática
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