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Pesquisas sobre áreas alagáveis podem
render parceria entre IB e Biota-África
Pesquisadores da Unicamp devem
colaborar em estudos
sobre efeitos de encharcamento do solo
Pesquisadores da Unicamp, mais especificamente do grupo coordenado
pelo professor Carlos Alfredo Joly, do Departamento de Biologia
Vegetal do Instituto de Biologia (IB), deverão colaborar com
cientistas africanos no desenvolvimento de estudos em torno
dos mecanismos de tolerância ao encharcamento do solo, que
permitem a sobrevivência de plantas nativas em áreas naturalmente
sujeitas a pulsos de inundação naquele continente. A perspectiva
de cooperação nasceu por ocasião de recente participação do
docente e uma das suas orientandas em um Simpósio Internacional
de Áreas Alagáveis, realizado em Botswana. Na oportunidade,
foi discutida também uma parceria mais ampla, abrangendo todo
Delta do Okavango, que se estende por Angola, Namíbia e Botswana,
e é uma das áreas prioritárias de investigação da nova fase
do Biota-África. “Como os ambientes alagados são comparáveis
em muitos sentidos, creio que poderemos ajudar os africanos
a entender melhor as respostas da vegetação ao pulso de inundação
que acontece lá, buscando ao mesmo tempo dados que possam
ser úteis para a compreensão de fenômenos semelhantes que
ocorrem aqui no Brasil”, explica Joly.
Além do docente do IB, que
responde pela coordenação do programa Biota-Fapesp, a estudante
de doutorado Viviane Camila de Oliveira também participou
do evento científico em Botswana. Lá, ambos apresentaram os
resultados das pesquisas desenvolvidas pelo grupo da Unicamp,
inclusive o estudo que a própria Viviane realiza para a sua
tese de doutoramento, que investiga o comportamento das espécies
arbóreas nativas que vivem em áreas de Restinga do Litoral
Paulista. “Nosso trabalho é analisar a tolerância de plantas
tropicais à inundação do solo. Pelo que pudemos observar durante
as visitas de campo que fizemos pelo Delta do Okavango, os
ambientes daqui e de lá são comparáveis. Creio que as nossas
experiências poderão ser muito úteis para orientar o trabalho
dos pesquisadores africanos”, considera.
Conforme Viviane, as inundações
de solo constituem um evento bastante drástico. Algumas espécies
tropicais demonstram ter uma grande tolerância a esse tipo
de estresse, enquanto outras podem ter seu crescimento ou
até mesmo sua sobrevivência comprometida quando inundadas.
“Nossos estudos apontam que a capacidade de sobrevivência
dessas plantas está intimamente ligada à intensidade e periodicidade
do alagamento. Na minha tese, trabalho com espécies que sobrevivem
a até 180 dias de alagamento, enquanto outras morrem após
poucas semanas de estresse. Ocorre que, em razão da intervenção
do homem nesses ambientes e do processo de aquecimento global,
há o risco de que os pulsos de inundação se tornem mais frequentes
ou intensos, o que pode beneficiar algumas plantas em detrimento
de outras. O resultado desse cenário seria uma possível alteração
na distribuição espacial das espécies tolerantes e a extinção
de outras, o que provocaria um desequilíbrio nesse ecossistema.
Em nossos estudos, já temos observado esse tipo de problema”,
explica.
Outra
constatação feita pelo grupo coordenado por Joly que pode
interessar aos pesquisadores africanos é que, apesar de o
volume de chuvas ao longo dos anos não ter sofrido grandes
alterações, a distribuição dessas chuvas tem ocorrido de forma
diferente no Litoral Norte de São Paulo. “No nosso Projeto
Temático observamos episódios de chuva intensa concentrada
em períodos curtos, de 24 a 72 horas. Nas Restingas, como
consequência, temos uma rápida elevação do lençol freático
e dos rios, com a água chegando a níveis muito mais elevados
do que o normal, por curtos períodos de tempo. O resultado
dessa equação é que os indivíduos jovens podem ficar total
ou parcialmente submersos, o que certamente prejudica o crescimento
e a sobrevivência da maioria das espécies arbóreas nativas”,
detalha o docente. “Nosso objetivo é transportar esses resultados
para situações semelhantes no Delta do Okavango, trabalhando
junto com pesquisadores africanos para tentar explicar, por
exemplo, a mortalidade de indivíduos de Acacia mellifera que
observamos no sobrevoo da região” reforça Viviane.
De acordo com Joly, também
existem similaridades entre as famílias botânicas de lá e
daqui. “Eles têm áreas com grande ocorrência de leguminosas,
que estão presentes tanto na savana, não sujeita a alagamentos,
quanto em pontos naturais de inundação. Às vezes, encontramos
até gêneros semelhantes. Aqui, nós temos na beira dos rios
a sangra d’água, Croton urucurana Baill. (Euphorbiaceae),
árvore que apresenta folhas em forma de coração, de cor avermelhada.
Várias espécies deste gênero também ocorrem em território
africano, algumas em áreas alagáveis como aqui. Acho que a
possibilidade de estabelecermos uma cooperação com nossos
colegas africanos é mais do que factível. É extremamente importante
do ponto de vista do desenvolvimento cientifico e do esforço
para a preservação do meio ambiente de forma geral”, afirma
Joly.
Okavango
Durante o Simpósio Internacional de Áreas Alagáveis, Joly
e Viviane também tiveram a chance de estabelecer contatos
preliminares com pesquisadores da Universidade de Botswana,
especialmente do Centro de Recursos Hídricos instalado no
Delta do Okavango (The Harry Oppenheimer Okavango Research
Centre/HOORC). O objetivo das conversações, segundo o docente
do IB, é estabelecer uma colaboração futura, de alcance mais
amplo, dentro de um projeto de cooperação que envolve também
o grupo de pesquisadores da Alemanha que coordena o Biota-África.
“O Biota-África está ampliando suas áreas de atuação, e nesta
nova fase o Delta do Okavango foi definido como uma área prioritária
para pesquisas. Esta proposta está sendo finalizada para submissão
ao Ministério da Ciência e Educação (BMBF) da Alemanha, que
deverá financiar as pesquisas”, diz.
Na sua concepção original,
esclarece Joly, o Biota-África era divido em módulos: Biota
Sul da África (incluindo África do Sul e Namíbia), Biota Oeste
da África (Costa do Marfim, Benin e Burkina Faso), Biota Leste
da África (Quênia e Uganda) e no Norte da África o Biota Marrocos.
Diferentes grupos desenvolveram pesquisas gerando um conjunto
básico de dados em comum, como informações climáticas, sobre
solo e cobertura vegetal ao longo de uma área de amostragem
de 1 km2, por nove anos. Em 2008, após uma reunião de síntese
e avaliação de resultados do Biota-África como um todo, considerando
os excelentes resultados tanto na publicação de trabalhos
científicos de alto impacto quanto na capacitação de recursos
humanos, o grupo avaliou que a experiência bem sucedida poderia
ser ampliada, de modo a envolver outros países africanos,
como Botswana e Angola. “Neste contexto, como já dito, o Delta
do Okavango foi definido como uma das prioridades. Esperamos
que a nossa participação nas pesquisas relativas à tolerância
de plantas nativas à saturação hídrica do solo possa servir
de ponte para viabilizar parcerias também em relação a outros
projetos associados ao Biota-África”, afirma Joly. Nesse caso,
adianta o cientista, seria interessante o envolvimento de
docentes de outras áreas da Unicamp, bem como de pesquisadores
de diferentes universidades brasileiras.
Em
relação à situação de Angola, o professor da Unicamp e coordenador
do Biota-Fapesp faz uma observação. “O país apresenta uma
situação muito particular, pois em função do longo período
de conflitos internos, tanto as Unidades de Conservação como
as coleções biológicas foram desestruturadas. No âmbito do
Biota-Fapesp, entendo que podemos contribuir para a reestruturação
destas coleções, agregando aos trabalhos tecnologia para a
integração de dados e compartilhamento de informações. Um
aspecto que deverá facilitar muito essa possível colaboração
é o idioma”. Na opinião de Joly, ao contribuir para que os
africanos compreendam melhor o que ocorre com os seus mais
relevantes biomas, o Brasil tem a chance de cumprir uma espécie
de retorno às suas origens.
O cientista lembra que até
120 milhões de anos atrás os continentes Sul-Americano e Africano
estavam unidos. “Com essa perspectiva de estabelecermos parcerias,
teremos condições de analisar as similaridades entre as formações
vegetais atualmente existentes, bem como de compreender melhor
a gênese de nossas florestas. Meu grupo trabalha na Mata Atlântica
que recobre a Serra do Mar na região de Ubatuba e São Luis
do Paraitinga há um tempo considerável. Seria muito interessante,
por exemplo, compará-la com as florestas angolanas”. Estudos
dessa natureza, assinala o docente, envolvem também o treinamento
e capacitação de pesquisadores nas áreas de florística e fitossociologia,
além de contribuírem para organização e ampliação de coleções
biológicas. “Portanto, podemos colaborar significativamente
para o conhecimento e a conservação da biodiversidade de Angola”,
avalia Joly.
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