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Pesquisas desvendam funções de proteínas
presentes em venenos de cobras
É
sabido que o veneno de serpentes é uma mistura complexa
de componentes orgânicos e inorgânicos. Duas pesquisas
de doutorado, concebidas no Instituto de Biologia (IB)
e no Instituto de Química (IQ) da Unicamp, chegaram a
algumas revelações sobre proteínas presentes no veneno
da jararaca e da cascavel, as quais poderão ter diversas
aplicações. Estes estudos, ainda que preliminares, já
fornecem um panorama para o entendimento de algumas funções,
com a caracterização de proteínas que podem levar inclusive
ao desenvolvimento de fármacos.
A
pesquisa do IB, por exemplo, encontrou nas proteínas fosfolipases
A2 uma possível aplicação de compostos polifenólicos de
plantas sobre a ação tóxica do veneno da cascavel. O trabalho
apontou que essas fosfolipases, submetidas ao tratamento
com compostos naturais derivados de cumarinas, reduziram
o seu efeito inflamatório, a agregação plaquetária, a
miotoxidade, a citotoxicidade e a neurotoxicidade. Sua
autora vislumbra o emprego de compostos polifenólicos
sintéticos em ações biológicas para que os efeitos medicamentosos
possam ser melhor explorados.
Por
outro lado, a pesquisa do IQ chegou à caracterização da
proteína BJ8 pela técnica da cristalografia. Esta proteína
demonstrou uma capacidade incomum de conduzir à agregação
plaquetária, ou seja, à coagulação sanguínea. No estudo,
o veneno da cascavel mostrou um efeito neurotóxico e da
jararaca hemorrágico, o que permite fazer um prognóstico:
uma futura aplicação terapêutica nos problemas de distúrbios
neurológicos e de coagulação. Além disso, pela primeira
vez observou-se uma molécula de um lisofosfolipídeo presa
à proteína, indicando um novo papel como carregador de
moléculas.
Ambos
os trabalhos se entrelaçam não somente por fazerem abordagem
a partir do veneno de serpentes, atuando como pesquisa
básica, mas também porque confirmam a necessidade cada
vez maior de realizar estudos colaborativos, envolvendo
diferentes institutos e diferentes instituições, sem falar
no uso de técnicas destacadas como a cristalografia que
impulsionam ainda outros estudos.
Estudos abrem perspectiva
para a produção de fármacos
Um passo que pode colaborar para o desenvolvimento futuro
de novos fármacos que tenham ação neurológica e na coagulação
sanguínea foi dado pelo químico Marcelo Leite dos Santos.
Estudando o veneno de serpentes da fauna brasileira em sua
tese de doutorado, defendida no Instituto de Química (IQ)
e orientada pelo professor Ricardo Aparicio, o doutorando
resolveu a estrutura de importantes proteínas por meio da
Cristalografia por Difração de Raios X, uma das técnicas
mais difundidas para a caracterização de macromoléculas
que permite avaliar a forma da proteína e a organização
espacial dos aminoácidos que a compõem. Santos conseguiu,
por exemplo, caracterizar a BJVIII, uma proteína que tem
potencial para levar à coagulação sanguínea.
Os dois principais resultados
da pesquisa foram obtidos a partir da proteína extraída e
purificada do veneno da serpente Bothrops jararacussu, popularmente
conhecida como jararaca, e da serpente Crotalus durissus cascavella,
a cascavel. Caracterizando a proteína BJVIII do veneno da
Bothrops jararacussu, Santos deteve-se na sua incomum capacidade
de agregação plaquetária (coagulação sanguínea), o que não
era esperado para essa classe de proteínas em experimentos
de bioquímica.
Entender a estrutura da proteína,
expõe Aparicio, ajuda a avaliar as razões que podem explicar
o seu funcionamento. O veneno, no caso, não é constituído
somente por proteínas. Envolve uma complexa mistura de componentes.
A serpente injeta este verdadeiro “coquetel” de constituintes
orgânicos e inorgânicos na vítima, causando profundos danos
aos tecidos, com iminência de necrose e mesmo de morte. Dentre
os principais componentes do veneno estão as enzimas fosfolipases
A2 que, em contato com os tecidos do organismo, provocam uma
série de reações. Uma delas consiste em induzir coagulação
sanguínea na vítima, fato que motivou esta investigação, pois
esta atividade biológica não estava de todo esclarecida no
caso da BJVIII.
O trabalho foi guiado com
a proteína já separada das demais, após ter sido isolada do
veneno. Esta purificação da proteína de interesse foi feita
graças à colaboração do biólogo Fábio Henrique Ramos Fagundes,
aluno de doutorado orientado pelo professor da Unesp Marcos
Hikari Toyama, que mantém uma parceria com o Instituto de
Biologia (IB) da Unicamp.
Toyama e Fagundes trabalharam
tentando entender por que isso acontecia, lançando mão de
alguns tipos de técnica. O grupo do IQ dedicou-se à parte
da estrutura para chegar aos indícios de “como” isso ocorre.
A parte de estudo do veneno das serpentes, diz Fagundes, foi
bem fundamentada, sobretudo após observar-se que alguns efeitos
poderiam ser usados com fins terapêuticos. Exemplo disso reflete
o captopril, um hipotensivo usado comercialmente e que é sintetizado
artificialmente com alterações. Antigamente, o captopril era
extraído do veneno de serpentes para atuar como fármaco. “Hoje,
estudamos as inúmeras proteínas do veneno e seus efeitos,
tanto proteínas ligadas à neurotoxicidade quanto aquelas que
causam hemorragia e mesmo as que acabam levando à coagulação
sanguínea, como é o caso da BJVIII”, expressa Santos.
Efeitos adversos
Os venenos de cascavéis são conhecidos como crotálicos e os
de jararacas como botrópicos, e diferem significativamente
por provocar reações muito distintas na vítima. Os sinais
e sintomas de uma pessoa envenenada por uma cascavel são díspares
de outra que foi envenenada pela jararaca. No caso do veneno
da cascavel, o efeito principal é neurotóxico, sendo o sintoma
mais notório a pálpebra caída. A vítima está exposta ainda
ao risco de sofrer uma parada respiratória, visto que o veneno
bloqueia o sinal que deveria ir para a parte muscular. Normalmente,
a pessoa morre por asfixia, ao serem bloqueados os impulsos
nervosos que seguem para os músculos da respiração.
Santos, por outro lado, explica
que o veneno da Bothrops jararacussu possui um efeito hemorrágico.
Assim sendo, a vítima acaba tendo uma necrose de tecido, destruição
do músculo e hemorragia, que às vezes leva à morte. “A vítima
pode ainda apresentar perda de membros”, informa Santos. No
caso específico deste veneno, existe uma fração proteica que
tem um efeito que causa a hemorragia e uma outra fração que
causa a coagulação sanguínea. “São efeitos opostos provocados
por duas proteínas muito parecidas em sua sequência de aminoácidos.”
Avaliando
tais efeitos biológicos, Santos se interessou por desvendar
o porquê de uma proteína ocasionar coagulação sanguínea e
inferiu que ela poderia apontar para alguma terapêutica relacionada
a problemas de coagulação sanguínea. Para ele, esta seria
uma visão prática para ancorar melhor a compreensão do mecanismo
de funcionamento destas proteínas.
No caso da fosfalipase A2
de cascavel, conforme Santos, foi avaliado o efeito do tratamento
químico com um produto natural chamado naringina, um flavonoide
amplamente encontrado nos citrus. Com este produto, alterava-se
a estrutura dessa proteína e a sua função também, percebendo-se
elevada atividade bactericida desta fosfolipase de cascavel.
“Era capaz de destruir a membrana celular por quebrar fosfolipídeos
de membranas”, constata.
Após o tratamento químico
com a naringina, verificou-se que a atividade bactericida
foi diminuída e quase inibida por total. Em outras palavras,
a mesma proteína, depois de tratada, não mais destruía a membrana
da bactéria. “Empregamos uma técnica complementar, chamada
Espalhamento de Raios X a Baixos Ângulos (SAXS), para avaliar
as modificações na proteína”, conta o químico.
Aparicio esclarece que entender
tais processos pode, mesmo que não de imediato, colaborar
para o desenvolvimento de novos fármacos. “Marcelo obteve
resultados importantes que adicionam mais uma peça num intrincado
quebra-cabeça. As estruturas obtidas permitiram formular novas
hipóteses sobre o mecanismo pelo qual a fosfolipase de jararaca,
BJVIII, exibia um inesperado efeito de agregação plaquetária.”
O propósito de estudar as
duas proteínas, complementa Fagundes, emergiu do efeito de
agregação plaquetária. Além disso, proteínas de serpente vêm
sendo estudadas para bloqueio de sinais sobre os quais não
se tem controle, em distúrbios neurológicos nos quais há passagem
de um sinal muito amplificado. “Desta forma, os mecanismos
de ação destas fosfolipases poderiam ser úteis na busca de
algum mecanismo de bloqueio de transmissão nervosa indesejada
nos sistemas biológicos.”
Carregadoras moleculares
De acordo com Santos, no caso da fosfolipase de jararaca,
a BJVIII, verificou-se que existia uma molécula chamada ácido
lisofosfatídico ancorada no sítio ativo, uma região importante
da proteína. O curioso nesta descoberta foi que pela primeira
vez notou-se uma molécula de um lisofosfolipídeo presa a uma
proteína deste tipo. Isso sugere que o achado está ligado
a um novo papel de ação dessa proteína, que atua como carregadora
de moléculas que podem sinalizar para um efeito farmacológico.
Atribuiu-se, a partir desse
estudo, o efeito de coagulação sanguínea e o efeito de agregação
plaquetária não à proteína BJVIII, como se pensava antes,
e sim à molécula que estava presa dentro da proteína para
ser liberada somente no momento adequado, onde esta molécula
iria atuar nas plaquetas induzindo a agregação plaquetária
e iniciando a cascata da coagulação.
A função de uma proteína,
por exemplo uma enzima, está diretamente relacionada ao modo
como seus átomos se organizam em três dimensões. As proteínas
são moléculas muito grandes – centenas ou milhares de átomos
– formadas por pequenas unidades, chamadas aminoácidos, que
se encaixam um após o outro numa sequência determinada por
DNA, permanecendo unidos como se fosse um “fio”. Com os 20
aminoácidos comumente encontrados na natureza, os organismos
vivos são capazes de gerar um número enorme de combinações.
Esse “fio” de aminoácidos
se retorce de modo a gerar a estrutura tridimensional da proteína,
na qual aminoácidos, inicialmente distantes na sequência,
podem acabar ficando muito próximos quando vistos em três
dimensões. Normalmente, dentre centenas de aminoácidos,
apenas alguns poucos são responsáveis pela ação da proteína
e, por isso, conhecer sua estrutura com precisão é essencial
para entender seu funcionamento.
Quando os estudos de Santos
foram iniciados, já existiam estudos farmacológicos utilizando
várias técnicas que mostravam que esta determinada proteína
que se classifica como a fosfolipase era capaz de atuar induzindo
a agregação plaquetária. Acreditava-se que, em geral, a
própria proteína teria potencial para fazer uma reação
química e provocar mudanças que levariam a este efeito de
agregação.
Em particular, Santos observou
que não era bem assim. “O que a gente consegue observar, olhando
a estrutura da molécula e da proteína, como um todo, é que
há uma outra molécula pequenininha sempre ligada a esta proteína.
Uma das novidades do trabalho está nessa nova hipótese de
que a fosfolipase tem condições de atuar como um transportador
de outras moléculas pequenas.” No caso da serpente, quando
ela produz o veneno, também produz essa pequena molécula (muito
pouco solúvel em água) que entra dentro da proteína. “A proteína
do veneno transporta esta molécula que, uma vez liberada,
é capaz de induzir a agregação plaquetária, relacionada à
coagulação sanguínea, formação de coágulos na circulação e
morte da vítima por embolia”, assinala Aparicio.
O complexo proteico
A Cristalografia por Difração de Raios X é hoje a principal
técnica de escolha para determinar a estrutura das proteínas.
Nela, as moléculas de proteínas são forçadas a se encaixarem
de um modo muito bem ordenado – um cristal. Expondo os cristais
aos raios X, consegue-se obter com precisão a posição dos
átomos, revelando a estrutura proteica. Pode-se cristalizar
a proteína sozinha ou junto com moléculas menores, que interagem
com ela formando um “complexo proteico”. A Unicamp, através
do Laboratório de Biologia Estrutural e Cristalografia (Labec)
do IQ, implantado por Aparício e colaboradores em 2004, está
entre as poucas instituições do país a oferecer infraestrutura
e as capacidades necessárias para determinar estruturas de
proteínas.
Além de sua importância em
pesquisa básica, a cristalografia é essencial ao desenvolvimento
de drogas. Elas geralmente são moléculas pequenas projetadas
para se “encaixar” nas proteínas, interferindo em sua ação
dentro da célula viva. Havendo um composto inicial, candidato
à droga, e usando como guia estruturas de complexos proteicos,
os átomos da molécula pequena podem ser modificados para aumentar
sua atividade sobre a proteína de interesse.
A cristalografia pode ainda
ser utilizada na determinação da estrutura das próprias
moléculas pequenas sem a presença de proteínas, informação
muito importante durante o estabelecimento de rotas para a
síntese orgânica de compostos com atividade biológica.
Nessa direção, um importante
adicional ao parque instrumental do IQ está em fase de aquisição
com recursos do projeto temático da Fapesp “Biologia química:
novos alvos moleculares naturais e sintéticos contra o câncer.
Estudos estruturais, avaliação biológica e modo de ação”,
coordenado pelo professor do IQ Ronaldo Aloise Pilli. O projeto
deve desenvolver compostos com atividade contra o câncer.
O novo equipamento, um difratômetro para monocristais de
última geração, auxiliará na determinação da estrutura
de pequenas moléculas e nos estudos de sua interação com
proteínas. (Isabel Gardenal)
FICHA
TÉCNICA
Pesquisa: “Estudos estruturais
de fosfolipases de venenos de serpentes e aldose redutases
de milho por cristalografia e SAXS”
Autor: Marcelo
Leite dos Santos
Orientador:
Ricardo Aparicio
Modalidade:
Tese de doutorado
Unidade: Instituto
de Química (IQ)
Financiamento:
Fapesp, CNPq e Capes
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Compostos reduzem inflamações
e coagulação sanguínea
A veterinária Fabiana Vieira
Fonseca, doutora pelo Instituto de Biologia (IB) da Unicamp,
encontrou em um grupo de enzimas denominadas fosfolipases
A2 (FLA2) uma fonte de inspiração especial para a possível
aplicação de compostos polifenólicos de plantas sobre a ação
tóxica de determinados venenos de serpentes, no caso a Crotalus
durissus, a cascavel. A pesquisadora, que foi orientada em
sua tese de doutorado pelo professor Marcos Hikari Toyama,
da Unesp Campus Experimental do Litoral Paulista, apontou
que essas fosfolipases, ao serem submetidas ao tratamento
com determinados compostos polifenólicos (componentes naturais
extraídos de uma variedade de plantas), no caso derivados
de cumarinas, reduziram o seu efeito inflamatório, a agregação
plaquetária (coagulação sanguínea), a miotoxidade (que produz
lesões de fibras musculares esqueléticas), a citotoxicidade
(morte celular induzida) e a neurotoxicidade (produção de
um efeito venenoso ou letal sobre o tecido nervoso).
A pesquisadora e o seu orientador
vislumbram nestes achados a possibilidade de empregar compostos
polifenólicos sintéticos em ações biológicas para que seus
efeitos medicamentosos possam ser melhor explorados em nível
enzimático e molecular. Toyama explica que as fosfolipases
A2, além de seu poder enzimático atuando na digestão de lipídios,
possuem uma importante função de controle de determinadas
atividades celulares. No caso das FLA2 isoladas de veneno
de serpentes, estas proteínas podem desencadear processos
patológicos significativos.
O
estudo de Fonseca foi feito com amostras de FLA2 isolada do
veneno de Crotalus durissus rurima e da Crotalus durissus
cumanensis, provenientes do norte do país. Segundo a pesquisadora,
são exemplares que vivem no Amazonas e em região próxima à
Venezuela. A escolha recaiu sobre estas serpentes pelo fato
de terem sido ainda pouco investigadas, inversamente aos estudos
com o veneno da Crotalus durissus terrificus, outra subespécie
que já foi alvo de muita atenção. O objetivo era avaliar a
capacidade dos compostos polifenólicos em inibir a ação tóxica
de enzimas fosfolipases A2 presentes nos venenos.
Fonseca diz que muitas das
atividades farmacológicas do veneno podem estar direta ou
indiretamente ligadas à atuação enzimática da molécula ainda
que, em estudos comparativos da estrutura dessas FLA2, todas
tenham a mesma plataforma molecular. Estudando agregação plaquetária
em particular, a pesquisadora verificou que o tratamento com
os compostos polifenólicos reduziu fortemente a agregação
induzida pela FLA2 não tratada. Para Toyama, a gênese está,
provavelmente, na modificação de alguns aminoácidos, que podem
induzir mudanças estruturais e funcionais da FLA2.
Grupo de pesquisa
A investigação de Fonseca integra um grupo de pesquisa formado
por especialistas da Unesp, Universidade Presbiteriana Mackenzie
e Universidade Federal de São Paulo, coordenado por Toyama,
que está desenvolvendo vários trabalhos que tiveram como ponto
de partida o estudo de alguns compostos isolados da natureza.
A veterinária, no caso, optou por compostos sintéticos e por
isso sua pesquisa envolveu prospecção, análise da ação antiveneno
e a possibilidade de síntese, retirando da natureza os compostos
polifenólicos para isolá-los com o intuito de utilizá-los,
abrindo espaço para os compostos sintéticos em laboratório.
Neste grupo, relata Toyama,
são abordados os efeitos de alguns componentes naturais encontrados
em plantas, que são os polifenólicos. Estes compostos têm
uma função muito importante no organismo – proporcionar algumas
qualidades diferenciadas às plantas. Podem, inclusive, auxiliar
na polinização ajudando na disseminação das sementes, na inter-relação
de plantas (alopatia) e na defesa.
Eventualmente, descreve o
coordenador, os seres humanos podem ter acesso a estes componentes
por meio da dieta alimentar, através da ingestão de sementes,
de frutas e de folhas. “Então esta ingestão fará a incorporação
desses compostos polifenólicos na nossa dieta, o que pode
representar um ganho de qualidade”, comenta. Como podemos
medir esta melhoria? Estes compostos são capazes de trabalhar
celularmente de forma a aumentar as defesas antioxidantes
do organismo. “Temos um conjunto de enzimas para gerar energia
e outros compostos, como os radicais livres”, contextualiza.
Estes radicais livres em altas concentrações, esclarece, podem
induzir uma alteração fisiológica e estrutural das células.
“Em algumas situações, a produção desses compostos suplementa
a ação das enzimas antioxidantes, que tem a função de neutralizar
os radicais livres, os quais podem, às vezes, resultar em
danos e morte celular.”
Segundo Toyama, estudos recentes
sugerem que os compostos polifenólicos também têm uma ação
como fitoestrógenos, fortes aliados nas terapias de reposição
hormonal, promovendo o melhoramento de algumas enzimas e de
algumas proteínas. “Então basicamente partimos de uma questão
dentre os antioxidantes, a Medicina Ortomolecular, para uma
questão de Nutricêutica e Cosmocêutica – compostos que são
coadjuvantes no melhoramento celular e no trabalho de função
do organismo”, afirma.
O
grupo de pesquisa tentará agora entender a ação dos compostos
polifenólicos como anti-inflamatório, categoria de fármacos
que tem em comum a capacidade de controlar a inflamação e
a dor. Havendo um processo inflamatório (que se trata de algo
natural em resposta a algum patógeno ou injúria celular) no
qual será ativado um conjunto de enzimas, enfatiza Toyama,
uma delas a ser prontamente cogitada será a fosfolipase A2.
É que ela gera um composto oriundo de sua ação sobre os fosfolipídios
de membranas que produzirá o ácido aracdônico (mediador químico).
“Este ácido, por sua vez, seguirá a chamada cascata da inflamação”,
ressalta.
Mas para avançarem os achados
sobre esses compostos, o ponto chave encontrado pelo grupo
será decifrar o seguinte: “já que os polifenoides são capazes
de atuar nessas enzimas fosfolipases A2 e podem inibir ou
atenuar o efeito da inflamação indesejada, então qual seria
o efeito desses compostos sobre a atividade de algumas outras
enzimas presentes em outros organismos?”.
Toyama realça que as fosfolipases
A2 fazem parte da fisiologia e que atuam na degradação dos
fosfolipídios da dieta. Esta é a sua função fisiológica, salienta.
Ocorre que, em outros organismos como serpentes ou dos insetos,
estas mesmas enzimas podem ter uma atuação como toxinas. Além
dessa atividade enzimática, têm seu potencial farmacológico.
“Este estudo tenta abordar os efeitos desses compostos antioxidantes
sobre a ação dessas enzimas que são encontradas em outros
animais, inclusive peçonhentos, como a abelha, a qual pode
induzir ao edema de glote”, refere. No entanto, antes de chegar
à aplicação desses achados, muitas outras pesquisas deverão
ser feitas a fim de conhecer todos os aspectos que envolvem
a FLA2.
Outro trabalho do grupo está
relacionado a compostos isolados de plantas. A ideia é formar
expertise em algumas nuances que não se consegue compreender
sozinho, posto que o assunto é muito complicado”, relata o
coordenador. A pesquisa de Fonseca, graduada pela Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), contou com o apoio da farmacêutica
Verônica Soares Gomes, que estudou a estrutura e a função
dos compostos polifenólicos, e da bióloga Camila Cotrim, que
estudou a biologia estrutural desses compostos, ambas graduadas
pela Unesp-Araraquara.
Antiagregante
Gomes, que integra o grupo de Toyama desde 2007, destaca a
atividade antiagregante. No mercado, informa, existe hoje
somente um tipo de antiagregante: que é o ácido acetilsalicílico,
o AAS; e um anticoagulante, a heparina, ou varfarina. “Com
a pesquisa da Fonseca, notou-se que estes compostos poderão
ser transformados em medicamento antiagregante plaquetário
e comercializados por indústrias interessadas nesta ação.”
O trabalho de doutorado de Gomes abordará a atividade de uma
planta, a Tithonia diversifolia, que emprega seus extratos
contra o veneno total e a fração de FLA2 da Bothrops e da
Crotalus.
Descoberta a atividade
de inibir a FLA2 e havendo interesse de desenvolver um novo
medicamento, os próximos passos serão estabelecer se o produto
será uma pomada ou um injetável e realizar estudos toxicológicos.
“O mais importante foi retirar da própria natureza essas possibilidades”,
conta Toyama.
Um dos pontos fortes
do grupo, realça ele, é tentar aliar novos conhecimentos a
essa linha. Cotrim, por exemplo, está envolvida numa parceria
com a Universidade Federal do Ceará (UFC) para descrever a
ação molecular do composto polifenólico sobre a FLA2. Nesta
fase ocorre o teste de docking, uma técnica que obtém a molécula
da FLA2. Busca-se inserir no contexto espacial como seria
a ação deste composto através do cálculo de energia, inversão
de energia e interação de interfaces, chegando à inserção
do composto polifenólico na FLA2.
O docking, conforme
Cotrim, foi fundamental porque já haviam especulações de como
esta molécula iria se ligar à proteína. A pesquisa mostrou
onde ocorrem as prováveis interações e quais os tipos de interação.
A partir daí, especulou-se como isso modificaria as atividades.
A priori, com o emprego dos flavonoides (antioxidantes de
origem vegetal), notou-se uma diminuição em determinadas atividades
farmacológicas. “Este estudo ajuda a entender porque isso
está acontecendo estruturalmente e porque ela se ligou justamente
nesta região. Saber como os sítios da enzima são relevantes
e quais são, o tipo de flavonoide, o tipo de ligação e como
ela influirá na diminuição ou não de alguma atividade farmacológica
são de inestimável valor.”
Toyama defende que,
do ponto de vista acadêmico, esses trabalhos devem apontar
para o potencial de modificação de algumas proteínas; desvendar
o mecanismo de ação anti-inflamatória desses compostos, já
que existe uma forma de mecanização deles; e ampliar o conhecimento.
“Começamos com uma proposta modesta de fazer alguns exames
enzimáticos e farmacológicos, porém faltavam vários pontos
a serem esclarecidos, como esta mecânica de ação dos compostos
polifenólicos”, afirma. Outras etapas devem levar às modelagens
químicas e moleculares, aliadas às observações experimentais.
Como último ponto, Toyama
esclarece que estes estudos caminham na direção de permitir
a síntese mais apurada de alguns compostos naturais já determinados.
Assim, no lugar de sintetizar uma série de compostos, seriam
sintetizados apenas alguns, economizando no processo de descoberta
de novas moléculas ativas.”
FICHA
TÉCNICA
Pesquisa: “Modificação
estrutural de PLA2 de Crotalus durissus ruruima e Crotalus
durissus cumanensis com p-bromofenacil e cumarinas sintéticas:
caracterização bioquímica e biológica. Estudo da
agregação plaquetária e efeito edematogênico”
Autora: Fabiana Vieira Fonseca
Orientador: Marcos Hikari Toyama
Modalidade: Tese de doutorado
Unidade: Instituto de Biologia
Financiamento: Capes |
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