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Estudo revela como reestruturação
produtiva afetou engenheiros no país
Tese mostra que, entre 1990 e 1993,
recessão
deixou muitos profissionais desempregados
As
transformações políticas e econômicas ocorridas no Brasil
após a década de 1990, resultado da adoção por parte do governo
de medidas neoliberais e da reestruturação produtiva, afetaram
diretamente a classe média. Nesse contexto, o cientista político
Andriei Gutierrez realizou uma pesquisa com o grupo profissional
dos engenheiros, analisando como as diferentes frações desse
segmento foram afetadas e, ainda, como organismos de representação
da classe agiram nessa conjuntura política. De acordo com
o pesquisador, esse período registrou a supressão de praticamente
30% dos postos formais de trabalho dos engenheiros. Houve,
entre 1990 e 1993, uma recessão muito forte e os profissionais
desempregados migraram para outros setores da economia, como
o bancário, por exemplo. “Minha tese mostra que, seja com
a recessão, seja com a privatização das empresas estatais,
ocorre o que eu chamo de privatização das oportunidades em
engenharia”, afirmou Gutierrez. O trabalho resultou na primeira
tese na área de ciência política do Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas (IFCH) em cotutela com a Université de
Provence (França), sob a orientação dos professores Armando
Boito Jr. e Paul Bouffartigue, respectivamente.
Gutierrez
ressaltou que até os anos 1990, os engenheiros trabalhavam
principalmente no setor público. O quadro de recessão, a desestatização
das empresas e a redução dos investimentos públicos por parte
do Estado teve como consequência a redução dos empregos para
esses profissionais, tanto no setor público quanto no privado.
A partir de 2000, há uma recuperação dos postos de trabalho,
porém, majoritariamente no setor privado. Ademais, para aqueles
que se tornaram pequenos empresários, as oportunidades ligadas
ao setor também se apresentaram de maneira mais contundente.
A principal
tese levantada pelo cientista é a de que a reestruturação
do capitalismo brasileiro ocorrida nos anos 1990 foi causada
pela introdução de políticas neoliberais como abertura comercial,
abertura financeira, desregulamentação do mercado de trabalho,
reforma da previdência social e uma orientação do Estado para
focalizar e reduzir os gastos sociais. Esse conjunto de medidas
vem acompanhado, por outro lado, de uma mudança na economia
– a chamada reestruturação produtiva. As empresas, cada vez
mais, introduziram instrumentos de gestão de recursos humanos
e de logística, reconfigurando o espaço produtivo e o mercado
de trabalho.
Outra
questão abordada por Gutierrez é que há, no período citado,
um aumento da dependência financeira, patrimonial e tecnológica
em relação ao exterior. E o principal impacto disso, na opinião
do pesquisador, é que, se em épocas anteriores as empresas
brasileiras de engenharia atuavam principalmente na área de
produtos e projetos, a partir de 1990 tiveram suas atividades
concentradas em engenharia de processos. Ou seja, começam
a adaptar produtos desenvolvidos por grandes grupos multinacionais.
“Isso eu chamo de aumento da dependência tecnológica”, disse.
Com relação
às dependências patrimonial e financeira, elas ocorreram durante
o processo de privatizações e de abertura comercial, principalmente
com a entrada de capital estrangeiro no país. Muitas empresas
contraíram financiamentos que eram securitizados – uma espécie
de bônus de troca, como um título – aumentando sua dependência
em troca do crédito. Para Gutierrez, quando uma empresa disponibiliza
suas ações na bolsa de valores, de alguma forma está comprometendo
o patrimônio.
A pesquisa
mostrou que nos anos 1990 mais de mil aquisições e fusões
foram concretizadas, principalmente a compra de empresas brasileiras
por corporações estrangeiras. Esse fato foi observado nos
processos de privatizações e, também, nas empresas que não
aguentaram a concorrência da abertura comercial, justamente
pela falta de competitividade. “Esse conjunto de fatores é
responsável pelo aumento da dependência financeira, patrimonial
e tecnológica em relação ao exterior e isso tem impacto na
categoria profissional dos engenheiros e na atividade de engenharia
no Brasil de um modo geral”, explicou o cientista político.
Sobre
as organizações de classe, a pesquisa analisou o período histórico
dos anos 1990 em contraposição ao período anterior que tem
início na metade da década de 1970, na qual se percebe claramente
a ascensão de movimentos operários, populares e sindicais,
culminando com a fundação da Central Única dos Trabalhadores
(CUT) e do Partido dos Trabalhadores (PT) em meados da década
de 1990. Essas organizações populares têm um impacto muito
forte sobre o movimento assalariado dos engenheiros, fato
bastante conhecido na literatura que estuda essa classe profissional
no Brasil. A pesquisa mostra que, já nos anos 1990, houve
um predomínio de mais bandeiras corporativas nas ações dos
sindicatos, como, por exemplo, condição de trabalho, registro
como engenheiro e liberação de um dia de trabalho para reciclagem
técnica. Mas, ao mesmo tempo, acabaram por se distanciar das
lutas mais gerais dos trabalhadores.
Com relação
às organizações empresariais, foi possível notar mais detalhadamente
que as eleições presidenciais de 1989 consolidaram um período
de forte polarização política e vários representantes, entre
eles o Instituto de Engenharia (IE) – organização com forte
presença do empresariado –, apoiaram toda a plataforma política
neoliberal iniciada durante o governo Collor de Mello e prosseguida
no governo de Fernando Henrique Cardoso. Muitas dessas organizações,
de acordo com Gutierrez, tiveram participação ativa nas reformas
neoliberais. O IE foi pioneiro no lançamento de um programa
de melhoria da qualidade da produtividade e foi convidado
pelo então presidente Collor a participar da elaboração do
plano de reestruturação econômica do país.
Demanda
Atualmente, há um debate muito intenso na imprensa sobre a
ausência desses profissionais no mercado de trabalho nacional.
Em sua tese, Gutierrez compara o engenheiro brasileiro e o
francês. Lá, o profissional é formado basicamente pelo Estado
– universidades públicas – e trabalha para o Estado.
O Brasil copiou esse modelo,
no entanto, hoje ele tem algumas particularidades. Desde a
criação das primeiras faculdades de engenharia, a formação
de engenheiro no país se concentrava massivamente nas universidades
públicas. Os empregos assalariados de engenheiros também se
concentravam nas empresas e administração pública. Contudo,
a partir dos anos 1990 começa a existir uma oferta maior de
vagas de universidades e cursos no setor privado, conduzindo
a uma inversão de trajetória, não só de vagas, mas também
de empregos assalariados.
Gutierrez acredita que sua
tese contribui na discussão sobre a falta de engenheiros e
o que realmente aconteceu com eles. Houve um processo de desindustrialização,
de recessão e as atividades produtivas no Brasil passam por
uma situação adversa. Os engenheiros vão buscar emprego e
melhores condições em setores de serviço e, também, no setor
bancário, principalmente porque tradicionalmente o engenheiro
brasileiro tem uma formação muito sólida em matemática e estatística
e como fazer para um engenheiro voltar à área de produção
depois de muito tempo fora do mercado e com salários mais
atrativos no mercado financeiro? Para Gutierrez, o que vai
acontecer é o que muitos analistas apontam. Haverá um aumento
salarial por conta dessa ausência de profissionais e, assim,
alguns talvez possam repensar e voltar ao mercado. Ao mesmo
tempo, existe um fluxo migratório de engenheiros estrangeiros
que desembarcam no Brasil. Os investimentos feitos por empresas
como Petrobras e Vale demandam profissionais altamente qualificados
e será muito difícil suprir a demanda que o mercado necessita.
Metodologia
A pesquisa de Gutierrez envolveu dados quantitativos e qualitativos.
Baseado em enquetes que foram realizadas com engenheiros franceses,
ele produziu um questionário com mais de 100 perguntas on-line.
Com a ajuda de várias organizações e conselhos federais, obteve
403 respostas de engenheiros de todo o Brasil. Ainda, ao mesmo
tempo, fez uma pesquisa qualitativa analisando os engenheiros
no contexto de trabalho. Foram utilizadas duas empresas, o
CPqD e a Petrobras, perfazendo quatro dias de visitas e cerca
de 20 entrevistas. “Essa foi a metodologia para estudar os
engenheiros”, afirmou.
Paralelamente, também estudou
as organizações de engenheiros. Foi uma pesquisa documental,
por meio da qual estudou a imprensa basicamente, entre o final
dos anos 1980 até o começo de 2004, envolvendo a Federação
Nacional de Engenharia e a Federação Interestadual de Sindicatos
de Engenheiros, o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura
e Agronomia e o Instituto de Engenharia. Realizou ainda seis
entrevistas com lideranças e dirigentes políticos ligados
a essas organizações. A maior dificuldade foi trabalhar duas
disciplinas diferentes, promovendo um diálogo entre Ciência
Política e Sociologia do Trabalho e Profissão.
Cotutela
Trata-se de uma convenção internacional possível, que abre
precedentes para parcerias. Gutierrez explicou que seu doutorado
no IFCH era do tipo “sanduíche”, o que acabou permitindo que
o pesquisador fosse até a França para realização de um intercâmbio.
Chegando lá, foi convidado a fazer o doutorado, só que na
área de Sociologia. Aceitou o desafio e, quando retornou a
Campinas, começou sua “batalha” nas esferas administrativas
da Unicamp para que sua tese pudesse ser contemplada no regime
de cotutela.
Após um ano de comissões
e aprovações, o regime foi aprovado e Gutierrez pode comemorar.
“Não foi fácil, mas conclui uma extensa pesquisa e fui premiado
com dois títulos de doutor, um em Ciência Política e outro
em Sociologia”, concluiu.
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Publicação
Tese: “Engenheiro, política e sociedade no contexto
da reestruturação capitalista brasileira”
Autor: Andriei Gutierrez
Orientador: Armando Boito Jr.
Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas (IFCH)
Financiamento: Capes
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