CARMO
DO GALLO NETTO
Temor,
desconfiança ou antipatia pelos que vêm de fora constituem
o que se denomina de xenofobia. Paradoxalmente às manifestações
desses sentimentos, estudos mostram que a mobilidade espacial
das populações representa um dos mais importantes componentes
do crescimento demográfico e desenvolvimento econômico das
metrópoles, antigas ou recentes, caso da Região Metropolitana
de Campinas (RMC). Mestrado desenvolvido no Núcleo de Estudos
de População (Nepo) por Ednelson Mariano Dota analisa as
motivações da migração e sua implicação para os migrantes
no âmbito da RM de Campinas.
O estudo busca compreender a atuação das variáveis que interferem
nas modalidades migratórias e nos seus principais fluxos,
de forma a explicar a manutenção da região como o principal
pólo atrativo de população do Estado de São Paulo. O autor
acredita, embora não seja objetivo explicitado em sua proposta
de estudo, que a dissertação – apresentada no Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp e orientada
pelo professor José Marcos Pinto da Cunha – possa contribuir
para o entendimento de que os migrantes não constituem problema,
mas semelhantemente aos “naturais”, buscam situações melhores.
O estudo considerou os vários tipos de migrações e principalmente
se deteve em caracterizar o migrante: quem é ele, motivações
que possibilitaram sua mobilidade, as razões que o levavam
à escolha do novo local. Estabelece também uma comparação
inédita entre eles e os moradores locais com perfil semelhante,
mas que não se decidiram pela migração. Procura explicar
ainda as razões da escolha de determinados centros pelos
migrantes e porque certas cidades os atraíram apenas em
uma época.
Para Dota, a migração é um fenômeno que mantém estreita
relações com a conjuntura demográfica e econômica de determinado
momento histórico e, por isso, não pode ser entendida isoladamente
sem que se considerem essas conjunturas em nível local,
regional e nacional – e até global no caso da migração internacional.
Lembra que na RMC os fluxos migratórios alcançaram volumes
relevantes desde a década de 70, embora apresentassem importantes
modificações ao longo destes quarenta anos, adquirindo atualmente
novas características devido aos empreendimentos que se
têm instalado na região. A propósito, ele afirma que a redução
do crescimento demográfico observado nos últimos anos, paralela
à queda das migrações de longa distância, coloca em evidência
as modalidades migratórias de curta distância, circunscritas
aos municípios da RM e diretamente associadas ao crescimento
demográfico e expansão urbana.
Ele constata ainda que essa migração entre municípios não
é aleatória, mas direcionada pelo processo de produção do
espaço urbano, entendido como a forma em que a área urbana
cresce e se estrutura. A delimitação e o desenvolvimento
do espaço urbano é que determina para onde as pessoas se
dirigem em função de anseios e possibilidades econômicas.
Ao menos na população pobre, esclarece ele, sua produção
é determinada por amplos fatores, que fogem do escopo social
e da decisão em nível individual.
O desenvolvimento desse espaço e sua modelação estão atrelados
principalmente a três fatores: ações do Estado, atuação
do mercado imobiliário e participação dos agentes e movimentos
sociais. A dissertação analisa motivações e implicações
das modalidades migratórias intrametropolitanas – assim
entendidas as que se dão entre os municípios da própria
RMC – e as externas, provenientes de outras regiões do estado
ou do país, ou até do exterior.
Para analisar o processo de crescimento e consolidação da
RMC decorrente da migração e à luz da produção do espaço
urbano, o autor vale-se de subsídios colhidos na geografia,
no urbanismo, na demografia, na economia, dos dados do Censo
Demográfico de 2001 e da Pesquisa Domiciliar do Projeto
Vulnerabilidade, realizado pela equipe do Nepo em 2007,
coordenada pelo professor José Marcos Pinto da Cunha e que
contou com apoio da Fapesp e do CNPq.
Em vista disso, ele considera que o trabalho utilizou dados
de certa forma diferenciados em relação aos encontrados
nas pesquisas tradicionais, como o censo demográfico. “Neste
contexto, poderia dizer que o estudo apresenta inovação
quando se aprofunda na busca da compreensão das motivações
da migração no âmbito de RM e, principalmente, porque enfoca
diferentes modalidades migratórias ao considerar os diferenciais
que caracterizam as migrações intrametropolitanas e externas
e, ainda, o que é mais inovador, ao explicitar as diferenças
destes migrantes em relação aos que não migram”. Em razão
disto, o pesquisador analisou os fatores que determinam
a mobilidade e a imobilidade, pois considera que, como a
migração, a “não-migração” também é seletiva.
Conclusões
Geógrafo de formação, Dota enfatiza algumas contribuições
decorrentes da pesquisa. Constata que os migrantes intrametropolitanos
apresentam melhores condições em relação aos externos como,
por exemplo, maior acesso à aquisição da casa própria e
menor dependência do aluguel. Observa também a melhoria
de condições entre os fluxos que partem de Campinas em relação
àqueles com origem nos municípios do entorno.
Outra conclusão é a de que a distribuição da população e
dos vínculos empregatícios na região é muito desigual, explicado
pela forma como o espaço urbano se configura, reproduzindo
desigualdades ao direcionar parcelas da população para os
diversos subespaços. O pesquisador considera particularmente
interessante o acesso à infraestrutura. O menor acesso a
ela por parte dos migrantes intrametropolitanos decorre
da aquisição da habitação própria em regiões precárias,
mas mais acessíveis economicamente. Porém, com a consolidação
dessas áreas, esse migrante tende a atingir melhor situação
em relação aos que continuam pagando aluguel.
O que move os migrantes é a melhoria das condições de vida,
ao passo que os não-migrantes visam mantê-la, diz Dota.
“Apresentando ao menos parte das motivações que levam os
migrantes a se colocarem em movimento, os “não-migrantes”
revelam razões que os impedem ao deslocamento”. O autor
do estudo esclarece que há os que não migram por estarem
bem situados na cidade (ricos) e os que apresentam condições
propícias para fazê-lo – habitação e trabalho satisfatórios
–, mas são impedidos pela organização familiar, principalmente
pela alta proporção de dependentes, na maioria jovem. Acrescenta
que a mobilidade e a imobilidade territorial estão atreladas
fundamentalmente à necessidade de sobrevivência.
Estratégias
Lembrando que o trabalho nasceu do anseio de verificar se
a migração na RM de Campinas levaria à mobilidade social
e procurando entendê-la à luz dos processos de produção
e reprodução do espaço urbano, afirma que o processo altera
as condições de vida para melhor ou no mínimo contribuem
para não deteriorá-la. Esclarece, entretanto, que “a migração
constitui estratégia de melhoria social, mas não representa
mais mobilidade social”.
De outra forma, o desenvolvimento do espaço urbano, calcado
em múltiplos interesses desprovidos de preocupações sociais,
faz com que parcelas da população recorram a soluções emergenciais
para sobreviver e as levam a ocupações de áreas precárias.
De outra forma, os mecanismos de valorização e desvalorização
devido a mudanças de usos dos pontos urbanos determinam
a expulsão de uns e atração de outros. Em decorrência desses
mecanismos, restam, à população pobre, espaços “pré-determinados”,
com condições muitas vezes precárias em infraestrutura e
acesso, mas variáveis dependendo dos rendimentos disponíveis.
Essas constatações levam o autor a concluir que a migração
na região, e talvez de maneira geral no Brasil, não está
associada à mobilidade social e tem uma função muito mais
de “adaptação” às condições vigentes em cada momento, a
partir das conjunturas econômicas ou sócio-demográficas
que influenciam o cotidiano dos indivíduos.
Segundo Dota, os fluxos relacionados ao mercado de trabalho
evidenciam que os migrantes buscam estabilidade econômica.
Os que não apresentam esta problemática, caso principalmente
das migrações intrametropolitanas, a exemplo de outros fluxos,
buscam melhores condições de vida. Ele destaca, entretanto,
que a diferença entre esses migrantes e os externos reside
no conhecimento que os primeiros acumulam da região, o que
os possibilita mudarem de município sem deixarem o emprego.
Portanto, diz ele, a migração intrametropolitana apresenta
forte ligação com as questões habitacionais, com grande
relevância na aquisição da casa própria. Mas essa decisão
muitas vezes os leva para situações ainda mais precárias,
visto que se direcionam para espaços não consolidados, periféricos
e com pouca infraestrutura.
Entre os migrantes externos é significativa a parcela dos
que pagam aluguel ou moram com outras famílias, o que os
direciona geralmente para áreas mais consolidadas e com
melhores condições de acesso aos serviços. Apesar dessas
facilidades, Dota constatou que os migrantes intrametropolitanos
ostentam melhores condições econômicas que os externos,
o que se evidencia pela aquisição de habitação.
Para o pesquisador, os dados analisados, embora de forma
ainda não conclusiva, “indicam que a imobilidade, ao menos
em parte da população, pode estar condicionada pela organização
familiar e não pela existência de vida digna”.
Segundo Dota, os estudos permitem indicar que o crescimento
horizontal da mancha urbana metropolitana tende a continuar
apresentando condições precárias de habitação e acesso,
principalmente nos locais de maior acessibilidade econômica.
E serão as leis de mercado que definirão a ocupação desses
espaços pelas populações mais pobres ou mais bem aquinhoadas.
Para ele, as estimativas indicam que os municípios que se
destacaram durante a década de 90 em relação à atratividade
de migrantes devem continuar nessa posição salvo pequenas
modificações, previsão que o Censo Demográfico de 2010 poderá
confirmar.
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Publicação
Dissertação: Migração na RM de Campinas: produção
de espaço urbano e impactos sociais
Autor: Ednelson Mariano Dota
Orientador: José Marcos Pinto da Cunha
Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas (IFCH/Nepo)
Financiamento: Capes
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