LUIZ
SUGIMOTTO
O
professor Daniel Hogan orientou 67 trabalhos de iniciação
científica, 20 dissertações de mestrado e 21 teses de doutorado;
escreveu 14 livros, 54 capítulos de livros e 38 artigos
em periódicos científicos. Uma produção que impressiona
pela intensidade e principalmente pela qualidade, muito
dela concentrada nas dimensões humanas das mudanças climáticas.
Entretanto, um ano após sua morte, a característica mais
enaltecida por velhos e jovens parceiros, quase sempre com
vozes embargadas, é justamente a dimensão humana do próprio
professor, a generosidade para com todos que o cercavam.
A Semana Daniel Hogan,
que vai de 26 a 29 de abril, será de homenagem e também
de apresentação e discussão de resultados das pesquisas
que o demógrafo vinha coordenando. Para isso, o Núcleo de
Estudos de População (Nepo) e o Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp promovem dois seminários
internacionais: “Mobilidade espacial e vulnerabilidade social:
desafios teórico-metodológicos e resultados de pesquisa”,
nos dias 26 e 27; e “População e espaço na mudança ambiental:
cidades, escalas e mudanças climáticas”, de 27 a 29. O primeiro
evento acontece no auditório do Nepo e o segundo no auditório
do Instituto de Economia (IE).
A professora Regina
Maria Barbosa, coordenadora do Nepo, informa que a cerimônia
em homenagem a Daniel Hogan está marcada para as 18 horas
do dia 27, exatamente no aniversário da sua morte, no Centro
de Convenções. “Se em vida já tínhamos clara a grandeza
da sua contribuição, como figura central da área de população
e ambiente, neste ano de ausência e de saudade também percebemos
todo o seu legado: tanto nas pesquisas que ele deixou em
curso, como nos recursos humanos que formou e que estão
fazendo avançar o seu trabalho”.
Na mesma noite serão
apresentados vídeos com entrevistas do professor sobre as
pesquisas que vinha desenvolvendo e, em paralelo, uma mostra
organizada pelo Siarq (Arquivo Central da Unicamp) com alguns
itens do acervo pessoal doado pela família à Unicamp e que
recuperam sua trajetória profissional e científica. Haverá
ainda o lançamento dos livros “População e mudança climática”
e “População e ambiente: desafios à sustentabilidade”, além
do último número dos cadernos Nepo. “É uma cerimônia singela,
mas esperamos fazer jus à memória do professor Daniel e
a tudo que deixou para nós pesquisadores, do Nepo em especial
e da Unicamp de forma mais ampla”.
O
norte-americano Daniel Hogan já era um pesquisador conceituado
quando chegou à Unicamp em meados da década de 1970, depois
de uma passagem pela Cornell University, onde defendeu tese
de doutorado sobre migração interna com foco na cidade de
São Paulo. Ajudou a consolidar o IFCH, formando várias gerações
de demógrafos, sociólogos e geógrafos. Ele foi um dos primeiros
convidados a integrar o Nepo, onde aceitou o desafio de
criar a área de população e ambiente quando ninguém pensava
em fazer esta associação no país.
População e ambiente
O professor Plínio Dentzien, um dos velhos parceiros que
marcarão presença na noite do dia 27, vinha da Universidade
de Michigan e ingressou no Departamento de Sociologia quase
ao mesmo tempo do que Hogan. “Como não sou da área, por
várias vezes me referia a ambiente deixando a população
de fora. E ele pedia atenção: ‘Não é bem assim’. No seu
ponto de vista, ambos se misturam e não há como pensar o
crescimento populacional sem levar em conta o território.
Hoje, nenhum pesquisador exclui a população do ambiente”.
Plínio Dentzien lembra que suas famílias
se frequentavam muito, juntamente com as de outros docentes
da Unicamp, por conta também da convivência entre os filhos
de idades próximas. “Havia um grupo que se encontrava sempre
nos finais de semana. Foi Michel Debrun quem nos avisou
que, para frequentar o conjunto poliesportivo da Ponte Preta,
não era preciso se associar, só pagar uma mensalidade. O
que nos interessava era a piscina. Muitas vezes almoçávamos
por lá, depois de uma caipirinha”.
A pouca paciência de Hogan para traduzir
os textos que produzia em inglês, levou Dentzien a acompanhar
mais de perto e com interesse o trabalho do amigo. “Traduzi
muito material dele para o português. Diria que dentro da
área de ciências sociais na Unicamp, poucos terão feito
pesquisa tão relevante, de boa qualidade. Eram questões
da ordem do dia na sociedade brasileira. Como figura humana,
o que me chamava atenção era a serenidade. Nunca criava
conflitos, ao contrário, era o mediador que os resolvia.
Esta característica tornava fácil o convívio com ele”.
O professor Roberto Luiz do Carmo, parceiro
mais recente de Hogan no Nepo, lamenta não estar presente
na semana de homenagens ao mestre, que o convidou a se juntar
ao grupo quando soube de seu interesse por meio ambiente.
Hoje docente do Departamento de Demografia, Carmo faz pós-doutorado
na Brown University, nos EUA – e de lá vem uma das vozes
embargadas. “Devo passar o ano por aqui, cuidando da minha
carreira acadêmica para poder dar continuidade aos estudos
que o professor Daniel iniciou”.
Na
opinião de Roberto do Carmo, a maior qualidade de Hogan
era a generosidade com as pessoas, aceitando-as como são.
“Ele tinha grande capacidade de reunir pesquisadores de
gênios completamente diferentes e promover a convivência,
dando a mesma atenção tanto a um iniciante como a um pós-doc.
Lembro-me que quando incentivou minha ida a um congresso
na Alemanha, em 2000, a preocupação com as mudanças climáticas
era vista como folclórica na academia. Antever o que vinha
pela frente era outra grande qualidade do professor e, dez
anos depois, temos uma área de estudos bastante consolidada”.
A mostra e o último livro
A mostra preparada pelo Siarq, segundo o pesquisador Eduardo
Marandola Jr., traz algumas peças do acervo pessoal de Daniel
Hogan que ainda vai ser processado ao longo do próximo ano,
antes de ser disponibilizado para a comunidade científica.
“São livros, periódicos, relatórios, teses e dissertações,
com destaque para o material bibliográfico da área de população
em ambiente que é único. Há ainda uma coleção significativa
dos clássicos da sociologia urbana e ambiental, além dos
cadernos de anotações em reuniões e eventos – como o professor
ocupou inúmeros cargos, trata-se de uma rica memória institucional
da Universidade”.
“População e ambiente: desafios à sustentabilidade”
é o último livro escrito por Daniel Hogan, em co-autoria
com os pesquisadores Marandola Jr. e Ricardo Ojima. A obra
é a primeira de uma série de dez volumes sobre sustentabilidade,
coordenada pelo professor José Goldemberg e lançada em dezembro
de 2010 pela Blucher Editora. “Estamos fazendo um relançamento
na Unicamp. Trata-se de uma revisão da questão populacional
e sua relação com o meio ambiente e um panorama deste campo
de estudos: mudança climática, urbanização, análise do espaço
e constituição desta área de pesquisa. Como o livro foi
finalizado depois do falecimento do professor Daniel, fazemos
uma introdução uma deferência à sua trajetória”, explica
Ricardo Ojima.
Seminários internacionais
O seminário “Mobilidade espacial e vulnerabilidade social:
desafios teórico-metodológicos e resultados de pesquisa”
é organizado pelo professor José Marcos Pinto da Cunha e
vai apresentar resultados de um projeto temático Fapesp
coordenado pelo próprio e que tinha Daniel Hogan entre os
pesquisadores principais.
No segundo seminário, “População e espaço
na mudança ambiental: cidades, escalas e mudanças climáticas”,
organizado por Ricardo Ojima, serão abordados dois subprojetos
sobre mudanças climáticas lideradas pelo professor Carlos
Nobre, do INPE, e no qual Hogan era responsável pelas dimensões
humanas, especialmente sobre urbanização e cidades. A partir
deste encontro, será organizado um livro como pesquisadores
de várias instituições do país.
Em relação ao evento sob sua responsabilidade,
Ojima informa que os palestrantes são vinculados aos subprojetos
em pauta e ao grupo de trabalho em População e Meio Ambiente
da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep).
“Temos convidados de outras universidades do país e também
especialistas internacionais: Sébastien Oliveau, da Universidade
de Provence, e Alex De Sherbinin, da Columbia University,
que é nosso parceiro de longa data. As duas sessões temáticas
também terão trabalhos enviados do exterior, em resposta
à divulgação internacional que fizemos do evento. Quanto
ao público, já temos mais de 300 inscrições, que são gratuitas”.
No seminário dos dias 26 e 27, haverá sessões
sobre “Mobilidade Espacial da População: desafios teóricos
e metodológicos”, “O estudo dos movimentos migratórios no
Brasil: avanços teóricos”, “Dados e técnicas de análise
da mobilidade espacial da população”, “Mobilidade, segregação
espacial e vulnerabilidade social: resultados de pesquisa”
e
“Família, ambiente, mobilidade urbana e
vulnerabilidade social: resultados de pesquisa”.
Os trabalhos do segundo seminário começam efetivamente no
dia seguinte à homenagem a Daniel Hogan, 28, com a mesa-redonda
matinal intitulada “População e espaço: o desafio das escalas
na compreensão da mudança ambiental”, e a sessão temática
da tarde, “Abordagens teóricas e metodológicas em população,
espaço e ambiente”; no dia 29, a sessão “Mudanças climáticas
e cidades: temas emergentes” e a mesa-redonda “Urbanização
e mudanças climáticas: entre mitigação e adaptação nas políticas
urbanas”.
A programação completa está no site do Nepo
www.nepo.unicamp.br