LUIZ
SUGIMOTO
"Transformar
a escola pública é possível",
afirma o professor Pedro Ganzeli, da Faculdade de Educação
(FE) da Unicamp, que nos últimos quatro anos coordenou
um projeto Fapesp envolvendo gestores e professores de uma
unidade municipal de ensino fundamental de Campinas. "A
Escola Vicente Ráo, hoje, é outra. Construímos
uma nova forma de organização democrática,
sem imposição de experts. As soluções
foram pensadas pelos próprios professores, que deixaram
de ser 'tarefeiros' para adotar um trabalho reflexivo no
enfrentamento dos problemas. A visão profissional
se sobrepôs à visão personalista predominante
na escola pública".
"Trabalho integrado na escola pública - participação
político-pedagógica" é o título
do projeto que, segundo Ganzeli, contou com recursos de
R$ 285 mil da Fapesp, desde julho de 2006 a julho deste
ano, dentro de uma linha especial de pesquisa que concede
bolsas a professores da rede pública. "O projeto
teve como foco a construção de novas formas
de conceber a prática político-pedagógica
da organização escolar, transformando as relações
de trabalho no âmbito interno, bem como entre a unidade
e os órgãos centrais da educação.
Foi um projeto de intervenção, e não
só de observação".
O docente da Unicamp lembra que a Escola Vicente Ráo,
indicada pela supervisão de ensino, possuía
em 2005 um quadro completo de gestores - diretora, dois
vice-diretores e orientadora pedagógica - responsável
por 1.200 alunos, em quatro turnos. "Iniciamos as reuniões
para compor o grupo de bolsistas no primeiro semestre. A
partir de diálogos constantes em torno das necessidades,
desenvolvemos cinco subprojetos e estamos terminando com
sete; de 14 professores pesquisadores, chegou-se a 19 e,
no final, eram 16 bolsistas".
Na opinião de Pedro Ganzeli, a escola pública
apresenta uma organização burocrática,
na qual prevalece a operacionalização de ações
elaboradas pelos órgãos centrais da rede.
"A diretora da unidade segue as diretrizes da supervisora
de ensino e a orientadora pedagógica, da coordenadora
pedagógica, como se houvessem duas escolas distintas.
Esta fragmentação e a falta de diálogo
dificultam o atendimento das necessidades pedagógicas
pelo setor administrativo. A busca de uma visão integrada
da gestão escolar, sempre em benefício da
aprendizagem do aluno, foi tema de um dos subprojetos".
O coordenador observa que, no início, as discussões
não eram tranqüilas, com muitas divergências
tanto teóricas como políticas, naturais quando
entram as relações humanas. "A produção
de um texto coletivo, descrevendo o projeto à Fapesp,
já foi considerada uma vitória por todos.
Este processo gerou aprendizagens organizacionais, pois
o texto exigiu síntese de ideias e de informações
sobre a escola, em sequência histórica. A aprovação
do financiamento veio em julho de 2006".
113 reuniões
O
professor da FE contabilizou a realização
de 113 reuniões gerais com os bolsistas nos últimos
três anos, intercalando dois propósitos: avaliar
o andamento de cada subprojeto e do projeto como um todo,
e promover o estudo e a discussão de textos relacionados
ao ensino. "O objetivo foi levá-los à
reflexão e, a partir dela, à elaboração
de ações concretas, que por sua vez, após
serem avaliados seus resultados, geravam nova reflexão
e novas ações. Este movimento de reflexão-ação-reflexão
induziu os professores a produzirem explicações
sobre o seu trabalho pedagógico e a realidade vivida
na escola".
Pedro Ganzeli recorda que, no primeiro ano de projeto,
muitos bolsistas questionavam se suas ações
cotidianas tinham validade científica e se estavam
realmente fazendo pesquisa. "Somente depois da leitura
de um texto sobre pesquisa-ação, de André
Morin, eles se convenceram de que também se constrói
conhecimento com dados do cotidiano - um conhecimento que
não vem pronto e acabado, mas é construído
pelos sujeitos participantes da pesquisa, muito importante
para o desenvolvimento acadêmico".
Outro procedimento introduzido pelo docente da Unicamp
foi a produção de diários de campo
e de instrumentos avaliativos, além de relatórios
sintetizando o trabalho do mês. "Eu recolhia,
corrigia e devolvia os relatórios, tanto de forma
individual como coletiva, favorecendo a síntese constante
e a socialização dos problemas pedagógicos
e aqueles relacionados à estrutura e ao funcionamento
da escola. Não se tratava de discutir o fato, em
si, mas de tentar explicar o que o gerou e, principalmente,
de propor uma ação em relação
a ele".
Socialização
Ampliar a participação na organização
do trabalho escolar foi mote de diferentes subprojetos.
Como exemplo, Ganzeli cita as alterações realizadas
no Conselho de Escola - com representação
de especialistas, professores, pais, alunos e funcionários
- no objetivo de definir os rumos da unidade. "Propusemos
um planejamento participativo, levando maior número
de sujeitos a conhecer e a atuar no conselho. A discussão
de um regimento interno deu aos membros maior clareza da
importância do órgão máximo de
deliberação da escola. Também criamos
um jornal para divulgar as decisões. Houve grande
aprendizagem organizacional entre todos".
Em termos pedagógicos, Ganzeli afirma que a transformação
ocorreu por meio de uma nova forma de produção
e utilização do plano de ensino. A elaboração
de um plano comum a todos os professores permitiu visualizar
de forma clara e objetiva a organização de
conteúdos e atividades didáticas a serem trabalhadas
ao longo do ano. "Inicialmente houve resistência
- alguns achavam que era um tipo de controle - mas com as
discussões e socializações nas reuniões
gerais chegamos a uma nova concepção de elaboração
e uso dessa ferramenta didática".
Segundo o coordenador, cada professor pesquisador expôs
seu pano de ensino nas reuniões e todas as críticas
feitas pelos demais foram, conforme a sua pertinência,
incorporadas ao documento, favorecendo a interdisciplinaridade.
"Passamos a questionar como cada evento da unidade
escolar, como por exemplo, os Jogos da Amizade, estava representado
no plano. Nessa nova concepção, o plano de
ensino passou a ser tratado como instrumento de organização
do trabalho em cada componente curricular, como um instrumento
de socialização".
O docente esclarece que as discussões visavam justamente
expor as diferenças e individualidades. "Tivemos
discussões acaloradas, mas esse movimento gerou o
que considero como profissionalismo no tratamento dos problemas
educacionais. Antes, colocar reparos no trabalho do outro,
era visto como questão pessoal. A burocracia leva
o professor a cumprir um determinado papel, de forma individualizada,
sendo que as relações profissionais se perdem.
Com a pesquisa passamos a discutir a concepção
de ensino de cada um, suas diferenças e as conseqüências
para a aprendizagem do aluno, mostrando que a diferença
era uma questão pedagógica e não pessoal".
Jogos promovem socialização e inclusão
Um subprojeto que agitou a Escola Vicente Ráo, recorda
o professor Pedro Ganzeli, foi o dos Jogos da Amizade. Antes
do projeto de pesquisa existiam os Jogos Interclasses dentro
do modelo tradicional, no qual os melhores escolhiam aqueles
que formariam as suas equipes, provocando protestos por
parte de pais e professores. "Havia um jogo de poder
e a questão da exclusão já estava posta,
ao passo que a nova proposta visava justamente desenvolver
a convivência com a diferença e transformar
a disputa por medalhas em um momento de confraternização
e socialização".
Ganzeli explica que o objetivo de fundo era melhorar o
ensino e a aprendizagem, utilizando os jogos para também
trabalhar a interdisciplinaridade entre os diferentes conteúdos
curriculares, além de levar o aluno a conhecer suas
possibilidades e limites. "No primeiro ano, em 2006,
as equipes foram formadas por cores, com a inclusão
de todos os alunos, em equipes formadas por sorteio. A cada
ano, o aprimoramento do trabalho de organização
deu aos jogos uma dimensão político-pedagógica,
envolvendo a comunidade como um todo. Os professores passaram
a incorporar o evento em seus planos de ensino".
O pesquisador destaca a participação nos
jogos dos alunos com necessidades especiais, graças
a regras para compensar as dificuldades psicomotoras, criadas
pelos próprios colegas. "Isto foi resultado
da integração entre os subprojetos. O subprojeto
sobre inclusão organizou um conjunto de ações
para que vários alunos com necessidades especiais
passassem a atuar na escola sem preconceitos. Como no caso
de um aluno com síndrome de Down, que se candidatou
a representante do Conselho de Escola e foi tratado com
respeito por todos durante sua propaganda eleitoral nas
salas de aula".
Pedro Ganzeli acrescenta que os Jogos da Amizade favoreceram
a interdisciplinaridade quando os planos de ensino incorporaram
ações relacionadas ao evento. "Tivemos
o exemplo da professora de ciências medindo o batimento
cardíaco dos atletas e relacionando a iniciativa
com conteúdos específicos de sua disciplina;
e também da professora de português, que montou
uma revista com entrevistas e textos sobre os jogos produzidos
pelos alunos".
Os jogos também foram filmados, dentro do subprojeto
idealizado para registrar em vídeo o cotidiano escolar
- reuniões pedagógicas, experimentos, oficinas,
estudos do meio - e no qual colaborou o professor Carlos
Eduardo Miranda, da Faculdade de Educação.
"Professores aprenderam sobre manuseio da câmera
e técnicas de edição. Além do
registro histórico, os filmes ajudaram a orientar
outras atividades, como as relativas ao Dia das Mães,
dentro do subprojeto de ciclos de desenvolvimento humano,
que visou novas formas de socialização do
trabalho feito em sala de aula".
Laboratório Interativo
Quando os funcionários da escola viram o corre-corre
de alunos até o bebedouro, espalhando água
pelo chão, sabiam que não era algazarra. As
crianças estavam envolvidas no experimento piloto
de filtragem de água com o uso de pedras e areia,
elaborado pelos professores pesquisadores do subprojeto
do Laboratório Interativo de Ciências (Labi),
que ganhou o nome do professor Hilário Fracalanza
e a coordenação de mais um professor da FE,
Jorge Megid Neto.
Inaugurado em 29 de junho, o Labi está equipado com
microscópios e outros materiais de laboratório,
funcionando também como um espaço de motivação
à pesquisa e também de socialização,
onde é possível ver filmes e ouvir música.
"Os alunos começam a olhar a escola não
só como lugar de transmissão de conhecimento,
mas de produção e de vivência",
observa Pedro Ganzeli.
Ganzeli destaca a participação fundamental
da supervisora educacional e da coordenadora pedagógica,
responsáveis pelo acompanhamento das ações
na unidade escolar, favorecendo a integração
entre a equipe de gestão com os órgãos
centrais da Secretaria Municipal de Educação.
"Esse trabalho de pesquisa mostrou-se inovador ao garantir
a produção de conhecimento do cotidiano escolar
pelos próprios sujeitos implicados nesse mundo complexo.
A transformação da escola pública não
foi vista apenas como uma possibilidade, mas com realidade".