Pesquisador entrevistou moradores
e diagnosticou
problemas nas alvenarias
das edificações
CARMO GALLO NETTO
Em um país com déficit habitacional estimado em oito milhões de moradias, torna-se imperioso desenvolver e disseminar sistemas construtivos habitacionais para atender à demanda por moradia da população mais carente de recursos. Para satisfazer essas necessidades e expectativas o sistema construtivo deve respeitar a NBR 15.575:2008, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que normaliza o desempenho adequado das edificações de até cinco pavimentos.
Diante dessa perspectiva e com o objetivo de verificar a adequação quanto ao desempenho da durabilidade de alvenarias de habitações de interesse social de um sistema construtivo constituído de blocos cerâmicos de vedação, mas utilizados com funções auto-portantes, conhecidas usualmente como “estruturais”, à luz da NBR 15.575:2008, James Antônio Roque, engenheiro civil da Caixa Econômica Federal, elegeu como estudo de caso um conjunto habitacional popular constituído por 2.026 moradias, planejado para abrigar aproximadamente oito mil pessoas, construído em três fases na cidade de Jundiaí, no estado de São Paulo, e cuja Fase 1 foi entregue há mais de seis anos.
Para tanto, o pesquisador fez entrevistas com moradores e registrou patologias, assim denominados os problemas detectados nas alvenarias das edificações. O trabalho deu origem à tese de doutorado apresentada à Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp, orientada pelo professor Armando Lopes Moreno Junior.
Lotado na gerência de desenvolvimento urbano da Caixa Econômica Federal para o Estado de São Paulo, ele diz que a instituição tem a preocupação de financiar imóveis que ostentem desempenho adequado. James Roque deteve-se na análise do desempenho quanto à durabilidade de alvenarias de blocos cerâmicos de vedação com função auto-portantes de habitações de interesse social, considerando a idade da construção e os possíveis problemas e dissabores que causam aos seus moradores.
O estudo concentrou-se na Fase 1 do loteamento, constituído de casas geminadas de um e de dois dormitórios, levando em conta a recente Norma Brasileira de Desempenho de Edifícios Habitacionais, a NBR 15.575, que não tinha similar no Brasil até sua homologação em maio de 2008, embora até 2010 ainda em caráter informativo, quando então passará a normativa. A norma define os requisitos e critérios que as edificações de até cinco pavimentos devem observar para atender às expectativas dos moradores quanto ao desempenho em variadas vertentes, do qual James Roque considera duas fundamentais: segurança estrutural e durabilidade.
O sistema construtivo estudado tem se expandido rapidamente, constata o pesquisador, pelo baixo custo de produção, desestimulando muitas vezes o desenvolvimento de outros sistemas destinados à população de baixa renda, porque consolidado no segmento habitacional e compatível com a mão-de -obra disponível, não-qualificada, que são fatores aliados ao emprego de materiais relativamente baratos.
Ademais, afirma James Roque, “na construção civil existe resistência natural a mudanças em relação aos sistemas construtivos consagrados ou em expansão”. A grande pergunta que o pesquisador se colocava era: “Um sistema construtivo considerado convencional por tradição pelas instituições financeiras ou pelos agentes de fomento habitacional, devido ao emprego generalizado, pode ser efetivamente considerado como tal?”. Para ele, um sistema construtivo consagrado e largamente financiado com recursos públicos deve ser estudado quanto ao desempenho dos seus elementos e componentes.
Os sistemas normalmente utilizados no Brasil não são homologados em relação ao desempenho, que envolve desde a sua adequação construtiva até sua manutenção ao longo do tempo. O engenheiro se ateve ao exame principalmente das alvenarias externas que podem apresentar determinadas patologias, que são as ocorrências relacionadas a um desempenho inadequado, podendo comprometer a sua vida útil e a do sistema construtivo como um todo.
Mensurou também as patologias que podem ser oriundas das condições climáticas, o que exigiu a caracterização da posição e situação local do empreendimento. As condições climáticas estão relacionadas à variação da temperatura local, à direção dos ventos predominantes, à incidência de chuvas, aos índices de umidade, entre outras, que interagem com os componentes de uma alvenaria.
Existem no Brasil poucas informações sobre as origens dos problemas patológicos dos edifícios relacionados ao estudo do desempenho. A partir das manifestações patológicas quantificadas foi possível ao autor analisar o desempenho à durabilidade do elemento alvenaria com base na nova norma estabelecida.
Constatações
As pesquisas o levaram a constatações de várias ordens. Em relação à estrutura, localizou fissuras na ligação da laje com as paredes, provocadas pelo gradiente térmico; penetração de água no revestimento da base, onde se encontram também fissuras geralmente verticais, que podem ser ocasionadas por umidade do ambiente; fissuras provocadas por ação da carga da própria construção que aparecem junto às portas e janelas; infiltração de água até a face interior da alvenaria, decorrente dessas fissuras, que podem levar à proliferação de organismos patogênicos nos revestimentos internos dos ambientes da moradia.
Mas existem ainda outras constatações relevantes. Cerca de 38% das habitações estudadas apresentaram algum tipo de patologia no elemento alvenaria, o que supera em muito os 5% tolerados pelo órgão financiador mais importante do País, a Caixa Econômica Federal, o que o faz considerar que o sistema construtivo estudado, garantido tanto por instituições financeiras como por órgãos governamentais de fomento habitacional, deve ser revisto quanto à sua concepção construtiva; às condições de implantação do empreendimento em determinada área; aos projetos das moradias; aos componentes (materiais) da alvenaria; e quanto à gestão da produção, incluída a mão-de-obra envolvida.
Ele considera as questões climáticas como ventilação, insolação, umidade, temperatura, fatores a serem considerados nas patologias, embora não sejam levados normalmente em consideração pelos profissionais na concepção dos projetos de interesse sociais e correlacionados ao sistema construtivo e ao desempenho. Enfatiza que a ocorrência de patologias em uma obra de seis anos não é aceitável, principalmente quando se levam em consideração os prazos de financiamento e o fato de que reformas em elementos auto-portantes podem acabar custando mais ao morador que o equivalente à de uma nova construção.
James Roque constatou ainda que é imperiosa uma análise técnica prévia do elemento alvenaria, frente às normas prescritivas, principalmente porque a alvenaria de vedação está sendo utilizada na função estrutural. A questão da esbeltez para as paredes, ou seja, a relação entre suas altura e espessura efetivas, também deve ser considerada porque o resultado obtido não se apresentou na conformidade com as referências utilizadas. Por isso tudo, o engenheiro considera que a homologação dos sistemas construtivos é importante para a garantia do agente financeiro e do usuário da habitação.
Em relação à NBR 15.575:2008, James Roque propõe que certas recomendações contidas em seu texto sejam transformadas em normativas em vez de apenas informativas, e considera que determinadas vertentes do desempenho sejam flexibilizadas para que possam ser contempladas novas tecnologias que atendam às necessidades socioeconômicas do público alvo em menor tempo.
Do ponto de vista educacional, ele propõe a inclusão de disciplinas específicas sobre o desempenho com seus requisitos e critérios previstos na recente norma nos currículos dos cursos de arquitetura e engenharia.