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Tese resgata primeiras ações
da comunidade científica brasileira


Estudo revela atividades de comunidade
no Rio de Janeiro em meados do século XIX

Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em foto do início do século XX: local abrigava laboratórios e era ponto de encontro de naturalistas .Procurando preencher uma lacuna da historiografia das ciências no Brasil, a bióloga Rachel Pinheiro desenvolveu estudo que analisa a produção textual na área de ciências naturais de cientistas que participaram, em meados do século XIX, da Comissão Científica de Exploração, formada em 1856. Os trabalhos concentraram-se principalmente em duas publicações da época - Guanabara e Revista Brazileira - e nos seus correspondentes anexos, respectivamente, a Biblioteca Guanabarense e os Arquivos da Palestra Cientifica. As publicações foram responsáveis pela consolidação de uma comunidade científica no Brasil, segundo a pesquisadora.

Embora as revistas não fossem especificamente científicas, pois a maior parte de suas páginas eram dedicadas à literatura e às artes, elas circulavam internacionalmente, sobretudo em razão de seus artigos científicos. A pesquisa deu origem à tese "O que os nossos cientistas escreviam: algumas das publicações em ciências no Brasil do século XIX", apresentada ao Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. O estudo foi orientado pela professora Maria Margaret Lopes.

O objetivo foi trazer à luz as atividades existentes no meio do século XIX, que a pesquisadora considera geradora da tradição científica no Brasil. Para ela, apesar de grande parte dos estudiosos considerar a existência das ciências no país a partir da criação das instituições de nível superior, as atividades que passaram a ser ali praticadas não surgiram do nada, mas são oriundas de pesquisas já existentes, exercidas em instituições como o Museu Nacional e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, onde funcionavam laboratórios e realizavam-se encontros de naturalistas.

A pesquisa a levou à conclusão de que os cientistas dessa época tinham atividades e práticas intensas; buscavam e conseguiam reconhecimento internacional; existiam publicações que davam guarida a seus trabalhos, que se revelaram em número significativo; havia intercâmbio através dessas publicações com a Europa, constituindo as revistas aqui publicadas um grande veículo para a divulgação no exterior; a comunidade científica brasileira mantinha uma postura crítica em relação aos trabalhos aqui produzidos e os oriundos do exterior não eram aceitos passivamente, o que revela uma comunidade presente e atuante nesse grupo de naturalistas.

A pesquisadora considera que as fontes eleitas, em grande parte inéditas, mostram fatos e aspectos das atividades e do grau de organização da comunidade científica daquela época. "O estudo se junta a outros que abordaram a consolidação das ciências naturais no Brasil, na Colônia e no Império, desenvolvidos pelo Departamento de Geociências Aplicadas ao Ensino, do IG", afirma.

A abordagem

Em um primeiro momento, a pesquisa procura investigar se procede afirmar que existiu uma comunidade científica no Brasil de meados do século XIX voltada para a temática das ciências naturais; inferir sobre seu grau de organização; e abordar as produções escritas e publicações científicas, para evidenciar uma prática sistemática desse campo de conhecimento.

O estudo aborda as duas décadas entre 1950 e 1870 que abrigam grande parte da produção textual dos integrantes da Comissão Científica e de pessoas a ela relacionada que constituíram um marco no processo de institucionalização das ciências naturais no Brasil, pois, diz Rachel, "a ciência que surgiu a partir de 1870 não pode ter vindo do nada".

O primeiro capítulo da tese aborda as trajetórias de vida de alguns desses principais personagens. Através de um estudo biográfico foram mapeadas suas formações e as atividades, contextualizando as ações da Comissão e práticas científicas. A autora acredita que os personagens escolhidos protagonizam a consolidação de uma comunidade científica no Brasil que se dedicou a institucionalizá-la e promover trocas com cientistas internacionais, a estabelecer espaços para a prática científica, e para a publicação e divulgação da ciência praticada em território nacional.

O segundo capítulo trata dos integrantes da Comissão que atuaram nos mais importantes espaços de institucionalização das ciências existentes na Corte, no Segundo Império, gerados e conquistados pelos próprios naturalistas. Rachel entende que tais espaços, instituições e sociedades científicas permitiram uma circulação de idéias imprescindível no fazer ciência em um contexto internacional.

A bióloga Rachel Pinheiro, autora da tese: "A ciência que surgiu a partir de 1870 não pode ter vindo do nada". O terceiro capítulo aborda as obras impressas e publicações científicas de autoria dos personagens considerados ao longo da tese e também de relatórios de exposições nacionais e internacionais, privilegiando alguns periódicos que contêm quase que integralmente as obras publicadas por esses naturalistas.

Ao abordar os aspectos do fazer ciência no Brasil do século XIX, Rachel se ateve a cinco cientistas que praticaram ciência no País na época. Por meio do estudo da trajetória e de algumas obras desses cientistas demonstra, com práticas e situações relacionadas às suas atividades, em que medida as dinâmicas e elementos presentes em uma comunidade científica estavam presentes nos grupos em que eles transitavam. Com isso, buscou a possibilidade de afirmar que tais grupos configuram uma comunidade científica no Brasil do século XIX. Para ela, a ação desses cientistas reflete o meio cultural em que viviam.

Ao analisar algumas publicações, a pesquisadora se propõe, por meio da produção textual de alguns integrantes da Comissão, a abordar aspectos da consolidação da comunidade científica no Brasil, apoiada nas redes de sociabilidades construídas, e caracteriza os espaços de publicação, divulgação da ciência e conteúdos escritos por esses naturalistas.

A Comissão

A Comissão Científica de Exploração foi formada em Sessão Ordinária do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), com a presença do imperador do Brasil, D. Pedro II. Nessa reunião, houve críticas à falta de conhecimento do território brasileiro pelos naturalistas nacionais e, face ao desconforto causado pela constatação de que o Brasil era mais conhecido pelos estrangeiros do que pelos brasileiros, propôs-se a formação de um grupo de naturalistas para realizar uma viagem de exploração científica pelo país. Reforçava a medida o fato de várias das publicações estrangeiras revelarem desconhecimento do país.

Dizia-se, a propósito, que "não só os autores eram estranhos ao Brasil como também o Brasil era estranho a eles". Mas, mais que isso, crescia o sentimento de que a estranheza acometia não só naturalistas estrangeiros, mas também os nacionais, o que evidenciava a necessidade da formação de um grupo de trabalho nos moldes das Expedições Científicas organizadas pelos europeus.

Rachel diz ainda que, além de evidenciar o Brasil no quadro científico mundial, esses personagens objetivavam destaques para si mesmos e para seus grupos, embora houvesse também aspectos políticos e econômicos envolvidos na criação da Comissão. A iniciativa, inédita no Brasil, levou a Comissão Científica a organizar-se em cinco áreas da história natural: zoológica; botânica; geológica e mineralógica; astronômica e geográfica; e etnográfica e narrativa da viagem.

Na fase de preparação da exploração, membros da Comissão foram enviados à Europa para aquisição de livros e instrumentos necessários aos trabalhos. Embora criada em 1856, a partida dos naturalistas se deu apenas em 1859. A área escolhida para estudo foi o Ceará porque a região já tinha sido estudada por naturalistas portugueses por ocasião das Viagens Filosóficas, na época em que os naturalistas eram considerados filósofos da natureza.

Capas das revistas Guanabara e Brazileira: pioneirismo em textos que circulavam no ExteriorMesmo não atendendo às expectativas de localização de enormes riquezas minerais, a Comissão Científica reuniu um bom volume de material informativo que serviu de base para os estudos da história natural do Brasil. Seus trabalhos renderam para o Museu Nacional e para a comunidade científica grande quantidade de material botânico e zoológico, além de instrumentos, pinturas, livros e periódicos. Além disso, por acordo feito com os principais periódicos da época, trabalhos dela decorrentes foram publicados na Revista Brazileira - jornal de ciências, letras e artes - na Revista do Instituto Histórico e Geográfico e nos Arquivos da Palestra Científica.

Em relação às motivações que a moveram ao estudo sobre a Comissão, Rachel Pinheiro diz que pretendeu apresentar fatos da sua história que fossem relevantes para um melhor entendimento do principal objetivo da investigação que era o dos desdobramentos da Comissão Científica de Exploração e de todo um conjunto de publicações resultantes dos trabalhos produzidos pelos cientistas de que tratou na tese.

Ela considera que, em um momento de formação da comunidade científica brasileira, a Comissão Científica de Exploração se constituiu em elemento fundamental no processo pois, a exemplo dos países europeus, os naturalistas brasileiros também necessitavam de uma viagem de exploração científica. Apesar disso, diz ela, a historiografia tem ignorado sistematicamente as contribuições da Comissão, e os primeiros estudos sobre ela surgiram no Ceará apenas em 1962.

 
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