Foram testadas 201 leveduras, isoladas de materiais coletados em quatro biomas
MANUEL ALVES FILHO
Pesquisa desenvolvida nos laboratórios da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp concebeu um método original para a produção da trealose, açúcar amplamente distribuído na natureza e cujas propriedades especiais interessam às indústrias alimentícia, farmacêutica e de cosméticos. No estudo, conduzido para a tese de doutoramento da engenheira de alimentos Eliane Colla, o bioproduto foi obtido por meio de processo fermentativo. “A produção comercial de trealose ocorre atualmente por um método de conversão enzimática, dominado pelos japoneses”, afirma a autora do trabalho, que foi orientada pela professora Maria Isabel Rodrigues. A principal característica da trealose é a sua capacidade de estabilizar proteínas e membranas biológicas, ainda que submetida a variadas condições de estresse.
A trealose é um dissacarídeo, ou seja, uma cadeia orgânica formada por duas moléculas de glicose. Pode ser isolada e caracterizada a partir de um amplo leque de organismos, tais como leveduras, bactérias, fungos, algas, plantas, insetos e invertebrados. No estudo em questão, foram testadas 201 leveduras, isoladas de materiais coletados em quatro diferentes biomas nacionais: Floresta Amazônica, Cerrado, Mata Atlântica e Pantanal. Destas, quatro se mostraram promissoras, mas apenas duas foram efetivamente estudadas por Eliane – Rhodotorula dairenensis e Rhodosporidim paludigenum, ambas isoladas de flores do Cerrado. O gênero e a espécie dos microorganismos foram identificados em laboratório externo, por intermédio da técnica de sequenciamento da região ITS do rDNA.
Uma das preocupações da pesquisa, conforme a engenheira de alimentos, foi buscar meios de cultivo baratos. Assim, ela optou pelo uso de água de maceração de milho, subproduto gerado pela fabricação do amido; e melaço, resíduo da produção de açúcar. Eliane investigou tanto a concentração ideal destes componentes no meio de cultivo, quanto as condições de temperatura e pH de cultivo das leveduras. “Além disso, nós também avaliamos a resposta das células a condições de estresse térmico. Elas foram submetidas a temperaturas que variaram de 30 a 47ºC, por períodos de 60 a 120 minutos. Foi possível constatar que a temperatura ideal para as duas cepas girou em torno de 35ºC”, explica a autora do estudo.
O método desenvolvido pela pesquisa da engenheira de alimentos apresenta duas vantagens em relação ao processo já existente, de acordo com a própria autora do trabalho. Primeiro, porque se vale de microorganismos isolados de biomas nacionais e utiliza meios de cultivo baratos. Segundo, porque a trealose obtida pelo método fermentativo tende a ser mais pura do que a produzida pelo processo enzimático, visto que é mais difícil controlar a reação envolvida neste último. “Esse aspecto não foi comprovado pelo trabalho, mas há relatos nesse sentido na literatura”, afirma Eliane. No entender da pesquisadora, o estudo abre perspectiva para a realização de novas investigações que contribuam para consolidar a trealose como insumo largamente utilizado pelas indústrias alimentícia, farmacêutica e de alimentos.
Ela observa que, por ter a propriedade de prevenir danos às células, esse açúcar natural pode vir a ter uma ampla aplicação, notadamente em produtos como biscoitos, pães, cremes para o corpo e drogas para tratamento de doenças neurodegenerativas. “Para se ter uma idéia das propriedades da trealose, ela executa funções que vão do fornecimento de energia para o vôo dos insetos à proteção contra a dessecação [perda de umidade] extrema em plantas desérticas”, detalha. Ainda por conta dos atributos desse bioproduto, cogita-se que ele possa vir a ser empregado, por exemplo, para conservar vacinas, sangue e hemoderivados em temperatura ambiente. Ademais, pode ser utilizado como adoçante, visto que tem 45% da doçura da sacarose. Atualmente, cerca de 30 mil toneladas de trealose já são usadas anualmente por indústrias alimentícias e de cosméticos do Japão.