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Avanços atuais do tratamento endodôntico

ALEXANDRE AUGUSTO ZAIA

Alexandre Zaia é professor livre-docente do Departamento de Odontologia Restauradora da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP-Unicamp), sendo responsável pela disciplina de Endodontia e pela coordenação dos cursos de atualização e especialização em Endodontia (Foto: Divulgação)O tratamento endodôntico – conhecido popularmente como tratamento de canal – é um procedimento clínico dentro da área de odontologia que sempre despertou receio ou mesmo medo em muitas pessoas, seja por ser associado à dor, seja pela demora em concluí-lo – quando não, até mesmo por uma questão cultural. O tratamento endodôntico evoluiu muito nos últimos anos e esse receio não tem mais fundamento nos dias atuais. É importante que as pessoas saibam que o tratamento endodôntico é o último possível para salvar um dente. Seu fracasso implica em sua extração. Não existe nenhum procedimento que o substitua em situações nas quais o dente apresente o tecido pulpar necrosado ou com um processo inflamatório que clinicamente seja classificado como pulpite irreversível. Nessas situações, havendo interesse em manter o dente na cavidade bucal, o tratamento deve ser obrigatoriamente o endodôntico, seguido da sua restauração.

Nos últimos anos, podemos dizer que houve uma verdadeira revolução em relação ao tratamento endodôntico, com a introdução de novas tecnologias e mudanças nos conceitos biológicos. Profissionais que se especializaram há mais de 10 anos na endodontia e não se mantiveram atualizados com essas mudanças estão, com certeza, se sentindo bastante defasados e assustados em relação à condução do procedimento.

A evolução do tratamento endodôntico pode ser observada com o surgimento de novas tecnologias, entre as quais localizadores apicais eletrônicos, ultrasom, instrumentos rotatórios e uso de microscópio clínico, que possibilitam a realização de uma endodontia segura e rápida, com resultados mais previsíveis do que os alcançados alguns anos atrás.

O índice de sucesso do tratamento endodôntico para casos de polpa vital é de aproximadamente 95% e, em casos de polpa necrosada e contaminada, de cerca de 85%. As causas desses fracassos estão principalmente associadas à dificuldade com a anatomia interna do dente, uma vez que irregularidades anatômicas favorecem o alojamento de microorganismos, comprometendo o tratamento.

Das novas tecnologias disponíveis atualmente na endodontia, os localizadores apicais eletrônicos são, para muitos profissionais, os mais importantes. Esses equipamentos têm como objetivo localizar o final do canal radicular – isto é, ele informa ao profissional qual o comprimento exato do conduto radicular, permitindo uma instrumentação e limpeza de toda sua extensão, com a obturação chegando mais próximo do ligamento periodontal, vedando de forma mais eficiente esse conduto. Na ausência de localizador apical, o comprimento da raiz é obtido com auxílio de imagens radiográficas. Sabe-se, entretanto, que em muitos casos o comprimento do conduto radicular não coincide com o comprimento da raiz do dente, e essa diferença dificilmente é identificada na imagem radiográfica.

Os primeiros localizadores apicais introduzidos no mercado eram equipamentos limitados, que não transmitiam segurança nos resultados. Nesse período, eles não foram bem aceitos pelos endodontistas. Entretanto, a evolução da tecnologia mudou esse conceito. Numerosos trabalhos científicos comprovam sua eficiência, com precisão superior à obtida com imagens radiográficas. Existem diversos modelos de localizadores apicais, cujos valores variam de 2 mil a 6 mil reais. São poucas as situações clínicas nas quais o localizador não funciona corretamente e, nessas condições, deve-se fazer uso da imagem radiográfica.

Outro equipamento muito importante para o endodontista atualmente é o microscópio clínico. Em países desenvolvidos, como nos Estados Unidos, ele é parte obrigatória dos cursos de especialização em endodontia. O microscópio pode ser empregado com sucesso em qualquer área da odontologia. Contudo, foi na endodontia que ele teve maior adesão por parte dos profissionais. Seu uso possibilita uma ampliação e iluminação da câmera pulpar e dos condutos radiculares, fornecendo uma imagem até então nunca vista pelo endodontista. Isso permite um tratamento mais seguro e previsível por parte do profissional, pois ele passa a dominar a anatomia interna do dente com muito mais segurança. Complicações do tratamento endodôntico, que sempre foram críticas para o endodontista, como canais atrésicos ou calcificados, perfurações e remoção de instrumentos fraturados dentro do conduto radicular, tornaram-se problemas mais facilmente solucionados quando o profissional domina o uso do microscópio clínico. Ademais, o equipamento traz outras vantagens, como melhor ergonomia para o dentista, que pode trabalhar em posição mais confortável, e a documentação dos tratamentos por meio de fotos e filmes com excelente qualidade. A desvantagem do microscópio está no seu custo, ainda elevado, e na necessidade de treinamento por parte do profissional.

A instrumentação endodôntica também sofreu modificações substanciais. A chegada de limas confeccionadas em liga de níquel-titânio promoveu uma nova era na instrumentação endodôntica, permitindo que esta possa ser rea­lizada com sistemas rotatórios, que promovem uma melhor padronização no preparo dos canais e, quando associados a técnicas de obturação termoplastificadas, fazem com que o tratamento possa ser realizado de forma bastante rápida, reduzindo consideravelmente sua duração.

A introdução de radiografias digitais na rotina do tratamento endodôntico adiciona um avanço significativo em relação à avaliação e diagnóstico de alterações ósseas das regiões perirradiculares.

Acompanhando os avanços tecnológicos, novos materiais têm sido empregados no tratamento endodôntico. O uso de clorexidina como agente antisséptico em solução líquida ou gel assegura uma descontaminação efetiva dos canais radiculares durante o preparo, sem riscos de acidentes para o paciente. A presença de novos materiais obturadores, que incorporam as vantagens dos sistemas adesivos em relação a fornecer um vedamento mais eficiente dos canais, aparece como uma tendência para o futuro da obturação endodôntica.

Nesses últimos anos ocorreram também mudanças profundas em relação aos conceitos biológicos do tratamento. Dentre essas mudanças, destaca-se a importância hoje de se realizar uma instrumentação em toda extensão do conduto radicular, ampliando, inclusive, o forame apical, que até algum tempo atrás era algo impensável de se fazer. Outra mudança importante é a necessidade de restaurar o dente o mais rapidamente possível após o término do tratamento endodôntico. Isso evita o risco de uma recontaminação e, conseqüentemente, do comprometimento do procedimento. Além disso, em muitos casos, o dente pode ficar fragilizado após o tratamento endodôntico devido à perda de estrutura dentinária, e a restauração reduz muito o risco de fratura e perda.

Outra conduta que tem cada vez mais adeptos na endodontia é o tratamento em sessão única. A literatura é rica em trabalhos que mostram suas vantagens, como também contém diversos trabalhos que ressaltam a importância de colocar curativo intracanal e realizar o tratamento em várias sessões. Como essa discussão persiste na literatura científica há mais de 30 anos, uma conclusão simples que se pode tirar disso é que ambos os tratamentos podem ser realizados com sucesso. Não se justifica, portanto, protelar a conclusão do tratamento com trocas de curativo, mantendo o dente com restauração provisória e limitando sua função na cavidade bucal.

A disciplina de endodontia da FOP-Unicamp, com base em diversos critérios técnicos e biológicos, realiza tratamento endodôntico em sessão única desde a década de 80, sendo uma das escolas pioneiras no procedimento no Brasil. Em algumas situações, entretanto, o tratamento em sessão única não é indicado, como nos casos onde há presença de secreção no conduto radicular ou quando o dente apresenta um quadro de abscesso periapical.

Os avanços biológicos não param por aí. Estudos recentes demonstram que muitas células do tecido pulpar possuem grande capacidade de expressar diferentes características fenotípicas, o que permite especular o potencial dessas células – depois de estimuladas por fatores de crescimento e mediadores químicos – em promover o crescimento de um tecido regenerativo, permitindo a formação de um novo tecido vivo que venha a preencher o espaço pulpar previamente instrumentado.

O conhecimento desses novos conceitos, bem como a aquisição dessas novas tecnologias e seu treinamento, requer por parte do profissional um investimento financeiro grande. Por isso que o tratamento endodôntico deve ser realizado, sempre que possível, por especialista. Isso obviamente recai no custo final. Entretanto, falar de custo de tratamento é muito difícil. Devido à complexidade do procedimento e do grau de investimento do profissional tanto na sua formação como na aquisição de novas tecnologias, o custo pode ser considerado elevado por alguns. Isso pode ser questionável se compararmos o valor do tratamento endodôntico com outros serviços. Qual o custo de um serviço de funilaria para desamassar o pára-choque de um carro? Entretanto, qual o grau de comprometimento e investimento tanto na formação como em equipamentos desse profissional em relação a um endodontista?

Existem ainda diversos fatores que podem recair sobre o custo final do tratamento, como localização do consultório, qualificação do profissional, complexidade do caso e outros. De modo geral, o custo de um tratamento endodôntico caiu muito nos últimos anos, tornando-o acessível a uma parcela muito maior da população. Além disso, diversos serviços públicos têm oferecido tratamento endodôntico gratuitamente para a população, o que não era realizado há alguns anos. Ao paciente deve ficar claro o conceito segundo o qual todo profissional que for realizar um tratamento endodôntico deve ter – seja especialista ou clínico geral – de assumir a responsabilidade por seus atos e conduzir um tratamento justo baseado em princípios éticos e morais.

É importante que as pessoas saibam que a perda de um único dente pode trazer muitas complicações, influenciando inclusive na sua qualidade de vida. Portanto, torna-se essencial preservar e manter os dentes na cavidade bucal e, em razão disso, não há justificativa extrair um dente por medo de submeter-se ao tratamento endodôntico ou – como diz a maioria das pessoas – de realizar o tratamento do canal do dente.

 

 
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