O
tratamento endodôntico – conhecido popularmente como tratamento
de canal – é um procedimento clínico dentro da área de odontologia
que sempre despertou receio ou mesmo medo em muitas pessoas,
seja por ser associado à dor, seja pela demora em concluí-lo
– quando não, até mesmo por uma questão cultural. O tratamento
endodôntico evoluiu muito nos últimos anos e esse receio
não tem mais fundamento nos dias atuais. É importante que
as pessoas saibam que o tratamento endodôntico é o último
possível para salvar um dente. Seu fracasso implica em sua
extração. Não existe nenhum procedimento que o substitua
em situações nas quais o dente apresente o tecido pulpar
necrosado ou com um processo inflamatório que clinicamente
seja classificado como pulpite irreversível. Nessas situações,
havendo interesse em manter o dente na cavidade bucal, o
tratamento deve ser obrigatoriamente o endodôntico, seguido
da sua restauração.
Nos últimos anos, podemos dizer que houve uma verdadeira
revolução em relação ao tratamento endodôntico, com a introdução
de novas tecnologias e mudanças nos conceitos biológicos.
Profissionais que se especializaram há mais de 10 anos na
endodontia e não se mantiveram atualizados com essas mudanças
estão, com certeza, se sentindo bastante defasados e assustados
em relação à condução do procedimento.
A evolução do tratamento endodôntico pode ser observada
com o surgimento de novas tecnologias, entre as quais localizadores
apicais eletrônicos, ultrasom, instrumentos rotatórios e
uso de microscópio clínico, que possibilitam a realização
de uma endodontia segura e rápida, com resultados mais previsíveis
do que os alcançados alguns anos atrás.
O índice de sucesso do tratamento endodôntico para casos
de polpa vital é de aproximadamente 95% e, em casos de polpa
necrosada e contaminada, de cerca de 85%. As causas desses
fracassos estão principalmente associadas à dificuldade
com a anatomia interna do dente, uma vez que irregularidades
anatômicas favorecem o alojamento de microorganismos, comprometendo
o tratamento.
Das novas tecnologias disponíveis atualmente na endodontia,
os localizadores apicais eletrônicos são, para muitos profissionais,
os mais importantes. Esses equipamentos têm como objetivo
localizar o final do canal radicular – isto é, ele informa
ao profissional qual o comprimento exato do conduto radicular,
permitindo uma instrumentação e limpeza de toda sua extensão,
com a obturação chegando mais próximo do ligamento periodontal,
vedando de forma mais eficiente esse conduto. Na ausência
de localizador apical, o comprimento da raiz é obtido com
auxílio de imagens radiográficas. Sabe-se, entretanto, que
em muitos casos o comprimento do conduto radicular não coincide
com o comprimento da raiz do dente, e essa diferença dificilmente
é identificada na imagem radiográfica.
Os primeiros localizadores apicais introduzidos no mercado
eram equipamentos limitados, que não transmitiam segurança
nos resultados. Nesse período, eles não foram bem aceitos
pelos endodontistas. Entretanto, a evolução da tecnologia
mudou esse conceito. Numerosos trabalhos científicos comprovam
sua eficiência, com precisão superior à obtida com imagens
radiográficas. Existem diversos modelos de localizadores
apicais, cujos valores variam de 2 mil a 6 mil reais. São
poucas as situações clínicas nas quais o localizador não
funciona corretamente e, nessas condições, deve-se fazer
uso da imagem radiográfica.
Outro equipamento muito importante para o endodontista
atualmente é o microscópio clínico. Em países desenvolvidos,
como nos Estados Unidos, ele é parte obrigatória dos cursos
de especialização em endodontia. O microscópio pode ser
empregado com sucesso em qualquer área da odontologia. Contudo,
foi na endodontia que ele teve maior adesão por parte dos
profissionais. Seu uso possibilita uma ampliação e iluminação
da câmera pulpar e dos condutos radiculares, fornecendo
uma imagem até então nunca vista pelo endodontista. Isso
permite um tratamento mais seguro e previsível por parte
do profissional, pois ele passa a dominar a anatomia interna
do dente com muito mais segurança. Complicações do tratamento
endodôntico, que sempre foram críticas para o endodontista,
como canais atrésicos ou calcificados, perfurações e remoção
de instrumentos fraturados dentro do conduto radicular,
tornaram-se problemas mais facilmente solucionados quando
o profissional domina o uso do microscópio clínico. Ademais,
o equipamento traz outras vantagens, como melhor ergonomia
para o dentista, que pode trabalhar em posição mais confortável,
e a documentação dos tratamentos por meio de fotos e filmes
com excelente qualidade. A desvantagem do microscópio está
no seu custo, ainda elevado, e na necessidade de treinamento
por parte do profissional.
A instrumentação endodôntica também sofreu modificações
substanciais. A chegada de limas confeccionadas em liga
de níquel-titânio promoveu uma nova era na instrumentação
endodôntica, permitindo que esta possa ser realizada com
sistemas rotatórios, que promovem uma melhor padronização
no preparo dos canais e, quando associados a técnicas de
obturação termoplastificadas, fazem com que o tratamento
possa ser realizado de forma bastante rápida, reduzindo
consideravelmente sua duração.
A introdução de radiografias digitais na rotina do tratamento
endodôntico adiciona um avanço significativo em relação
à avaliação e diagnóstico de alterações ósseas das regiões
perirradiculares.
Acompanhando os avanços tecnológicos, novos materiais têm
sido empregados no tratamento endodôntico. O uso de clorexidina
como agente antisséptico em solução líquida ou gel assegura
uma descontaminação efetiva dos canais radiculares durante
o preparo, sem riscos de acidentes para o paciente. A presença
de novos materiais obturadores, que incorporam as vantagens
dos sistemas adesivos em relação a fornecer um vedamento
mais eficiente dos canais, aparece como uma tendência para
o futuro da obturação endodôntica.
Nesses últimos anos ocorreram também mudanças profundas
em relação aos conceitos biológicos do tratamento. Dentre
essas mudanças, destaca-se a importância hoje de se realizar
uma instrumentação em toda extensão do conduto radicular,
ampliando, inclusive, o forame apical, que até algum tempo
atrás era algo impensável de se fazer. Outra mudança importante
é a necessidade de restaurar o dente o mais rapidamente
possível após o término do tratamento endodôntico. Isso
evita o risco de uma recontaminação e, conseqüentemente,
do comprometimento do procedimento. Além disso, em muitos
casos, o dente pode ficar fragilizado após o tratamento
endodôntico devido à perda de estrutura dentinária, e a
restauração reduz muito o risco de fratura e perda.
Outra conduta que tem cada vez mais adeptos na endodontia
é o tratamento em sessão única. A literatura é rica em trabalhos
que mostram suas vantagens, como também contém diversos
trabalhos que ressaltam a importância de colocar curativo
intracanal e realizar o tratamento em várias sessões. Como
essa discussão persiste na literatura científica há mais
de 30 anos, uma conclusão simples que se pode tirar disso
é que ambos os tratamentos podem ser realizados com sucesso.
Não se justifica, portanto, protelar a conclusão do tratamento
com trocas de curativo, mantendo o dente com restauração
provisória e limitando sua função na cavidade bucal.
A disciplina de endodontia da FOP-Unicamp, com base em
diversos critérios técnicos e biológicos, realiza tratamento
endodôntico em sessão única desde a década de 80, sendo
uma das escolas pioneiras no procedimento no Brasil. Em
algumas situações, entretanto, o tratamento em sessão única
não é indicado, como nos casos onde há presença de secreção
no conduto radicular ou quando o dente apresenta um quadro
de abscesso periapical.
Os avanços biológicos não param por aí. Estudos recentes
demonstram que muitas células do tecido pulpar possuem grande
capacidade de expressar diferentes características fenotípicas,
o que permite especular o potencial dessas células – depois
de estimuladas por fatores de crescimento e mediadores químicos
– em promover o crescimento de um tecido regenerativo, permitindo
a formação de um novo tecido vivo que venha a preencher
o espaço pulpar previamente instrumentado.
O conhecimento desses novos conceitos, bem como a aquisição
dessas novas tecnologias e seu treinamento, requer por parte
do profissional um investimento financeiro grande. Por isso
que o tratamento endodôntico deve ser realizado, sempre
que possível, por especialista. Isso obviamente recai no
custo final. Entretanto, falar de custo de tratamento é
muito difícil. Devido à complexidade do procedimento e do
grau de investimento do profissional tanto na sua formação
como na aquisição de novas tecnologias, o custo pode ser
considerado elevado por alguns. Isso pode ser questionável
se compararmos o valor do tratamento endodôntico com outros
serviços. Qual o custo de um serviço de funilaria para desamassar
o pára-choque de um carro? Entretanto, qual o grau de comprometimento
e investimento tanto na formação como em equipamentos desse
profissional em relação a um endodontista?
Existem ainda diversos fatores que podem recair sobre o
custo final do tratamento, como localização do consultório,
qualificação do profissional, complexidade do caso e outros.
De modo geral, o custo de um tratamento endodôntico caiu
muito nos últimos anos, tornando-o acessível a uma parcela
muito maior da população. Além disso, diversos serviços
públicos têm oferecido tratamento endodôntico gratuitamente
para a população, o que não era realizado há alguns anos.
Ao paciente deve ficar claro o conceito segundo o qual todo
profissional que for realizar um tratamento endodôntico
deve ter – seja especialista ou clínico geral – de assumir
a responsabilidade por seus atos e conduzir um tratamento
justo baseado em princípios éticos e morais.
É importante que as pessoas saibam que a perda de um único
dente pode trazer muitas complicações, influenciando inclusive
na sua qualidade de vida. Portanto, torna-se essencial preservar
e manter os dentes na cavidade bucal e, em razão disso,
não há justificativa extrair um dente por medo de submeter-se
ao tratamento endodôntico ou – como diz a maioria das pessoas
– de realizar o tratamento do canal do dente.