Estudo decorrente de tese de doutorado
rende prêmio nos EUA e publicação de artigos
EDIMILSON
MONTALTI
Especial para o JU
Pesquisadores do Laboratório de Genética Molecular do Câncer
(Gemoca) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp
descobriram indícios da potencialização do risco para o
desenvolvimento de hipertiroidismo causado pela doença de
Graves a partir da infecção por herpes-vírus. O trabalho
foi enviado para publicação no Clinical Endocrinology. A
pesquisa é decorrente da continuação do trabalho de doutorado
“Agentes virais e a predisposição para doenças neoplásicas
e autoimunes”, da bióloga Janaína Luisa Leite.
A descoberta rendeu ao grupo o prêmio Top Five da HHV-6
Foundation, durante a 6ª Conferência Internacional sobre
HHV-6 e 7, realizada em Baltimore, nos Estados Unidos, um
artigo on-line para a Revista da Sociedad Iberoamericana
de Información Científica e um capítulo de livro Herpesviridae:
Viral Structure, Life Cycle and Infections sobre herpes-vírus,
para a editora Nova Publisher. O trabalho contou com a colaboração
de Natássia Elena Búfalo, Elaine Cristina Morari, Ana Carolina
Trindade Guilhen e Roberto Bernardo dos Santos. A coordenação
da pesquisa é da médica endocrinologista e responsável pelo
Gemoca, Laura Sterian Ward.
A relação entre vírus e doenças humanas vai muito além
dos quadros infecciosos desencadeados por eles. Já são bem
conhecidos vários tumores induzidos ou associados a vírus,
como o Sarcoma de Kaposi, presente em pacientes com HIV,
e o câncer de colo de útero, que aparece em mulheres com
papiloma vírus. Entretanto, a relação dos vírus com doenças
autoimunes é menos conhecida.
A doença de Graves é uma doença autoimune específica da
glândula tireóide, caracterizada pela produção de anticorpos
que elevam a produção de hormônios e desencadeiam o hipertiroidismo
ou bócio. De acordo com dados da literatura internacional,
a doença de Graves atinge cerca de 0,5% da população mundial,
na proporção de nove mulheres para cada homem, e pode ser
desencadeada por fatores ambientais associados a uma predisposição
hereditária.
Em 2006, num congresso em Barcelona, na Espanha, durante
a apresentação de um trabalho sobre herpes-vírus 6 e 7 em
pacientes imunossuprimidos transplantados renais do ambulatório
de nefrologia do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, Janaína
conheceu a pesquisadora Mora Murovska, do Instituto de Microbiologia
e Virologia da Universidade de Riga, na Letônia, que estava
pesquisando o mesmo vírus em pacientes com doença de Hashimoto,
que causa o hipotiroidismo.
“Ela encontrou uma alta prevalência do herpes-vírus nesses
pacientes. Assim como a doença de Graves, a doença de Hashimoto
também é uma doença autoimune da tireóide. Tivemos então
a ideia de estudar os herpes-vírus em pacientes brasileiros
com Graves”, explicou Janaína.
Para tanto, foram estudados 127 pacientes portadores de
doença de Graves confirmados por diagnósticos clínicos e
pela realização de testes de dosagem de anticorpos no ambulatório
da PUC-Campinas. Esses pacientes foram comparados com 150
indivíduos saudáveis pareados por sexo, idade e condições
de exposição ambiental.
Outros
pesquisadores, anteriormente, já haviam encontrado o herpes-vírus
6 em diferentes órgãos como estômago, intestino, fígado
e pâncreas e em glândulas, entre as quais a tiróide. Os
pesquisadores do Gemoca descobriram um aumento de 21% na
incidência de herpes-vírus 6 em pacientes portadores da
doença de Graves, sugerindo que esses indivíduos tinham
um aumento de risco para desenvolver a doença de Graves
duas vezes maior que em indivíduos saudáveis.
Apesar de os resultados encontrados pelos pesquisadores
demonstrarem essa associação, era necessário aprofundar
essa teoria. Os pesquisadores do Gemoca estabeleceram, então,
contato com o professor e pesquisador Wilmar Wiersinga,
do Departamento de Endocrinologia e Metabolismo do Centro
Médico Acadêmico da Universidade de Amsterdã, na Holanda,
que cedeu amostra de DNA de seus pacientes. Comparando com
as amostras brasileiras, os pesquisadores verificaram que
os pacientes holandeses com doença de Graves também tinham
uma grande incidência de herpes-vírus, no entanto, em proporção
muito menor que os brasileiros.
A primeira hipótese a que os pesquisadores chegaram foi
com relação à questão da higiene. Pelo fato de, no Brasil,
a população ter mais contato com agentes infecciosos, ela
produziria mais anticorpos que as pessoas que moram na Holanda.
“Verificamos que há de fato uma maior produção de anticorpos
contra herpes-vírus nos pacientes com doença de Graves daqui
em relação à Holanda. Portanto, concluímos que estava havendo
uma reação cruzada, pelo fato dos anticorpos contra herpes-vírus
e os anticorpos da doença de Graves serem semelhantes. É
o que chamamos de mimetismo molecular. Como os anticorpos
são semelhantes, ocorre, então, uma potencialização da doença
de Graves”, explicou Janaína.
A doença de Graves, de acordo com a bióloga Natássia Búfalo,
não tem cura. “Você controla e ameniza os sintomas com as
drogas antitireoidianas, ou remove a glândula tireóide,
ou ainda a destrói com radiodo”, explicou, observando que
a utilização de antivirais para o combate ao herpes-vírus
parece ser uma boa alternativa para esses pacientes.
O estudo, de acordo com Janaína, abre a possibilidade para
um novo tratamento destinado aos pacientes com doença de
Graves. O médico, ao verificar a doença, pode pedir um exame
para o herpes- vírus. Ao constatar a presença do vírus,
a indicação é tratar primeiro o herpes-vírus e depois entrar
com o tratamento para a doença de Graves.
Para o estudo do mecanismo de como a ação dos anticorpos
do herpes-vírus potencializa a doença de Graves, Janaína
disse que seria necessário cultivar o vírus in vitro e,
depois, transpô-los para um modelo animal. “Para isso, seria
necessário estabelecer parcerias com outros laboratórios
da Unicamp que estudam esse tipo de vírus ou até mesmo no
exterior”, comentou a pesquisadora.
Precedentes
A descoberta da correlação entre o herpes vírus 6 e a doença
de Graves abriu, para os pesquisadores do Gemoca, outra
frente de pesquisa que caminhou paralela e complementariamente
à primeira: o estudo da correlação com o gene TP53, que
é um supressor tumoral que atua no reparo do DNA da célula
e evita o crescimento de tumores. Os pesquisadores se debruçaram
sobre um polimorfismo desse gene em pacientes infectados
pelo herpes 6 e 7 com doença de Graves. Há três variantes
para esse polimorfismo: a normal ou selvagem e a heterozigoto
e homozigoto.
“Nós encontramos uma relação entre os herpes-vírus e as
variantes em heterozigose e em homozigose desse polimorfismo
do gene, mostrando uma maior suscetibilidade à doença de
Graves quando esses pacientes estão infectados pelo herpes-vírus.
Trata-se de uma associação bastante relevante que, até então,
não se conhecia na população brasileira”, explicou Natássia.
“A importância dessa descoberta está na possibilidade de
uma vacina que, eventualmente, poderá diminuir a incidência
da doença de Graves”, comentou a coordenadora do Gemoca,
a médica endocrinologista Laura Sterian Ward.
O próximo passo desse trabalho será correlacionar os fatores
ambientais, como exposição solar, fumo, produtos químicos,
com fatores biológicos (vírus) e fatores genéticos.
“Com essa perspectiva, fechamos todo o projeto. Daqui para
frente, pretendo pesquisar o herpes-vírus 8 e a sua relação
com o câncer, que é uma outra linha de pesquisa aqui do
Gemoca”, explicou Janaína.