CARMO
GALLO NETTO
A professora Célia Marina de Alvarenga Freire, do Departamento
de Engenharia de Materiais da Faculdade de Engenharia Mecânica
(FEM) da Unicamp, participa de pesquisa que estuda a interação
da polpa e do doce de cupuaçu com embalagens de folha-de-flandres.
Tudo começou com projeto de formação de docentes da Universidade
Federal do Pará (UFPA), quando vários de seus profissionais
de áreas envolvidas com estudos correlatos, como engenharia
mecânica, engenharia química e engenharia de alimentos,
vieram à Unicamp para atividades de doutorado. Embora o
programa fosse específico da engenharia mecânica, foi possível
desenvolvê-lo com profissionais de áreas afins por causa
da interface que a engenharia de materiais tem com elas.
O trabalho em relação ao cupuaçu se iniciou porque uma
das professoras da Engenharia de Alimentos da UFPA que veio
para o doutorado queria desenvolver estudo envolvendo um
produto regional. Como a professora Célia já tinha anteriormente
orientado tese de doutorado para embalagens para palmito,
sugeriu que se seguisse na mesma linha em relação a algum
produto especifico da Amazônia.
Na pesquisa da interação entre produto e embalagem, procura-se
saber qual o tempo de vida de prateleira e qual a corrosão
que acontece na lata por ação do produto armazenado. O que
se pretendia efetivamente avaliar era a adequação da embalagem
a um determinado produto armazenado. A doutoranda envolvida
na pesquisa escolheu o cupuaçu, que é uma fruta amazônica
de alto consumo, de produção sazonal, facilmente perecível
e que acumula grandes perdas porque as distâncias impedem
sua exportação. Daí a idéia de embalar o produto.
Célia lembra que o estudo concentrou-se inicialmente na
embalagem da polpa. O doutorado desenvolvido por Augusta
Maria Paulain Felipe se deteve no “Estudo da interação produto
embalagem em folha-de-flandres aplicado à polpa de cupuaçu”.
O trabalho iniciou-se com a retirada da casca do fruto de
cupuaçu, separação das sementes e a transformação da polpa
em concentrado, como se fosse um suco. A polpa assim preparada
foi embalada em latas de folha-de-flandres, que é uma folha
de aço revestida de estanho, elemento relativamente estável,
ou seja, capaz de resistir bem à corrosão e aos ácidos orgânicos,
e não-tóxico. Augusta chegou à Unicamp para o doutorado
já tendo realizado grande parte das pesquisas no Pará, embora
lhe faltasse ainda elaborar os dados e cursar disciplinas.
A
ideia da embalagem de lata era facilitar a exportação da
polpa, muito utilizada no preparo de suco, substituindo
a embalagem de vidro, de quebra fácil e maior peso comparativamente
às latas. Célia lembra ainda que houve uma época em que
era possível encontrar, em Belém, a polpa em embalagens
de folha-de- flandres, que desapareceram do mercado, muito
provavelmente porque a alta acidez do produto atacava o
metal.
Na embalagem da polpa, a pesquisadora utilizou lata de
folha-de-flandres revestida com resina acrílica por recomendação
do fabricante. Mas esse tipo de resina não se revelou adequado
e o metal foi atacado principalmente na região da solda.
De acordo com a pesquisadora Jozeti Gatti, do Ital, na região
de solda o verniz deveria ser outro, e não o acrílico utilizado
no corpo da lata.
Paralelamente ao estudo da embalagem da polpa, Célia e
Augusta resolveram trabalhar também com a embalagem do doce
de cupuaçu, muito apreciado no Pará, com o objetivo de agregar
valor ao produto. O projeto foi montado com base na experiência
adquirida no trabalho desenvolvido com a polpa. Para viabilizá-lo
em sua totalidade, Célia ampliou as parcerias, passando
a contar com a participação da Faculdade de Zootecnia e
Engenharia de Alimentos FZEA/USP, campus de Pirassununga,
e do Centro de Tecnologia de embalagens CETERA/IAL.
Multidisciplinaridade
Este novo projeto de pesquisa patrocinado pelo CNPq ateve-se
ao estudo da interação entre a embalagem metálica e o doce
de cupuaçu. Nesse trabalho de caráter multidisciplinar estão
envolvidos, além da professora Célia, do Departamento de
Engenharia de Materiais, da FEM da Unicamp; os docentes
Maria Teresa de A. Freire e Rodrigo Rodrigues Petrus e vários
graduandos do Departamento de Engenharia de Alimentos da
Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP
de Pirassununga; a doutoranda Augusta, do Departamento de
Engenharia Química e Alimentos da Universidade Federal do
Pará; e a pesquisadora Jozeti Gatti, do Centro de Tecnologia
de Embalagens – Cetea do Instituto de Tecnologia de Alimentos
– Ital.
A USP de Pirassununga responsabilizou-se pela avaliação
da qualidade das diferentes polpas de cupuaçu disponíveis
no mercado consumidor e sua seleção para a elaboração do
doce, pelo desenvolvimento da formulação, pelo processamento
e envase e avaliação do produto final sob a ótica da composição
física e química, da microbilogia e das características
sensoriais durante todo o período de estocagem. A Unicamp
estudou a corrosão e o Ital caracterizou a embalagem, determinando
a espessura da camada de estanho, características do verniz
aplicado, grau de secagem, porosidade dos materiais etc.
Constituíram objetivos principais desse estudo multidisciplinar:
a adequação da embalagem metálica tem relação a duas diferentes
espessuras de verniz ; a verificação da correlação entre
os teores de metais que se dissolvem no produto e as características
protetoras do verniz; a avaliação dos processos corrosivos
decorrentes da interação entre embalagem e produto e das
consequências decorrentes dos teores de ferro e estanho
incorporados ao produto; e a verificação das alterações
visuais na lata durante a estocagem e suas correlações com
a vida útil do alimento.
O estudo teve ainda como objetivos adequar a formulação
do doce de cupuaçu em relação ao teor de sólidos solúveis
para acondicionamento em latas metálicas estanhadas e avaliar
a influência da embalagem na estabilidade do doce de cupuaçu
por meio de análise microbiológica, análise sensorial e
análises físico-químicas.
A
pesquisa
Embalado o doce, a Unicamp realizou várias aberturas de
latas ao longo de tempo para avaliação do grau de corrosão
da embalagem, utilizando técnicas eletroquímicas nas análises.
O trabalho foi desenvolvido com a utilização de dois tipos
de latas porque hoje, por razões econômicas, as indústrias
de alimentos estão tentando reduzir a espessura da camada
de estanho, passando gradativamente dos 2,8 para 2,0 gramas
por metro quadrado. Por essa razão foram utilizadas latas
produzidas com estas duas graduações. Além de passar a usar
como revestimento o epóxi-fenólico, mais indicado na embalagem
de produtos ácidos, o grupo de pesquisadores o utilizou
em maior espessura na lata com menor camada de estanho e
com maior espessura na lata com menor camada de estanho.
As análises de vida de prateleira foram feitas abrindo as
embalagens a cada 30 dias, até que se completasse um ano,
e verificadas em cada caso a corrosão das latas.
O desempenho das latas face ao processo corrosivo foi comparado
à avaliação das características sensoriais do produto com
ênfase aos aspectos aroma, sabor e impressão global para
aquilatar o grau de aprovação do produto embalado e constatar
eventuais modificações de sabor ao longo do tempo. O sabor
foi aprovado e as latas se comportaram bem, embora, como
na embalagem da polpa, o problema ainda fosse a região de
solda, que precisa ser ainda trabalhada, mesmo considerando
que os índices de ferro e estanho encontrados no produto
sejam muito baixos, o que indica corrosão pequena.
A professora Célia considera os resultados interessantes
porque mostram que durante um ano o sistema se comportou
bem. Mas ela gostaria de estudar um pouco mais como se dá
a interação da embalagem com o produto, qual o mecanismo
envolvido e ainda testar outras latas como as de alumínio.
Descobrindo o mecanismo de ação, diz ela, se pode resolver
o problema ou apontar soluções e responder a várias perguntas.
A melhora do verniz aplicado na solda resolve? Pode-se tirar
o verniz aplicado sobre a folha-de-flandres? Ela lembra
ainda que são poucos os estudos que tratam da interação
produto embalagem e que demandam a utilização de técnicas
de análise da corrosão, pois grande parte das pesquisas
se atém à contaminação do produto por metais.
Na cooperação com a UFPA, ela destaca a experiência e conhecimento
que a profissional envolvida no projeto adquiriu e poderá
agora implementar em seu estado: “formamos uma pessoa que
está levando o que aprendeu para o Pará, que está crescendo
e precisa desse apoio. Esse, para mim, é o maior e melhor
dos resultados”. Célia destaca que o trabalho mostrou a
real possibilidade de agregar valor a produtos amazônicos,
setor em que a região, embora revele um grande potencial,
tem um longo caminho a percorrer.
Ela chama a atenção em particular para o caráter interdisciplinar
da pesquisa, pois considera fundamental a participação do
ITAL e da USP de Pirassununga, pois foram os estudos conjuntos
que determinam a resposta final. A possibilidade de estabelecer
parcerias com outras instituições de ensino e pesquisa fortalece
as relações interdisciplinares e amplia o foco acadêmico
da pesquisa. Porque, afirma Célia, “para aquilatar a validade
do resultado que eu obtive aqui no laboratório, preciso
conhecer muito bem a lata que recebi e as condições do produto
embalado, o que seria impossível sem essa cooperação multidisciplinar.
Se a lata não for bem fechada haverá interferência externa
no processo de corrosão e na deterioração do produto, o
que mascara o resultado que eu possa ter obtido no laboratório.
Na verdade tudo está interligado e é esse conjunto de informações
que sustentam meus dados sobre a corrosão”. Célia também
enfatiza a importante colaboração das empresas do setor,
particularmente a De Marchi, do segmento de frutas congeladas,
que forneceu a polpa para o estudo e a Metalúrgica Mococa
pela doação das latas metálicas.