Avaliação feita com mais de 1,3 mil
escolares contraria dados encontrados na literatura
LUIZ
SUGIMOTO
Estudo sobre a quantidade e qualidade óssea de 1.356 escolares
brancos e negros, entre 6 a 11 anos de idade, saudáveis,
de ambos os sexos e de diferentes níveis socioeconômicos,
apresentou maior massa óssea nos brancos – e não nos negros,
como diz a literatura. A avaliação se deu por meio da ultrassonografia
de falanges, técnica surgida há apenas 15 anos, e complementou
os métodos antropométricos que mediram peso e altura e calcularam
percentual de gordura, massa gorda, massa magra e índice
de massa corporal das crianças.
“Na verdade, trata-se de um novo método que avalia não
a densidade óssea, mas quantidade e qualidade. Antes era
difícil realizar estudos em crianças e adolescentes porque
outros métodos, como a dupla emissão de raio X (Dexa), emitem
radiação e dificultam a construção de curvas de crescimento”,
explica o educador físico Roberto Régis Ribeiro, que defendeu
a tese de doutorado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
da Unicamp, com orientação do professor Antonio de Azevedo
Barros Filho e co-orientação do professor Gil Guerra Junior.
A importância desse tipo de pesquisa, segundo o autor,
está na obtenção de dados mais refinados que permitam elaborar
uma curva de normalidade de tecido ósseo para a população
brasileira, propiciando programas de prevenção contra doenças
como a osteoporose. “Devemos construir nossas próprias curvas
de crescimento; e quanto mais regionalizadas melhor, visto
as grandes diferenças socioeconômicas no país, como por
exemplo, entre Sul e Nordeste. Os médicos ainda utilizam
referenciais europeus”.
Régis Ribeiro observa que a osteoporose deixou de ser preocupação
somente de adultos e idosos, uma vez que a densidade mineral
óssea dessa população depende da massa óssea adquirida especialmente
na puberdade e juventude. “Quando já se tem a doença, é
muito difícil reverter o quadro, pois os medicamentos não
oferecem respostas tão interessantes. Tendo valores referenciais
de crianças saudáveis, podemos criar uma estratégia de ação
(como dietas e atividades físicas) para que elas atinjam
o maior pico de massa óssea aos 25 anos”.
De
acordo com o pesquisador, a osteoporose e as fraturas dela
decorrentes causam taxas preocupantes de morbidade, mortalidade
e custos médicos, conformando um problema de saúde pública.
“A obtenção do pico ideal pode representar uma diferença
de aproximadamente 50% na variação do conteúdo mineral ósseo
até os 65 anos. Acredita-se que, ao se potencializar o acúmulo
de massa óssea no período pubertário e mantendo esse tecido
na vida adulta, é possível minimizar as reduções com o avançar
da idade”.
O autor da tese de doutorado ressalta que a saúde óssea
está ligada não apenas aos índices quantitativos de minerais
depositados no tecido esquelético, mas também à qualidade
da microestrutura. “Em tese, a combinação das propriedades
de força (capacidade de resistir à tensão) e elasticidade
(capacidade de se submeter à deformação) é que confere o
conceito mais adequado de integridade óssea”.
O Dexa é o método mais utilizado na avaliação da massa
óssea em crianças, segundo Régis Ribeiro. Ele observa, entretanto,
que a ultrassonografia de falanges – com o equipamento DMB
Sonic utilizado no estudo – é uma técnica muito recente.
“As únicas pesquisas no Brasil são conduzidas por nosso
grupo na Unicamp. É um método isento de radiação ionizante,
portátil e mais econômico quando comparado ao Dexa, tanto
em termos de custo do equipamento como de execução”.
Cidades peculiares
As crianças avaliadas são de escolas públicas de duas cidades
peculiares do oeste paranaense, que passaram por processos
distintos de ocupação a partir de 1960: Céu Azul, onde houve
forte imigração de descendentes de italianos e alemães do
Rio Grande do Sul e Santa Catarina; e Vera Cruz do Oeste,
que recebeu negros e descendentes de escravos de São Paulo
e Minas Gerais. Embora próximas, as duas populações apresentam
pouca miscigenação, o que torna interessante a avaliação
do estado nutricional em relação a aspectos socioeconômicos
e também de raça.
Régis
Ribeiro afirma que estudos com escolares nas séries iniciais
são uma forma prática e de baixo custo para monitorar o
crescimento e o estado nutricional das crianças, já que
o déficit de crescimento pode aparecer precocemente. “Esta
vigilância nutricional serve para promover medidas de prevenção,
como na merenda escolar, que nessa faixa etária auxilia
na manutenção de uma alimentação mais adequada, além de
contribuir para não agravar os déficits ao longo da vida”.
Uma ressalva do pesquisador é que as pesquisas sobre os
efeitos da desigualdade social na área da saúde tendem a
privilegiar a análise socioeconômica em detrimento dos aspectos
raciais, quando evidências demonstram que algumas doenças
são mais comuns ou evoluem de forma diferenciada em certos
agrupamentos étnicos. “Estudos podem apresentar variações
nos resultados devido a padrões de crescimento diferentes
decorrentes de fatores ambientais e hereditários”.
Como exemplo da influência genética, o autor lembra estudos
com crianças de diversas etnias em países ricos, registrando
que as asiáticas eram mais baixas em relação às demais,
apesar do elevado nível de vida. Ou outros, indicando que
as crianças de origem africana possuem pernas mais longas
do que as brancas, enquanto as européias têm ombros largos
em relação aos quadris. “O ambiente implica em transformações
bastante significativas, principalmente no que se refere
à composição corporal, que depende dos hábitos alimentares
e da prática da atividade física”.
Contra a literatura
Daí, que o resultado da pesquisa de doutorado contraria
a literatura, segundo a qual pessoas de cor de pele negra
apresentam maior tecido ósseo desde a infância até a fase
adulta. “Nosso estudo constatou que os brancos apresentam
maiores valores de quantidade e qualidade óssea. A hipótese
esclarecedora para isso seria o nível socioeconômico, que
foi mais baixo nas famílias negras – quanto menos informação,
menor a qualidade alimentar e, logo, um tecido ósseo de
pior qualidade”.
Entretanto, como o autor fez questão de salientar na tese,
a estatística trouxe diferenças muito pequenas, sem relevância
do ponto de vista clínico, haja vista que os meninos negros
mostraram resultados superiores de peso e altura, e as meninas
negras, igualmente, em relação à massa magra. “De certa
forma, podemos dizer que brancos e negros apresentam o mesmo
tecido ósseo”.
Em parte da tese, Régis Ribeiro compara os valores médios
de quantidade óssea encontrados nos escolares de Céu Azul
e Vera Cruz com referências europeias, a partir de avaliações
similares em crianças e adolescentes da Itália, Espanha
e Polônia. “A quantidade óssea das crianças brasileiras
– de ambos os gêneros e cores de pele – foi inferior às
polonesas e semelhante às italianas. Em comparação com o
estudo espanhol, nossas meninas apresentaram valores semelhantes
e os meninos, inferiores”.