Trabalho delineia condutas que podem
ser adotadas no tratamento endodôntico
CARMO
GALLO NETTO
Pesquisa desenvolvida na Faculdade de Odontologia de Piracicaba
pelo dentista Rogério de Castilho Jacinto, sob orientação
da professora Brenda Paula Figueiredo de Almeida Gomes,
ganhou o Grande Prêmio Capes de Tese – 2008 da área de Ciências
da Saúde, que engloba ciências biológicas, ciências da saúde
e ciências agrárias. O prêmio será outorgado no dia 10 de
julho, quando se comemora o 50º aniversário da instituição
O objetivo primeiro do trabalho vencedor foi analisar que
tipos de microrganismos – bactérias e fungos – estão presentes
no canal infectado de pacientes com dor de origem endodôntica,
ou seja, oriunda de problemas de canal. Ela pode provocar
males maiores se não tratada, originando problemas de ordem
sistêmica e ocasionando até a morte do indivíduo, dependendo
do grau de comprometimento. O estudo se ateve a 90 pacientes
atendidos nas clínicas de graduação e pós-graduação e no
plantão de emergência da Faculdade de Odontologia de Piracicaba
(FOP) da Unicamp, onde amostras de canais comprometidos
foram coletadas.
Foram estudadas, também, além das bactérias, a suscetibilidade
delas aos antibióticos comumente receitados, pois elas desenvolvem
resistências a eles, o que as torna mais, ou menos, resistentes
ao tratamento. Sem o desenvolvimento desse estudo não se
pode aquilatar a eficiência dos antibióticos mais prescritos
na clinica odontológica, nos casos em que o paciente tem
febre devido à infecção dentária ou apresenta edema espalhado,
ou em outros casos particulares que exigem sua administração.
Nesse estudo se monitora a resistência bacteriana aos antibióticos
mais usados na clínica odontológica de uma maneira geral.
Constatou-se que a variação da microbiota, ou seja, dos
microrganismos que causam dor de origem endodôntica, é muito
grande. Nas microbiotas estão em geral presentes as bactérias
gram-negativas anaeróbias que agravam o quadro, liberando
endotoxinas, que constituíram também objeto de estudo, pois
estão relacionadas com o fenômeno da dor e da reabsorção
óssea. Nos canais infectados, em que se manifesta a dor,
a presença de endotoxinas é muito alta devido às bactérias
gram-negativas. Para o estudo in vivo dos microrganismos
e das endotoxinas causadoras da dor, foram coletadas amostras
de canais radiculares de pacientes que apresentam esta sintomatologia.
A tese resultante do trabalho delineia condutas que podem
ser adotadas no tratamento endodôntico e alerta sobre a
resistência de microrganismo aos agentes antimicrobianos,
casos dos antibióticos de usos sistêmicos, indiscriminadamente
utilizados ou prescritos.
O estudo ateve-se ainda à avaliação dos níveis de endotoxina
que se forma no processo infeccioso. Embora a avaliação
dos níveis de endotoxina seja realizada em diversas áreas
de saúde humana, ainda não tinha sido realizada in vivo
na endodontia. Estudos sugerem que as endotoxinas podem
agravar o quadro de sintomatologia do paciente. A quantificação
das endotoxinas encontradas nos canais radiculares alerta
para a importância da adoção de técnicas de preparo químico-mecânico
do canal capaz de neutralizar esses agentes biologicamente
ativos.
Esse processo permite determinar como as substâncias que
se usam durante o tratamento endodôntico atuam na neutralização
das endotoxinas que são liberadas quando as bactérias gram-negativas
morrem ou se multiplicam. A neutralização das endotoxinas
é a grande questão a ser enfrentada no tratamento de canal
e dela depende fundamentalmente o seu sucesso. O que está
sendo inclusive pesquisado é como, mesmo sem a neutralização
completa das endotoxinas, grande parte dos canais é tratada
com sucesso. Para isso estão sendo utilizadas substâncias
químicas, associando-as a variações nas técnicas de instrumentação,
incluindo o uso do ultra-som, com o objetivo de melhorar
a sua eficácia e aumentar a eficiência no tratamento de
canais.
O
trabalho contou com financiamento da Fapesp e teve apoio
da Capes durante o doutorado sanduíche realizado pelo pesquisador
Rogério de Castilho Jacinto em Londres, Inglaterra, na Agência
de Proteção à Saúde (“Health Protection Agency”), na Unidade
de Identificação Molecular (“Molecular Identification Services
Unity”), tendo como orientador o professor Haroun N. Shah.
O pesquisador fez questão de participar da banca de defesa
da tese, ocasião em que ministrou inclusive um curso para
professores e alunos de pós-graduação da FOP. O trabalho
desenvolvido em Londres versou sobre “Técnicas genômicas
e protômicas de caracterização de bactérias isoladas de
canais radiculares humanos infectados (“Genomic and proteomic
approaches in characterizing bacterial isolates from human
root canal infections”). A professora Brenda constata que
do intercâmbio resultaram publicações conjuntas e uma interação
que se vislumbra duradouro entre as instituições envolvidas.
Sobre a abrangência do trabalho, a orientadora lembra que
gerou conhecimento suficiente para a elaboração de onze
artigos em periódicos de impacto internacional, além de
resumos publicados em revistas nacionais e internacionais.
Os onze trabalhos publicados por Jacinto relatam as bactérias
encontradas através de técnicas de culturas e moleculares:
PCR – método que identifica microrganismos pela amplificação
de fragmentos de seu DNA; clonagem – inserção de fragmentos
de DNA em células de uma bactéria específica que, ao crescer,
possibilita que estes fragmentos sejam separados e identificados;
sequenciamento genético – determinação da sequência referente
ao código genético de cada microrganismo; quantificação
das endotoxinas presentes, entre outras.
Mas, talvez mais importante, diz ela, seja o fato de o trabalho
ter gerado novos questionamentos que impulsionarão pesquisas
futuras a serem realizadas no laboratório da
Área de Endodontia da Faculdade. A propósito, menciona
o próprio pós-doutorado de Jacinto, que versou sobre “Investigação
na microbiota dos canais radiculares infectados de dentes
sintomáticos por cultura e sequenciamento do gene 16sRNA”,
cuja pesquisa foi resultante dos conhecimentos adquiridos
durante o doutorado. Ela destaca ainda que a microbiota
endodôntica está sendo estudada intensivamente agora, o
que tem levado à procura do conhecimento dos microrganismos,
das suas suscetibilidades aos antibióticos, do estudo das
substâncias e técnicas a serem utilizadas durante o tratamento
como forma de melhorar o sucesso do tratamento endodôntico.
Em decorrência, várias publicações têm surgido relatando
descobertas nessa área.
A professora Brenda considera que as premiações de Jacinto
decorrem da qualidade do trabalho, do alcance de sua abordagem,
da originalidade e novidades que trouxe, da sua relevância
para o desenvolvimento científico, tecnológico e social,
do valor por ele agregado ao sistema educacional, que se
dá através das publicações, pela geração de outras pesquisas
que seus resultados sugerem, caso do tema de pós-doutorado
do próprio pesquisador, financiado pela Fapesp.
Rogério de Castilho Jacinto foi admitido através de concurso
público como professor Adjunto I da Endodontia da Faculdade
de Odontologia da Universidade de Pelotas, RS. Participa
ainda como pesquisador colaborador de Pós-Graduação em Clínica
Odontológica como orientador e co-orientador de alunos de
mestrado e doutorado do Departamento de Odontologia Restauradora
da FOP.
Originalidade
A tese desenvolvida por Jacinto, que estudou a “Relação
da sintomatologia com a presença de microrganismos e endotoxinas
em canais radiculares com necrose e suscetibilidade antimicrobiana
de bactérias anaeróbicas estritas”, resultou de uma pesquisa
clínica integrada à microbiologia básica, diz sua orientadora
professora Brenda. Ela conta que foram utilizados diversos
métodos de identificação microbiana, da cultura à biologia
molecular. Investigou-se tanto a microbiota de canais radiculares
de dentes com abscesso periapical como a quantidade de endotoxinas
presentes em tais canais, estudo que ainda não havia sido
realizado em pacientes, na área de endodontia.
Além disso, foram realizados testes de suscetibilidade
de agentes antimicrobianos utilizados via sistêmica frente
a microrganismos isolados dos canais radiculares. Ela explica
que estes testes são de extrema importância, pois o uso
indiscriminado de antibióticos pode desenvolver microrganismo
multi-resistentes, gerando um problema de saúde pública.
O estudo permitiu, ainda, através de comparações com resultados
anteriormente obtidos, avaliar as alterações dos padrões
regionais de suscetibilidade aos antimicrobianos empregados
rotineiramente em odontologia. A professora afirma com entusiasmo
que “para mim, orientadora, a premiação foi motivo de muito
orgulho e comprova a seriedade das pesquisas realizadas
na FOP e a qualidade dos nossos cursos de graduação e pós-graduação”.
Brenda lembra que a endodontia brasileira é uma das que
mais tem publicado trabalhos em periódicos internacionais
de renome e o grupo da FOP é um dos que mais publica na
área, destacando-se na microbiologia endodôntica.