Dois trabalhos de pós-graduação da Unicamp
tomaram a homeopatia como universo de análise, apontando
avanços e perspectivas na especialidade médica que se firma
no país com uma política nacional implementada em 2006.
O primeiro estudo (de doutorado) – da médica homeopata Wania
Galhardi, defendido na Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
– mostrou que influenciaram o crescimento da homeopatia
a organização dos homeopatas para torná-la conhecida e a
política para envolver os gestores de serviços. O segundo
estudo, apresentado na Faculdade de Odontologia de Piracicaba
(FOP) pela farmacêutica Valéria Nogueira, concluiu que a
homeopatia conta com grande aceitação dos profissionais
das Unidades de Saúde da Família (USFs), que ainda persiste
uma imprecisão conceitual sobre a homeopatia e que os entrevistados
indicariam a especialidade sobretudo para tratamento das
rinites e alergias. Ambos os trabalhos convergem para a
integralidade, indicando que a homeopatia e a acupuntura
podem ser práticas complementares à alopatia.
Trabalho
analisa alcance em SP
A
pesquisa de Wania Galhardi apontou que, dos 645 municípios
que integravam o Estado de São Paulo entre os anos de 2000
e 2007, 47 ofereciam atendimento homeopático no Sistema
Único de Saúde (SUS). Mesmo com o pressuposto de que ela
já estaria implantada nos serviços de saúde pública dos
municípios de São Paulo, demonstrou-se que a oferta de atenção
da especialidade exibiu comportamentos diversos: apresentou
tendência ao crescimento de 14,6% de 2000-2007, enquanto
diminuição de 0,6% no biênio 2006-2007. Dez municípios deixaram
de atender com homeopatia e outros dez iniciaram o atendimento
no período estudado.
Orientada pelo docente da
FCM Nelson Felice de Barros, a autora analisou a oferta
da homeopatia nos municípios do Estado. Como método terapêutico
estudado por Samuel Hahnemann entre 1810 e 1842, a homeopatia
é uma das práticas integrativas e complementares sugeridas
pela Portaria 971 do Ministério da Saúde (2006) para ser
implementada no SUS, embora já houvesse um código para registro
de consultas homeopáticas no serviço público brasileiro
desde 1999.
A Organização Mundial da
Saúde (OMS), esclarece ela, já vinha discutindo o valor
da homeopatia desde 2001, pelos fatores hoje determinantes
do processo saúde-doença, como os sociais, culturais, econômicos,
ambientais e subjetivos. A OMS, comenta, mais percebe esta
necessidade à medida que aumentam as doenças crônico-degenerativas
no mundo e a população idosa. Um de seus documentos propunha
que até 2005 os países deveriam adotar práticas de medicina
alternativa e complementar nos seus sistemas de saúde.
A homeopatia foi classificada
como medicina alternativa até a década de 1990: ou se usava
a biomedicina ou a homeopatia. Hoje é vista como complementar.
Com isso, mesmo utilizando-se fármacos da biomedicina, é
possível complementar esse tratamento com a homeopatia ou
a acupuntura, a priori para as doenças crônicas, diabetes,
tireoidopatias, etc.
Wania Galhardi acredita
que ora a aceitação como complementar é maior pelos médicos
homeopatas e usuários. No momento alguns homeopatas se dedicam
à pesquisa científica, sobretudo nas linhas de depressão
e alergias, buscando sempre demonstrar a sua eficácia. O
que não se notou até aqui, pontua a médica, foi um acréscimo
de medicamentos homeopáticos no mercado. Ela esclarece que
a aborda- gem da homeopatia não é a mesma da fitoterapia.
Esta consiste no uso de vegetais para o tratamento das doenças
e aquela adota técnicas para a produção do medicamento,
cuja matéria-prima origina-se do meio animal, vegetal e
mineral. Ela não tange só as subs- tâncias novas, mas as
já existentes. Problemática O Estado de São Paulo é o mais
populoso do país, porém não conhecia a oferta da homeopatia
nos serviços de saúde pública. Por isso, Wania Galhardi
buscou os municípios que atuaram com a homeopatia de 2000
a 2007 por meio do Sistema de Informação (Datasus) do Ministério
da Saúde, onde se registra o código das consultas.
A homeopata notou como
se comportou a produção de consultas. E os dados forneceram
sustentação para suas conclusões. “Entre 2003 e 2005, foi
o período de maior produção de consultas.” O que a intrigou
foi que, após 2006, quando publicada a Política Nacional
estimulando as práticas da homeopatia, o que aconteceu foi
o inverso. Procurou descobrir por quê.
Ela entrevistou 42 gestores
dos 47 municípios que atendiam com homeopatia, usando um
questionário semiestruturado. A maioria deles desconhecia
a política. Os gestores priorizavam a Estratégia Saúde da
Família sem perceber que poderiam ter homeopatas como médicos
de família. Não atentaram que no Núcleo de Assistência à
Saúde da Família poderia haver médicos homeopatas, como
indica o Ministério da Saúde, contando com financiamento.
“Desconheciam as portarias e priorizavam a demanda de pronto
atendimento.”
Os colaboradores para o
aumento do atendimento homeopático, situa a homeopata, foram
apontados pelos entrevistados como a boa relação médico-paciente,
a qualidade da atenção, o reconhecimento dos benefícios
do tratamento, o aumento da carga horária e do número de
médicos homeopatas no serviço. Contudo, a crença na demora
do resultado do tratamento homeopático diminuiu a sua busca.
O menor número de médicos, a não uniformidade no registro
do código de atendimento e a falta de farmácia levaram à
redução da produção de consultas.
Ao se pensar a homeopatia
no SUS, avalia Wania Galhardi, tem-se a compreensão generalista
da assistência médica homeopática como auxiliadora na otimização
dos recursos disponíveis, como contri- buidora para a maior
abrangência das ações de promoção, prevenção e atenção à
saúde. “Então, numa ação conjunta entre Ministério da Saúde,
Estados, Municípios e instituições representativas da prática
e do saber homeopático certamente se promoveria a assistência
homeopática segura e de qualidade no SUS.”
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■ Publicação
■ Tese de Doutorado:
“A oferta da homeopatia no SUS dos municípios do Estado
de São Paulo: diferentes atores, distintas institucionalizações”
Autora: Wania Maria Papile Galhardi
Orientador: Nelson Felice de Barros
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas
(FCM)
Aceitação de profissionais é avaliada
A
farmacêutica Valéria Aparecida dos Santos Nogueira desde
os 15 dos seus 37 anos trabalha com a homeopatia. Bisneta
de boticário, ela cedo vivenciou parte da inserção da especialidade
no Brasil. Fazendo uma avaliação das perspectivas atuais,
ela declara que há boas possibilidades de crescimento da
homeopatia, mas que é necessário desfrutar dos avanços já
em curso, como a Portaria 971 do Ministério da Saúde, que
regulamenta Práticas Integrativas e Complementares no Sistema
Único de Saúde (SUS). “Não creio que ela por si dê conta
disso. É preciso educação permanente”, diz, pois em sua
pesquisa de mestrado constatou que os entrevistados a desconheciam.
“Além disso, espera-se adesão dos profissionais e um processo
dialógico com os usuários do sistema público, na busca do
acesso e integralidade.”
A farmacêutica abordou
no seu estudo, orientado pelo professor da FOP Fábio Luiz
Mialhe, as representações sociais das equipes das Unidades
de Saúde da Família (USFs) de Piracicaba. O intuito foi
avaliar os conhecimentos, atitudes e práticas em relação
às práticas integrativas e complementares, com ênfase na
homeo- patia. Para tal, foram entrevistados 70 profissionais
das USFs da cidade, entre médicos, enfermeiras e dentistas.
Valéria Nogueira recorda
que, na década de 1990, os médicos homeopatas eram vistos
de forma estigmatizada no país. Começou a sua pesquisa de
mestrado com essa visão. Mas foi testemunha das diferentes
movimentações, inclusive da Organização Mundial da Saúde
(OMS) recomendando a sua implementação. A “Iniciativas acontecem
quando as pessoas impulsionam a necessidade. Vimos na revisão
bibliográfica que elas começaram a buscar alternativas para
diminuir a medicalização, melhorar a qualidade de vida e
manter a saúde”, expõe a pesquisadora.
Campo
A pesquisadora empregou
um roteiro semiestruturado para as entrevistas. A pesquisa
de campo aconteceu nas 34 Unidades de Saúde da Família de
Piracicaba. Foi um estudo quali-quantitativo, transversal
e do tipo censo. Lançou mão ainda de um pré-teste permeando
cinco questões centrais: “quando se fala em homeopatia,
qual é a primeira coisa que lhe vem à mente?”; “o que você
acha des- sa alternativa de tratamento?”; “caso houvesse
profissionais homeopatas na sua área de atuação, você os
indicaria: se sim, para que casos você acha que o atendimento
seria possível?”; “o que você achou do Ministério da Saúde
ter aprovado em 2006 a Política Nacional de Práticas Integrativas
e Complementares no SUS?”; e “pensando nas práticas que
a Portaria 971 engloba, se você pudesse aperfeiçoar e ampliar
os seus conhecimentos através de um curso, qual você faria?”.
Os resultados da pesquisa
indicaram que, ao falar da homeopatia em sentido amplo,
o que vinha à mente do entrevistado era o fato dela ser
bem aceita hoje, a priori na atenção primária, embora muitos
dos avaliados tenham produzido um distanciamento conceitual
entre a homeopatia e a fitoterapia. Isso foi observado à
luz da análise discursiva do sujeito coletivo, técnica usada
em pesquisas de opinião com questões abertas, o que possibilitou
compreender quem estava falando em homeopatia e quem em
fitoterapia. Alguns, notou, se referiram a Hahnemann, às
bolinhas, às gotinhas ou então à arnica e à tintura, misturando
os conhecimentos. No entanto, a farmacêutica informa que
dar uma resposta correta não fazia parte da proposta e sim
investigar a representação social e teóri- ca do arcabouço
vivido pelos avaliados.
Na mesma pergunta, “caso
houvesse profissionais homeopatas, você os indicaria (ou
orientaria no caso das enfermeiras)?”, a resposta de 68
entrevistados foi “com toda certeza”. Apenas dois entrevistados
não a indicariam. “Os entrevistados são favoráveis e acreditam
que a implementação desses serviços diminuiria a medicalização,
sendo mais uma opção aos usuários”, revela Valéria Nogueira.
Além de ter surpreendido
a farmacêutica a grande aceitação da homeopatia, outro fato
que lhe saltou à vista foram as situações para as quais
eles a indicariam. Foram apontadas as alergias e rinites,
“onde realmente se notam vários benefícios”.
Entre outras questões,
todos os entrevistados relataram que pretendiam realizar
cursos de práticas integrativas e complementares em acupuntura,
em fitoterapia e em homeopatia. Entendiam que o curso seria
valioso para a assistência pública. Mas achavam que enfrentariam
dificuldades, via de regra na formação de RH, finanças (com
os pactos de gestão de saúde municipal) e aceitação pelo
usuário, “pois tudo seria novo para ele”.
A autora concluiu dizendo
que, além do preparo de pessoal, seria preciso existir uma
educação democrática. A seu ver, poucos municípios acataram
a Portaria 971, sendo que um de seus sentidos é a integralidade.
Para a farmacêutica, também ajuda ter pessoas chaves atuando
na ponta do processo e com o envolvimento da população nos
pactos, reuniões e conselhos da área.
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■ Publicação
■ Dissertação de
Mestrado: “Perspectivas da utilização da homeopatia
em saúde coletiva: representações das equipes de saúde”
Autora: Valéria Aparecida dos Santos Nogueira
Orientador: Fábio Luiz Mialhe
Unidade: FOP
Financiamento: Capes/Proex