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O motor da industrialização brasileira gira em
velocidade muito baixa, diz Wilson Cano
Docente investigará determinantes
da vida econômica
do país a partir de meados dos anos 2000
A questão regional brasileira
é um dos temas caros ao economista Wilson Cano, pro- fessor
colaborador voluntário do Instituto de Economia (IE) da Unicamp.
Há vários anos, ele tem se debruçado sobre o assunto, buscando
compreender melhor, entre outros, aspectos relacionados à
regionalização da produção capitalista no Brasil. Um dos seus
livros, Desconcentração Produtiva Regional do Brasil 1970-
2005, lançado em 2008 pela Editora da Unesp, trata justamente
das profundas mudanças nos determinantes da vida econômica
do país no período. Agora, Cano prepara-se para iniciar uma
nova pesquisa acerca da temática. Sua disposição é investigar
o que ocorreu nesse campo entre meados dos anos 2000 e os
dias atuais. “Estou desenhando o projeto de pesquisa, que
deverá envolver um grande número de pesquisadores e diversas
instituições. O trabalho ainda não foi concluído porque estou
aguardando a publicação completa do Censo de 2010”, revela.
Na última semana, o docente fez uma pequena pausa nos seus
afazeres para falar sobre o novo estudo ao Jornal da Unicamp.
Na entrevista que segue, ele afirma que o motor da industrialização
brasileira está “murcho” e adverte para o risco de o país
continuar apostando todas as fichas na exportação de commodities.
Jornal da Unicamp
- Como o senhor começou a trabalhar com o tema da desconcentração
produtiva?
Wilson
Cano - Eu tenho trabalhado com diversos temas ao
longo da minha carreira acadêmica. Na Unicamp, me pediram
para examinar a questão regional brasileira e também a questão
da urbanização. Já escrevi alguns livros sobre essas matérias.
Nós temos que entender que o Brasil, entre os anos de 30 e
80, teve toda a força e a direção do seu crescimento voltado
e centrado para o processo de industrialização. Foi isso que
trouxe progresso e modernizou o país. Graças à política econômica,
principalmente a adotada por Getúlio Vargas, houve a integração
do mercado nacional. Ou seja, antes você tinha ilhas, uma
chamada Nordeste, outra Sul, outra Sudeste e assim por diante.
A partir desse processo, o arquipélago foi unificado em um
só território. O mercado nacional foi integrado. A industrialização,
por sua vez, estava fortemente concentrada em São Paulo, que
detinha em 1980, 53% da produção industrial brasileira. Depois
de 80, aconteceu uma série de coisas. O Brasil levou diversos
tropeções. De 80 para cá, esse processo mudou radicalmente.
JU – Foi a tal década
perdida...
Cano - Os
anos 80 foram marcados pela crise da dívida. Foram anos de
baixíssimo crescimento. Nesse período, a indústria apenas
rastejou, não cresceu. De 1989 até hoje, houve a manutenção
de uma política macro-econômica de corte neoliberal. Que diabo
de coisa é essa? É algo que trabalha com a abertura comercial
do país. Antes nós tínhamos um protecionismo à indústria nacional.
Hoje, não. Desregulamentamos a entrada e a saí- da de capitais,
tanto o nacional quanto o internacional. Antes, havia controle.
Além disso, privatizamos muitas empresas estatais, algumas
delas importantíssimas nessa questão regional, como é o caso
da Vale do Rio Doce. A ação do Estado encolheu bastante. Desde
então, nunca mais fizemos planejamento econômico de nada.
JU – E o que ocorreu
nos anos subsequentes?
Cano - Com
o processo de abertura comercial, nós passamos dos anos 90
até 2003 também rastejando. Nosso crescimento foi simplesmente
medíocre no período. Até os anos 80, o Estado Brasileiro e
mais as estatais respondiam por mais da metade do investimento
total do país. Quando veio a crise dos anos 80, e isso arrebentou
com as finanças públicas, o peso do Estado caiu violentamente.
Então, o investimento ficou praticamente nas mãos do setor
privado. Ocorre que o setor privado, para investir, quer ter
horizonte promissor, quer certas garantias, precisa de taxa
de juros razoável. Nos anos 80, tudo isso foi muito incerto,
e a partir do Plano Real, nossa taxa de juros tornou-se cavalar,
a maior do mundo, e, assim, o empresário pensa dez vezes antes
de fazer qualquer investimento. Ele fica entre aplicar em
títulos da dívida pública, que lhe garante 12%, contra os
5% que ganharia abrindo ou incrementando um negócio. Então,
de 80 para cá, os determinantes do crescimento econômico nacional
mudaram radicalmente. Esse crescimento baixou de 7% para menos
de 2% entre 80 e 2003. De 2004 para cá, crescemos um pouquinho
mais, mas também não foi lá essas coisas.
JU – Quais as implicações
dessas mudanças para as regiões brasileiras?
Cano - Isso
tudo resultou no seguinte: as regiões estavam se integrando
e o crescimento delas estava envolvido no processo de industrialização.
Ao mesmo tempo, o governo federal olhava as regiões e tinha
uma política de desenvolvimento para elas. Depois de 80, essas
coisas mudam radicalmente. O motor do desenvolvimento deixa
de ser a industrialização. Como o governo não tem mais recursos,
porque precisa pagar a dívida, a política nacional de desenvolvimento
regional foi suprimida. Surge então a exportação de commodities.
Estas, mesmo quando crescem e envolvem uso de tecnologia,
contribuem para um tipo diferente de modernização. A modernização
da indústria é contagiante, penetra em todos os segmentos
da sociedade. Já a modernização da agricultura não tem grande
capilaridade. Além disso, a agricultura é muito mecanizada
e emprega pouca gente. Então, quem vai empregar o pessoal
na economia urbana do país? É o setor de serviços. Ocorre
que no setor de serviço, em um país como o nosso, predominam
as atividades simples, que não reque- rem elevada qualificação
de mão de obra e que, portanto, pagam baixos salários. Essa
mudança esgarçou os nexos que existiam entre as regiões brasileiras.
Alguns foram até partidos.
JU – Poderia explicar
melhor esse fenômeno?
Cano - Vamos
tomar como exem- plo a indústria automobilística, que se fixou
originalmente em São Paulo. Antes, nós fabricávamos a maior
parte das autopeças necessárias. Todo o esforço produtivo
era interno. Com a abertura, cresceu a importação de carros
e peças. E depois, com a guerra fiscal e a abertura comercial,
ocorreu uma grande desconcentração dessa indústria automobilística.
As fábricas foram para o Ceará, Minas Gerais, Bahia, Paraná,
Rio Grande do Sul e Goiás. E todas elas aumentaram a importação
de insumos e de carros prontos. Então, o esgarçamento se dá
no sentido de que os nexos de mercado vão sendo rompidos ou
fragilizados. Se você fosse fabricar tudo aqui, seria uma
coisa. Mas não é isso que está sendo feito. Hoje, estão fazendo
muita montagem. No campo da eletrônica foi pior ainda. O nosso
déficit comercial na importação de componentes eletrônicos
é gigantesco. Além disso, a guerra fiscal acelerou o esgarçamento.
Como o governo federal não tem recursos para transferir para
as periferias, ele fecha os olhos e deixa o pessoal fazer
a guerra fiscal. Ou seja, cada um tenta defender o seu prato,
mas no final todos perdem.
JU – E em termos de
urbanização, quais as consequências?
Cano - A
urbanização também decorreu do processo de industrialização.
Hoje está diferente. O que cresce na periferia do país é soja,
boi, minério de ferro. Essas atividades contribuem pouco para
a urbanização. Explicando melhor: a industrialização exige
um operariado que tem certa qualificação, exige um nível de
educação, requer sistema de saúde mais eficiente para dar
conta da demanda. Exige também infraestrutura: energia elétrica,
comunicações, estradas etc. Ou seja, requer uma modernização
muito maior do que a da agricultura. Então, não somente os
determinantes do desenvolvimento da economia regional foram
mudados, mas também os da própria urbanização. As cidades
passaram a ter um metabolismo diferenciado.
JU – Os problemas
decorrentes da urbanização também sofreram alterações?
Cano - A
despeito dessas diferenças no processo de urbanização, o novo
modelo trouxe as mesmas mazelas do modelo anterior. Antes,
as grandes cidades ficaram entupidas. De 80 para cá, as cidades
médias passaram a crescer mais que as grandes. A taxa de crescimento
populacional foi caindo ao longo das décadas. Estávamos com
1,6% e agora perto de 1%. Lembrando que chegamos a atingir
a taxa de 3% perto década de 60. Cheguei a Campinas em 1967.
A cidade tinha 300 mil habitantes. Isso aqui era o paraíso,
você estacionava o carro em qualquer lugar, andava de noite
sem medo de ser assaltado. A cidade tinha escolas excelentes,
bons hospitais, o ar era limpo etc. Hoje a cidade é completamente
diferente. Então, a mesma deterioração urbana registrada em
São Paulo e no Rio de Janeiro vai grassando pelo país todo.
Hoje, você não precisa mais ir a uma cidade de 1 milhão de
habitantes para ser sequestrado, para encontrar gente fumando
crack na esquina, para encontrar mendigo pelas ruas. Isso
é encontrado no Brasil inteiro. A urbanização se espalhou,
mas se espalharam também todos os efeitos nocivos desse processo.
JU – E o que ocorreu
do início dos anos 2000 para cá, a situação se agravou em
termos de desenvolvimento?
Cano - Estou
desenhando um projeto de pesquisa para investigar justamente
os acontecimentos desse período. O trabalho ainda não está
pronto porque estou aguardando a publicação dos dados completos
do Censo de 2010. Vai ser um estudo de fôlego, que envolverá
muitos pesquisadores e diversas instituições. A idéia é fazer
uma abordagem multidisciplinar, visto que a questão envolve
uma série de fatores, como demografia, urbanização, meio ambiente
etc.
JU – Mas há uma tendência
que o senhor já tenha detectado em relação ao desenvolvimento
econômico nacional?
Cano - De
2003 para cá, houve outra mudança. Os otimistas acham que
foi algo que veio para ficar. Eu penso que não. Penso que
é um cenário altamente suscetível de ser alterado. Estou falando
do efeito China. Como a China acelerou ainda mais o seu crescimento,
a demanda do país passou a ser qualquer coisa em torno de
25% de tudo o que possamos imaginar no mundo, de parafuso
a comida. Além disso, também tivemos a questão da especulação
no mercado financeiro internacional. Esses dois fatores jogaram
o preço das commodities para cima. Então, nós estamos nadando
de braçada em termos de exportação de commodities. Só que
isso está se casando com problemas que não foram resolvidos.
Com a abertura comercial e financeira, esse país ficou de
janela escancarada. Como aqui se paga a maior taxa de juros
do mundo, o capital internacional entra aqui por essa janela.
Ou seja, esse capital está ganhando o maior juro do mundo.
E isso, face aos saltos juros, contamina as contas públicas,
que é muito alta. O que ocorreu nesse período: valorizou-se
a taxa de câmbio, barateando-se sobremodo o dólar. Com isso,
a indústria nacional perdeu competitividade lá fora. Se você
olhar a pauta de exortações do Brasil, de 95 para cá, o peso
dos produtos industriais mais nobres, classificados como manufaturados,
caiu de 55% para 40%.
Nos últimos cinco anos, o
comércio exterior da indústria de transformação passou de
um superávit para um déficit de US$ 65 bilhões! Ou seja, estamos
perdendo oportunidades. Ao mesmo tempo, o motor forte da industrialização
está murcho, girando em velocidade muito baixa. Eu não acredito
que essas commodities vão manter esse mesmo patamar de preço
para o resto da vida. Mesmo porque, a própria China está cuidando
de atenuar o fenômeno. Hoje, cerca de 150 mil chineses estão
trabalhando na África. Eles foram para lá para produzir grãos,
explorar a pecuária, produzir petróleo etc. O país está abrindo
frente de fornecedores de matéria-prima para ele próprio,
como estratégia de bloquear a elevação dos preços. Por outro
lado, manter essa enxurrada de dólar entrando no país é arriscado.
Isso vai explodir as contas externas brasileiras. Não adianta
nada o governo falar que as reservas do país estão na casa
dos 350 bilhões de dólares. Ocorre que as dívidas brasileiras,
que não estão relacionadas à dívida externa, cresceram assustadoramente.
Além disso, há na Bolsa de Valores, em aplicações de títulos
em carteira, cerca de 300 ou 400 bilhões de dólares. Esse
é um dinheiro que pode sair do país de madrugada. Como a crise
financeira internacional não está resolvida, as medidas saneadoras
não estão sendo adotadas. Ou seja, estamos vivendo um período
de incertezas. Parte da minha futura pesquisa discutirá essa
questão e fará uma reflexão de que caminhos poderemos seguir.
JU – O governo federal
anunciou que parte dos recursos do pré-sal serão investidos
para fortalecer a indústria nacional. Como o senhor analisa
esse compromisso?
Cano - Embora
as estimativas sejam otimistas – algumas são da ordem de 150
bilhões de barris –, o petróleo do pré-sal ainda não está
jorrando. Ainda vai levar quatro ou cinco anos para o país
começar a produzir. A presidente Dilma deve estar imbuída
do mesmo espírito do presidente Lula, ou seja, de não exportar
tanto petróleo bruto, e tentar exportar mais subprodutos com
valor agregado. Mas amanhã, com a eventual posse de um governo
mais liberal, essa política pode mudar de rumo. E aí podemos
nos transformar em um país exportador de petróleo e ficarmos
suscetível à chamada doença Holandesa. O controle disso tem
que estar na mão do Estado.
O único país capitalista
que precisou fazer isso foi a Noruega. Ela criou toda uma
institucionalidade estatal para o petróleo e controla o seu
fundo soberano. Se o pré-sal for promissor, nós teremos recursos
adicionais para dar conta dos nossos problemas, que são imensos.
Desde 80 o Brasil está atrasado. Nós chegamos a investir 25%
do PIB. Hoje, esse índice está em 19%. Nós deixamos de realizar
muita coisa, como portos, moradias, saneamento, etc. Para
restaurar o país, segundo próprio governo, o investimento
teria que passar de 19% do PIB para algo em torno de 26%.
Hoje, porém, o país não tem esses recursos.
JU – O país tem condições
de voltar a se desenvolver a taxas menos tímidas?
Cano - A
resposta é muito difícil. É preciso consultar os empresários
e perguntar a eles se estão dispostos a investir no país.
Perguntar se eles querem retomar as fábricas antigas ou construir
algo novo. A resposta provavelmente vai ser: depende. Certamente
o empresariado vai querer saber quais as condições, quanto
poderão ganhar e que garantias de longo prazo poderão ter.
Atualmente, estamos financiando empresários que dão emprego
lá fora. O BNDES deu mais de 10 bilhões de reais para um frigorífico.
E deu um dinheirão para outros grupos nacionais que investem
lá fora. Nós precisamos criar emprego aqui dentro. Não é um
problema trivial de ser enfrentando.
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