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Engenheira desenvolve recheio de
biscoito zero trans e à base de soja
Técnica de redes neurais permite que o fabricante
possa decidir entre várias combinações

Pesquisa conduzida pela engenheira de alimentos Kelly Moreira Gandra resultou no desenvolvimento de um proces- so capaz de produzir gordura zero trans para recheios de biscoito utilizando como matéria-prima a soja. Para isso, ela aplicou a ferramenta de redes neurais – técnicas computacionais que apresentam um modelo matemático inspirado na estrutura neural de organismos inte- ligentes –, usada com sucesso pelo Laboratório de Óleos e Gorduras da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) desde meados da década de 1990. De acordo com o professor Da- niel Barrera-Arellano, orientador da pesquisa, ficou provado que é possível trabalhar com gorduras interesterifi- cadas puramente de soja, que a tec- nologia funciona e que os recheios de biscoitos podem ser fabricados sem as chamadas gorduras trans. A boa notí- cia é que esse processo irá baratear a fabricação de biscoitos, uma vez que, segundo o docente, custo não é apenas disponibilidade de matéria-prima, mas também escala de produção.

Atualmente, algumas indústrias utilizam óleo de palma como base para esses recheios, o que, na opinião de Arellano, apresenta dois problemas: baixa disponibilidade da matéria-prima e escala de produção muito pequena. “Por ser muito abundante no Brasil, a soja possibilita a fabricação de grandes quantidades, com custo de produção muito baixo”, afirmou o orientador. Além disso, a aplicação da técnica de redes neurais permite que o formulador possa decidir entre várias combinações de custo e faça a opção por aquela que seja mais adequada ao fabricante.

A engenheira de alimentos explicou que uma das principais características do processo está diretamente re- lacionada ao número de sólidos apresentados pela gordura, ou seja, a sua dureza. Trata-se de uma propriedade tomada como base para aplicar toda a tecnologia computacional. “É como se fosse um cérebro pensando e nós programamos o software para que ele encontre as relações ideais de teor de sólidos com temperatura”, ressaltou Gandra. Cada produto tem um perfil próprio e a rede neural serve para desenhar isso de maneira muito rápida.

As análises efetuadas no Laboratório de Óleos e Gorduras da FEA utilizaram biscoitos recheados, expostos durante 120 horas a 40ºC, com o objetivo de verificar se a gordura existente no recheio derreteria, uma vez que isso reprova o produto final. Para Arellano, esse tipo de análise é muito importante porque o biscoito, desde a sua fabricação até o consumo, passa por diferentes temperaturas. “Vamos imaginar um caminhão transportando uma carga de biscoitos para a regiãonorte do país. Ele cahega a ficar dois dias na rodovia Belém-Brasília. E quando chega ao consumidor, o recheio tem que fundir adequadamente. A gordura foi desenhada para aguentar tudo isso”, explicou o docente. Nem todas as marcas fundem bem, salienta o orientador, e aí que entra a qualidade do desenho da gordura, feito pela rede neural. Isso, segundo ele, não altera o custo do produto e ainda serve para determinar se o recheio de um produto é bom ou ruim.

Parcerias

Arellano revelou que o Laboratório procurou parceiros no mercado para a realização de testes, porém, em princípio, o projeto não recebeu créditos por parte da iniciativa privada. No entanto, como todos os grandes fabricantes – Bunge, Cargill e Triângulo – já conhecem bem a pesquisa efetuada pelo Laboratório, resolveram participar da aplicação. Depois de cada empresa ceder um produto para os testes, foi feita uma simulação levando em conta a formulação apenas com soja. Os resultados foram iguais aos que estavam sendo obtidos com óleo de palma ou gordura hidrogenada.

Em seguida, os testes foram levados a uma planta piloto de uma indústria onde os experimentos foram comparados, apresentando resultados extremamente satisfatórios. De acordo com o docente, se as empresas quiserem absorver essa tecnologia, ela está pronta para ser implementada de imediato, com uma aplicabilidade muito rápida. “Cada empresa tem que alimentar a ferramenta com seus dados, porém, em menos de uma semana, tudo está pronto para ser aplicado”, observou.

Arellano acrescentou que a origem da utilização de redes neurais no setor alimentício já tem muitos anos e surgiu por meio de um trabalho conjunto entre o Laboratório da FEA – na parte de aplicação – e pesquisadores da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp – na parte computacional. E o primeiro setor pesquisado foi o de fabricação de margarinas. O docente explicou que existe, dentro das fábricas, um funcionário especializado, chamado de formulador. Ele é o responsável pela escolha adequada dos elementos e de suas respectivas quantidades, que compõem o produto final. Porém, ele trabalha com as limitações humanas.

O desenvolvimento da tecnologia de redes neurais, segundo Arellano, não veio para substituir o formulador, mas para dar a ele uma ferramenta que o torne mais eficiente em sua decisão. “Nós desenvolvemos essa tecnologia, somos os únicos no mundo que a utilizamos para essa aplicação”, assegurou o orientador da pesquisa. O software foi licenciado para a empresa Cflex BrainMerge, empresa que surgiu na Feec, incubada no projeto Softex, e hoje já é utilizado na Argentina, na Colômbia e no Marrocos. Atualmente, esse sistema dá muitas opções ao formulador para que ele possa escolher aquela com melhores características. Até o ano de 2003, a formulação era feita apenas com gorduras hidrogenadas. A partir de 2004 – principalmente em 2006, quando a palavra trans começou a aparecer nos rótulos dos produtos – surgiu a necessidade de eliminar esse tipo de gordura, devido aos efeitos adversos já comprovados que podem provocar no organismo humano. A indústria fez isso substituindo soja hidrogenada por palma ou gordura interesterificada, porém, com certa parcimônia.

O objetivo, portanto, foi verificar se a tecnologia de rede neural se aplicava a novas gorduras usando soja porque, na opinião de Arellano, no Brasil tudo se faz com soja, principalmente em razão de sua abun- dância. E o trabalho de Gandra foi atacar esse ponto. Ficou constatado que a tecnologia se aplicava e a, partir daí, se deu a escolha por recheios de biscoito, porque eles precisam de gorduras muito duras e as interesterificadas têm essa característica.

Redes neurais

É fundamental que se pense cada vez mais em ferramentas eficientes com o objetivo de associar rapidez, baixo custo e propriedades nutricionais adequadas. Por isso, complementou Arellano, está tudo atrelado – a consciência do consumidor que não quer mais produtos trans, porém com custos compatíveis – e esta tecnologia veio exatamente para isso. Primeiro, porque abriu uma opção mais rápida de fazer o trabalho e, segundo, derrubou o mito de que alguns produtos não poderiam ser feitos com soja.

No que diz respeito à incorporação da tecnologia no ensino, o docente afirmou que isto já ocorreu com as disciplinas de graduação e pós. Na graduação há uma disciplina que se chama Gorduras Especiais e trata de todos esses assuntos, desde o desen- volvimento da pesquisa até a comprovação em laboratório, fazendo o papel de formuladores. Na pós-graduação há, também, uma disciplina na qual se inclui o tema de formulação que é muito importante no mundo de óleos e gorduras. “Cada produto precisa de uma gordura pensada especialmente para ele. Chegamos ao ponto de que cada empresa quer sua gordura especial, que é o diferencial entre as marcas. Para isso, precisamos de precisão”, concluiu Arellano.

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■ Publicação

Tese: “Formulação de gorduras zero trans para recheio de biscoitos utilizando redes neurais” Autora: Kelly Moreira Gandra
Orientador: Daniel Barrera-Arellano
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
Fonte de financiamento: Fapesp




 
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