Esportistas
e frequentadores de academias costumam utilizar su- plementos
alimentares para conseguir e até acelerar processos de
desenvolvimento físico desejados, geralmente associados
ao aumento da massa muscular. Entre as substâncias que
fazem parte desses suplementos está o ácido linoléico
conjugado (CLA), a que são atribuídos vários efeitos benéficos
ao organismo humano, entre os quais modulação do sistema
imune, potencialização da mineralização óssea, prevenção
e tratamento do diabetes mellitus, redução da aterosclerose
e altera- ções da composição corporal, em que se distingue
aumento de massa muscular e redução de gordura.
Com o objetivo de estudar mais especificamente o efeito
do ácido linoléico conjugado sobre o perfil lipídico e
a composição corporal em ratos e humanos, a nutricionista
Adriana Prais Botelho desenvolveu pesquisa na Faculdade
de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, sob orientação
do professor Mario Roberto Maróstica Junior.
Sua proposta foi verificar os efeitos da suplementação
em cápsu- las com ácido linoléico conjugado e do consumo
de leite enriquecido com esse composto sobre o perfil
lipídico e a composição corporal, por meio de ensaio biológico,
em ratos Wistar machos, saudáveis e em crescimento e,
por meio de ensaios clínicos, em indivíduos do sexo masculino
com sobrepeso e obesidade.
Ao final de cinco anos de trabalhos, com o auxílio pesquisa
Fapesp e bolsa do CNPq, a autora concluiu que o ácido
linoléico conjugado não exerceu modificação na composição
corporal e no perfil lipídico, embora tenha atuado positivamente
sobre a diminuição da glicemia plasmática, efeito que
considerou o único beneficamente significativo.
Diante dos resultados apresentados, inquirida pela banca
examinadora se recomendaria mesmo assim o consumo do ácido
graxo no tratamento do diabetes, ela causou certa surpresa
ao dizer que não, pois considera que o mesmo resultado
pode ser obtido de forma mais eficiente com a utilização
de outras substâncias, sem os riscos que podem eventualmente
advir da ingestão do CLA. A pesquisadora considera que
a grande contribuição do trabalho é o de servir de alerta
aos que consomem o ácido linoléico conjugado porque as
pesquisas não são ainda conclusivas.
O CLA
O ácido linoléico é um ácido graxo cuja cadeia carbônica
contém 18 átomos e duas duplas ligações separadas por
um grupamento metil. Já o acido linoléico conjugado (CLA)
é formado por um conjunto de moléculas em que as duas
duplas ligações estão dispostas lado a lado, isto é,
conjugadas. Mas essas chamadas duplas ligações conjugadas
podem estar em posições diferentes dentro da cadeia carbônica.
Em cada caso, a posição da dupla ligação conjugada na
molécula dá origem a isômeros, assim chamadas substâncias
de mesma fórmula molecular. Esse conjunto de isômeros
constitui o ácido linoléico conjugado, representado
pela sigla CLA.
Adriana inteirou-se das propriedades atribuídas ao CLA
pela primeira vez em um congresso e propôs ao seu orientador
de mestrado o estudo dos seus efeitos mais mencionados,
relacionados à alteração da composição corporal. Segundo
a literatura, o ácido graxo é capaz de aumentar a massa
magra e reduzir a massa gorda, anseios perseguidos pelos
que procuram alimentos que aumentem os músculos e reduzam
a gordura. No mestrado, ela realizou testes apenas com
ratos e os resultados se mostraram positivos, revelando
a redução de 18% do tecido adiposo. Então, já no doutorado,
estendeu a investigação para os mecanismos de ação em
humanos, pois como nutricionista se preocupa com as propriedades
dos alimentos.
Pensou então inicialmente em comparar o efeito desse
ácido graxo conjugado em duas situações distintas: quando
consumido na forma de cápsulas e quando adicionado a alimentos,
estudando os dois efeitos tanto em ratos como em humanos.
Adriana afirma que se ateve apenas aos efeitos benéficos
da substância, mas alerta que no seu grupo outra pesquisadora
estuda os efeitos adversos para o organismo. Um deles
seria sua capacidade de auto-oxidação lipídica, que leva
à formação de indesejáveis radicais livres. Ela esclarece
que tanto efeitos benéficos como adversos dependem da
dose ministrada, da forma e do tempo de administração.
Baseada na literatura, ela utilizou a menor dose tanto
associada a efeitos benéficos como à ausência de efeitos
adversos, que é a de três gramas ao dia no caso dos humanos.
Em ratos
Na alimentação dos ratos foram adicionados 2% do ácido
graxo em relação ao consumo diário de dieta. Para comparação
com a administração direta, a mesma proporção foi introduzida no estômago por meio da entubação orogástrica,
em substituição à capsula utilizada para os humanos.
Inicialmente, cem ratos foram submetidos à mesma dieta
cumprindo um período de adaptação de dez dias. Em seguida,
vinte deles foram sacrificados no que se chamou de tempo
zero. Os demais constituíram quatro grupos de vinte animais.
Os animais de dois deles receberam, por meio de entubação
orográstrica, respectivamente, o CLA e o ácido linoléico
propriamente dito, utilizado como placebo por ser inoculo:
os outros dois grupos receberam dieta alimentar a que
foram adicionados, respectivamente, CLA e o ácido linoléico
como placebo. Depois de quatro semanas submetidos a esses
processos, dez animais de cada grupo foram sacrificados,
no tempo um. Os demais continuaram a receber o tratamento
por mais quatro semanas e depois sacrificados no tempo
dois.
Nesses três tempos, a pesquisadora realizou análises
de várias ordens: composição corporal, perfil bioquímico,
colesterol total, triacilglicerol, HDL, glicemia, perfil
hormonal e ósseo. Realizou inclusive uma parte da expressão
gênica, que considera a mais importante de todo o projeto.
Neste caso, mediu a expressão de duas enzimas fundamentais
no metabolismo lipídico. A carnitina palmitoil transferase
I, situada na mitocôndria, responsável por recrutar os
ácidos graxos, para que possam ser oxidados. “Queríamos
saber se ocorria com a administração do CLA o aumento
dessa enzima, o que explicaria a elevação do poder de
oxidação e a consequente queima de gordura”, explica.
Paralelamente, ela esperava que outra enzima, a ácido
graxo sintase, capaz de sintetizar gordura, tivesse sido
reduzida pela ação do ácido. Verificação da expressão
gênica dessas enzimas permitiria detectar alterações para
mais ou para menos decorrentes da ação do CLA.
Com base nos resultados, diz Adriana, “não conseguimos
identificar alterações da composição corporal, nem aumento
da massa magra ou redução da massa gorda, de triaglicerol
e colesterol total, independentemente da forma de administração.
Verificamos aumento do HDL, o colesterol bom, depois
de quatro semanas. Não ocorreram alterações relevantes
no perfil hormonal, o que justifica o fato de não termos
encontrado alteração da composição corporal”. Não foram
encontradas igualmente alterações significativas no perfil
ósseo.
Detectou-se, entretanto, redução estatisticamente significativa
da glicemia. Embora o resultado já fosse previsto, a literatura
correspondente mostra-se extremamente controversa. Segundo
a autora, isso ocorre por causa da quantidade e do tempo
de administração e do modelo experimental utilizado.
Em humanos
Nas pesquisas com humanos, Adriana partiu de 154 indivíduos
que recebe- ram ou cápsulas de CLA, ou leite semi-desnatado
enriquecido com CLA, ou ácido linoléico, ou leite semi-desnatado
sem o enriquecimento como placebo. Para que não houvesse
necessidade de considerar a alteração hormonal que a mulher
apresenta, foram selecionados apenas homens, entre 25
e 55 anos, com índice de massa corporal (IMC) classificado
como sobrepeso ou obesidade grau I (IMC de 25 a 35 Kg/m2
).
Depois de inquérito alimentar, esses indivíduos foram
convocados para coleta de sangue e avaliação antropométrica
para estimativa da composição corporal. No mesmo dia submeteram-se
ainda a exame de impedância bioelétrica, que determina
a composição corporal de forma mais moderna e eficiente.
Foram selecionados apenas indivíduos que não fossem diabéticos,
hipertensos, não apresentassem colesterol elevado, ostentassem
perfil bioquímico considerado normal e que se situassem
no intervalo do IMC definido. Esses critérios levaram
a uma redução de 50% no grupo inicialmente recrutado.
Os selecionados foram distribuídos em quatro grupos:
um recebeu três cápsulas de CLA por dia – cada uma com
um grama, que corresponde à dose mínima referida anteriormente
– e outro cápsulas de ácido linoléico como placebo; o
terceiro grupo recebeu 500 ml diários de leite semi- desnatado
enriquecido com CLA e o quarto, utilizado como seu placebo,
a mesma quantidade de leite sem qualquer adição. As cápsulas
eram ingeridas no café da manhã, almoço e jantar. O leite
poderia ser tomado ao longo do dia. Depois de seis semanas,
fez-se nova coleta de sangue e exame antropométrico. O
processo foi repe- tido depois de doze semanas.
Todos os exames necessários para levantar o perfil bioquímico
e hormonal foram realizados nos tempos zero, um e dois.
Computadas as desistências, 53 pessoas chegaram ao final
do processo.
Lamentavelmente, afirma Adriana, não foram encontradas
alterações na composição corporal, no perfil lipídico
e hormonal e, como no caso dos ratos, de positivo e relevante
verificou-se a redução da glicemia plasmática, independentemente
da forma de administração. Ela lembra que, neste caso,
a literatura também é contraditória.
Para a pesquisadora, o que existe de diferente e mais
inédito em seu trabalho em termos de Brasil seria o desenvolvimento
de um alimento enriquecido com CLA, já que todas as pesquisas
anteriores se basearam na administração do CLA por cápsula
Trata-se, portanto, do primeiro alimento desenvolvido
no país enriquecido com o composto. Ela acrescenta, ainda,
que as pesquisas se diferenciam pelo protocolo experimental,
que definem as condições em que se realizaram.
Em ruminantes
Os isômeros que compõem o CLA são produzidos pelos ruminantes
a partir do ácido linoléico por ação enzimática no rúmen
e vão para sua carne e leite. Carne bovina, leite, manteiga,
iogurte, requeijão e demais derivados contêm quantidade
muito pequena de CLA, incapaz de produ zir qualquer efeito.
A utilização do leite na pesquisa deu-se por rotineiro
consumo e por já conter naturalmente CLA, embora o ácido
graxo adiciona do fosse produzido industrialmente.
Adriana lembra que o leite semi desnatado enriquecido
com CLA se mostrou sensorialmente mais agradável do que
o leite puro, abrindo possibilidade para a produção de
um alimento funcional. Em alguns paíse da Europa, a venda
de alimentos com CLA é liberada. A Anvisa não permite
ainda a comercialização do CLA nem encapsulado, nem adicionado
em ali mentos – embora suplementos alimentares que o contêm
sejam amplamente vendidos em território nacional – por
considerar que não existem estudos brasileiros favoráveis
ao seu consu mo. Os produtos europeus com CLA sofrem também
a adição de vitamina E ou A, antioxidantes que podem prevenir
eventuais efeitos adversos.
Os produtos com CLA são procu rados principalmente por
frequentadores de academias. Segundo Adria na, o que se
recomenda é que seu uso seja associado a vitaminas que
tenham propriedades antioxidantes.
................................................
■ Publicação
Tese: “Ácido linoléico conjugado: efeito
sobre perfil lipídico e composição corporal em ratos e
humanos”.
Autora: Adriana Prais Botelho
Orientador: Mario Roberto Maróstica Junior
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos
(FEA)
Financiamento: Fapesp e CNPq
................................................