Decorridos
pouco mais de 30 anos do puxamento da primeira fibra óptica
no Brasil – filamento de vidro ou material polimérico
da espessura de um fio de cabelo capaz de transmitir dados
em forma de luz em altíssima velocidade–, o desenvolvimento
de novas pesquisas e suas possíveis aplicações prosseguem
com intensidade. A bola da vez é a fibra de cristal fotônico,
também chamada de fibra micro-estruturada. Externamente
muito parecida com a fibra óptica convencional, tem como
diferença estrutural buracos de ar que a atravessam de
ponta a ponta e formam uma matriz. Para Cristiano Monteiro
de Barros Cordeiro, professor do Instituto de Física “Gleb
Wataghin” (IFGW) e especialista na área, assim como numa
fibra convencional, a ideia para as micro-estruturadas é
guiar a luz com baixa perda. No entanto, as aplicações
deixam de ser apenas no campo da comunicação óptica para
atingir outras áreas como medições químicas e biológicas,
por exemplo. De acordo com o docente, ao contrário do que
se pensa com a fibra óptica convencional, as fibras de
cristal fotônico permitem, por exemplo, realizar o sensoriamento
de medidas de temperatura e pressão, bem como de contaminantes
químicos.
A presença dos buracos cria, segundo o professor, novos
graus de liberdade para controlar a propriedade e a sensibilidade
da fibra ao parâmetro desejado, muito mais do que com a
fibra convencional. A tecnologia de fabricação atingiu a
maturidade e agora o próximo passo é partir para os níveis
de aplicação em áreas específicas. “O nosso desejo é puxar
muitas fibras diferentes, com parâmetros levemente ajustados
para, após a fase de testes, encontrar o melhor para cada
caso”, observou. Em média, em uma primeira etapa são puxadas
apenas algumas poucas dezenas de metros de cada tipo diferente
de fibra.
Com relação às vantagens globais, Cordeiro ressaltou que
as fibras micro-estruturadas possuem duas. A primeira delas
está nas novas funcionalidades, ou seja, é possível dar
à fibra funções que não se imaginava antes. A segunda está
em permitir o controle de suas propriedades, o que também
não acontecia anteriormente. “Em alguns momentos, esse controle
é bem ativo”, disse. Um dos trabalhos mais recentes é que,
além do núcleo e de toda a micro-estrutura, dois eletrodos
metálicos estão integrados dentro da fibra. Isso permite
que, além do sinal luminoso, uma corrente elétrica seja
transmitida concomitantemente. Quando a corrente elétrica
aquece o fio, resulta numa expansão e, consequentemente,
comprime a estrutura da fibra. “Passando ou não passando
corrente, tem-se o aquecimento ou não-aquecimento e, por
consequência, compressão ou não-compressão do núcleo, responsável
pela alteração da propriedade da luz – que nesse caso tem
a ver com a polarização da luz que está sendo guiada pela
fibra”, comentou. Sendo assim, é possível fazer diversos
tipos de dispositivos que podem ser controlados externamente.
Para Cordeiro, esse é um fato bastante interessante porque
deixou de ser só luz e passou a contar também com a temperatura
e pressão mecânica. “Poucas pessoas estão fazendo isso no
mundo, que é na verdade inserir novos graus de liberdade
na fibra, ou seja, temos corrente elétrica, temperatura
e compressão mecânica. O trabalho envolve a parte experimental
e a simulação numérica dos vários efeitos combinados – este
último em colaboração com o Instituto de Estudos Avançados
(IEAv) em São José dos Campos. É algo novo e excitante”,
completou.
Outra nova direção que a pesquisa está tomando está na
questão das propriedades mecânicas da fibra de cristal fotônico.
Colocada sob uma pressão hidrostática – que vem de todas
as direções – como se estivesse a cinco mil metros de profundidade
do oceano, por exemplo, e a uma pressão de 500 atmosferas,
é possível observar como as propriedades mecânicas sofrem
alteração, como o estresse se distribui na fibra e de que
maneira altera a propriedade óptica. “Um dos grandes diferenciais
dessa fibra é poder não apenas ajustar as propriedades ópticas,
mas também as mecânicas”, explicou.
Cordeiro lembrou que uma fibra convencional é, por definição,
feita propositalmente insensível ao ambiente externo. Enormes
extensões de fibras ópticas subterrâneas, por exemplo, estão
instaladas sob grandes rodovias brasileiras e, independentemente
do grande movimento de carros e caminhões e das intempéries
do tempo, como chuvas torrenciais, prosseguem enviando dados.
Porém, se a ideia é utilizar a fibra para monitorar ambientes
com gases tóxicos, condições de temperatura e pressão, até
mesmo líquidos contaminados por bactérias, é preciso tornar
a fibra sensível ao ambiente externo, completamente o oposto
da técnica convencional. “Uma aplicação possível é a medição
da distribuição de estresse numa asa de avião, passando
uma fibra com 100 metros de comprimento e mil pontos de
coleta de informação”, adiantou.
Na área biológica, a amostra que será analisada e medida
deve ser colocada no interior da fibra, cuja dimensão típica
é da ordem de um micrômetro de diâmetro, para que a bactéria
tenha contato direto com o núcleo, local por onde a luz
será guiada. Essa redução do núcleo, segundo Cordeiro, deixa
a fibra com maior sensibilidade e, portanto, mais adequada
para sensoriamento biológico ou químico. Isso ocorre, prosseguiu
o docente, por conta da difração de luz que se estende para
fora do núcleo. Ainda que seja um péssimo efeito em termos
de transmissão de dados, torna-se perfeito para questões
de sensoriamento. Dessa maneira, se os canais de ar forem
corretamente sensibilizados podem se tornar sensíveis a
apenas uma amostra biológica específica. E completa: “com
o uso de um volume de amostras extremamente reduzido, da
ordem dos nano-litros”.
Substituição
Questionado a respeito da substituição da fibra óptica
convencional pela fibra micro-estruturada, Cordeiro foi
bastante explícito: não existe essa possibilidade. Ele observou
que há alguns anos muitas pessoas tinham essa dúvida, porém,
duas grandes razões derrubaram por terra essa hipótese.
Em primeiro lugar, o parque de fibra óptica instalado ao
redor do mundo é enorme e para substituir tudo isso só seria
economicamente viável se o ganho fosse gigantesco. Ademais,
tecnologicamente falando, as qualidades puramente de transmissão
são muito semelhantes as já existentes, o que também não
justifica a mudança.
Por outro lado, a utilização da fibra micro-estruturada
está concentrada em nichos específicos de aplicação. “Ela
pode substituir trechos específicos com funcionalidades
específicas, como por exemplo, uma fibra altamente não-linear
de enlace óptico de comunicação”, citou Cordeiro. Para ele,
essa nova fibra abarca física, química, engenharia e comunicação
óptica e pode produzir um ganho centenas ou milhares de
vezes maior que a fibra tradicional. A grande diferença
é a presença dos buracos de ar no corpo da fibra. A propriedade
dela dependerá do tamanho dos buracos, do formato – se é
circular ou elíptico, e da posição geométrica deles na matriz
de vidro. Após essa etapa, o processo segue para a simulação
numérica por computador com softwares específicos. Desenvolvido
o modelo da fibra ideal, o próximo passo é a fabricação,
modelagem e posterior aplicação.
Existem, de acordo com o professor do IFGW, alguns grupos
no mundo fabricando essas fibras. O equipamento é o mesmo
para a fabricação da fibra convencional, que é uma torre
de fibra óptica. É feita uma versão macroscópica, algo que
tem de 2 a 20 centímetros de diâmetro com um metro de comprimento,
e colocado em um forno de fibra óptica. O que tinha centímetros
de largura vira fração de milímetros e o que tinha metros
vira quilômetros, por conservação de massa. “Fabricamos
fibras de cristal fotônico com alguns colaboradores internacionais,
em particular na Inglaterra, Espanha e Austrália e também
com um grupo colaborador do próprio IFGW. Estamos interessados
praticamente na cadeia produtiva inteira, desde o conceito
da fibra, da modelagem, da fabricação e da utilização. No
nosso grupo, temos alunos simulando, fabricando e utilizando
a fibra para as diversas aplicações”, acrescentou.
Canais
de ar, a chave do controle e da versatilidade
Produzidas geralmente a partir da
sílica, um vidro extremamente puro capaz de transmitir
muito bem o sinal luminoso com baixíssima absorção
e perda óptica, as fibras de cristal fotônico ou micro-estruturadas
fazem parte de um grupo maior conhecido como fibras
ópticas especiais. Possuem em sua composição inovações
estruturais que acabam por diferenciá-las das fibras
convencionais. A principal diferença é que as micro-estruturadas
possuem um arranjo regular de buracos que corre paralelo
ao eixo da fibra por todo seu comprimento. Esses buracos
ou canais de ar permitem um controle bem rígido no
que diz respeito à passagem de luz, tornando, dessa
maneira, a nova fibra extremamente mais versátil.
É possível, portanto, projetá-las de diferentes formas,
cada qual adequada a uma aplicação específica.
Com um décimo de milímetro de espessura
e comprimento de vários quilômetros, sua diferença
estrutural pode ser visualizada quando é cortada.
Através de um microscópio pode-se observar grande
número de buracos – canais de ar – formando uma matriz
que atravessa a fibra de ponta a ponta.
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Artigos
Chesini, G. et al. Analysis and optimization of an
all-fiber device based on photonic crystal fiber with
integrated electrodes. Optics Express, vol.
18, Issue 3, pages 2842-2848, 2010.
Beltran-Mejia, F. et al. Ultrahigh-birefringent squeezed
lattice photonic crystal fiber with rotated elliptical
air holes. Optics Letters, vol. 35, Issue 4,
pages 544-546, 2010.
Chesini, G. et al. All-fiber devices based on photonic
crystal fibers with integrated electrodes. Optics
Express, vol. 17, Issue 3, pages 1660-1665, 2009.
Oliveira, Rafael E. P. de et AL. Pressure Sensing
Based on Nonconventional Air-Guiding Transmission
Windows in Hollow-Core Photonic Crystal Fibers. Journal
of Lightwave Technology, vol. 27, Issue 11, pages
1605-1609, 2009.
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Veja
o que a RTV Unicamp produziu sobre o tema