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A hora e a vez da fibra de cristal fotônico

Aplicações não ficam restritas ao campo da comunicação óptica

Cristiano Monteiro de Barros Cordeiro, professor do IFGW: “Estamos interessados na cadeia produtiva inteira” (Foto: Antoninho Perri)Decorridos pouco mais de 30 anos do puxamento da primeira fibra óptica no Brasil – filamento de vidro ou material polimérico da espessura de um fio de cabelo capaz de transmitir dados em forma de luz em altíssima velocidade–, o desenvolvimento de novas pesquisas e suas possíveis aplicações prosseguem com intensidade. A bola da vez é a fibra de cristal fotônico, também chamada de fibra micro-estruturada. Externamente muito parecida com a fibra óptica convencional, tem como diferença estrutural buracos de ar que a atravessam de ponta a ponta e formam uma matriz. Para Cristiano Monteiro de Barros Cordeiro, professor do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) e especialista na área, assim como numa fibra convencional, a ideia para as micro-estruturadas é guiar a luz com baixa perda. No entanto, as aplicações deixam de ser apenas no campo da comunicação óptica para atingir outras áreas como medições químicas e biológicas, por exemplo. De acordo com o docente, ao contrário do que se pensa com a fibra óptica convencional, as fibras de cristal fotônico permitem, por exemplo, realizar o sensoriamento de medidas de temperatura e pressão, bem como de contaminantes químicos.

A presença dos buracos cria, segundo o professor, novos graus de liberdade para controlar a propriedade e a sensibilidade da fibra ao parâmetro desejado, muito mais do que com a fibra convencional. A tecnologia de fabricação atingiu a maturidade e agora o próximo passo é partir para os níveis de aplicação em áreas específicas. “O nosso desejo é puxar muitas fibras diferentes, com parâmetros levemente ajustados para, após a fase de testes, encontrar o melhor para cada caso”, observou. Em média, em uma primeira etapa são puxadas apenas algumas poucas dezenas de metros de cada tipo diferente de fibra.

Com relação às vantagens globais, Cordeiro ressaltou que as fibras micro-estruturadas possuem duas. A primeira delas está nas novas funcionalidades, ou seja, é possível dar à fibra funções que não se imaginava antes. A segunda está em permitir o controle de suas propriedades, o que também não acontecia anteriormente. “Em alguns momentos, esse controle é bem ativo”, disse. Um dos trabalhos mais recentes é que, além do núcleo e de toda a micro-estrutura, dois eletrodos metálicos estão integrados dentro da fibra. Isso permite que, além do sinal luminoso, uma corrente elétrica seja transmitida concomitantemente. Quando a corrente elétrica aquece o fio, resulta numa expansão e, consequentemente, comprime a estrutura da fibra. “Passando ou não passando corrente, tem-se o aquecimento ou não-aquecimento e, por consequência, compressão ou não-compressão do núcleo, responsável pela alteração da propriedade da luz – que nesse caso tem a ver com a polarização da luz que está sendo guiada pela fibra”, comentou. Sendo assim, é possível fazer diversos tipos de dispositivos que podem ser controlados externamente.

Para Cordeiro, esse é um fato bastante interessante porque deixou de ser só luz e passou a contar também com a temperatura e pressão mecânica. “Poucas pessoas estão fazendo isso no mundo, que é na verdade inserir novos graus de liberdade na fibra, ou seja, temos corrente elétrica, temperatura e compressão mecânica. O trabalho envolve a parte experimental e a simulação numérica dos vários efeitos combinados – este último em colaboração com o Instituto de Estudos Avançados (IEAv) em São José dos Campos. É algo novo e excitante”, completou.

Outra nova direção que a pesquisa está tomando está na questão das propriedades mecânicas da fibra de cristal fotônico. Colocada sob uma pressão hidrostática – que vem de todas as direções – como se estivesse a cinco mil metros de profundidade do oceano, por exemplo, e a uma pressão de 500 atmosferas, é possível observar como as propriedades mecânicas sofrem alteração, como o estresse se distribui na fibra e de que maneira altera a propriedade óptica. “Um dos grandes diferenciais dessa fibra é poder não apenas ajustar as propriedades ópticas, mas também as mecânicas”, explicou.

Cordeiro lembrou que uma fibra convencional é, por definição, feita propositalmente insensível ao ambiente externo. Enormes extensões de fibras ópticas subterrâneas, por exemplo, estão instaladas sob grandes rodovias brasileiras e, independentemente do grande movimento de carros e caminhões e das intempéries do tempo, como chuvas torrenciais, prosseguem enviando dados. Porém, se a ideia é utilizar a fibra para monitorar ambientes com gases tóxicos, condições de temperatura e pressão, até mesmo líquidos contaminados por bactérias, é preciso tornar a fibra sensível ao ambiente externo, completamente o oposto da técnica convencional. “Uma aplicação possível é a medição da distribuição de estresse numa asa de avião, passando uma fibra com 100 metros de comprimento e mil pontos de coleta de informação”, adiantou.

Na área biológica, a amostra que será analisada e medida deve ser colocada no interior da fibra, cuja dimensão típica é da ordem de um micrômetro de diâmetro, para que a bactéria tenha contato direto com o núcleo, local por onde a luz será guiada. Essa redução do núcleo, segundo Cordeiro, deixa a fibra com maior sensibilidade e, portanto, mais adequada para sensoriamento biológico ou químico. Isso ocorre, prosseguiu o docente, por conta da difração de luz que se estende para fora do núcleo. Ainda que seja um péssimo efeito em termos de transmissão de dados, torna-se perfeito para questões de sensoriamento. Dessa maneira, se os canais de ar forem corretamente sensibilizados podem se tornar sensíveis a apenas uma amostra biológica específica. E completa: “com o uso de um volume de amostras extremamente reduzido, da ordem dos nano-litros”.

Substituição

Questionado a respeito da substituição da fibra óptica convencional pela fibra micro-estruturada, Cordeiro foi bastante explícito: não existe essa possibilidade. Ele observou que há alguns anos muitas pessoas tinham essa dúvida, porém, duas grandes razões derrubaram por terra essa hipótese. Em primeiro lugar, o parque de fibra óptica instalado ao redor do mundo é enorme e para substituir tudo isso só seria economicamente viável se o ganho fosse gigantesco. Ademais, tecnologicamente falando, as qualidades puramente de transmissão são muito semelhantes as já existentes, o que também não justifica a mudança.

Por outro lado, a utilização da fibra micro-estruturada está concentrada em nichos específicos de aplicação. “Ela pode substituir trechos específicos com funcionalidades específicas, como por exemplo, uma fibra altamente não-linear de enlace óptico de comunicação”, citou Cordeiro. Para ele, essa nova fibra abarca física, química, engenharia e comunicação óptica e pode produzir um ganho centenas ou milhares de vezes maior que a fibra tradicional. A grande diferença é a presença dos buracos de ar no corpo da fibra. A propriedade dela dependerá do tamanho dos buracos, do formato – se é circular ou elíptico, e da posição geométrica deles na matriz de vidro. Após essa etapa, o processo segue para a simulação numérica por computador com softwares específicos. Desenvolvido o modelo da fibra ideal, o próximo passo é a fabricação, modelagem e posterior aplicação.

Existem, de acordo com o professor do IFGW, alguns grupos no mundo fabricando essas fibras. O equipamento é o mesmo para a fabricação da fibra convencional, que é uma torre de fibra óptica. É feita uma versão macroscópica, algo que tem de 2 a 20 centímetros de diâmetro com um metro de comprimento, e colocado em um forno de fibra óptica. O que tinha centímetros de largura vira fração de milímetros e o que tinha metros vira quilômetros, por conservação de massa. “Fabricamos fibras de cristal fotônico com alguns colaboradores internacionais, em particular na Inglaterra, Espanha e Austrália e também com um grupo colaborador do próprio IFGW. Estamos interessados praticamente na cadeia produtiva inteira, desde o conceito da fibra, da modelagem, da fabricação e da utilização. No nosso grupo, temos alunos simulando, fabricando e utilizando a fibra para as diversas aplicações”, acrescentou.

 

Canais de ar, a chave do controle e da versatilidade

Produzidas geralmente a partir da sílica, um vidro extremamente puro capaz de transmitir muito bem o sinal luminoso com baixíssima absorção e perda óptica, as fibras de cristal fotônico ou micro-estruturadas fazem parte de um grupo maior conhecido como fibras ópticas especiais. Possuem em sua composição inovações estruturais que acabam por diferenciá-las das fibras convencionais. A principal diferença é que as micro-estruturadas possuem um arranjo regular de buracos que corre paralelo ao eixo da fibra por todo seu comprimento. Esses buracos ou canais de ar permitem um controle bem rígido no que diz respeito à passagem de luz, tornando, dessa maneira, a nova fibra extremamente mais versátil. É possível, portanto, projetá-las de diferentes formas, cada qual adequada a uma aplicação específica.

Com um décimo de milímetro de espessura e comprimento de vários quilômetros, sua diferença estrutural pode ser visualizada quando é cortada. Através de um microscópio pode-se observar grande número de buracos – canais de ar – formando uma matriz que atravessa a fibra de ponta a ponta.

 

 

Artigos
Chesini, G. et al. Analysis and optimization of an all-fiber device based on photonic crystal fiber with integrated electrodes. Optics Express, vol. 18, Issue 3, pages 2842-2848, 2010.

Beltran-Mejia, F. et al. Ultrahigh-birefringent squeezed lattice photonic crystal fiber with rotated elliptical air holes. Optics Letters, vol. 35, Issue 4, pages 544-546, 2010.

Chesini, G. et al. All-fiber devices based on photonic crystal fibers with integrated electrodes. Optics Express, vol. 17, Issue 3, pages 1660-1665, 2009.

Oliveira, Rafael E. P. de et AL. Pressure Sensing Based on Nonconventional Air-Guiding Transmission Windows in Hollow-Core Photonic Crystal Fibers. Journal of Lightwave Technology, vol. 27, Issue 11, pages 1605-1609, 2009.

Veja o que a RTV Unicamp produziu sobre o tema

 

 
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