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Teste detecta parasitos com mais precisão
Primeira aplicação epidemiológica
da técnica foi feita em escola de Pedreira
Em 1918, Monteiro Lobato já mostrava a realidade das parasitoses
intestinais ao descrever o homem do campo na imagem do Jeca
Tatu, personagem que ficou conhecido também em livros didáticos
de literatura e ciências do ensino fundamental e também
em filme estrelado por Amácio Mazzaropi e dirigido por Milton
Amaral. No enredo, Jeca Tatu representava mais um cidadão
brasileiro com parasitismo crônico. Ele protagonizava uma
ficção baseada em fatos reais que já mataram muitos cidadãos
por falta de diagnóstico e tratamento adequados. A história
do Jeca foi relembrada pelo pesquisador Jancarlo Ferreira
Gomes, dos Institutos de Biologia (IB) e de Computação (IC)
da Unicamp, na introdução do Programa de Controle das Parasitoses
Intestinais da Cidade de Pedreira, em São Paulo, por meio
do qual ele constatou que 342 entre 737 estudantes de uma
Escola Municipal Prof. José Jurandyr Piva da cidade encontram-se
infectados por enteroparasitoses. Entre os quais, 194 apresentam
parasitismo simples e 148, poliparasitismo. Dos 395 escolares
com diagnóstico negativo, 149 apresentaram sintomatologias,
talvez em razão da intermitência da passagem do parasito
no hospedeiro, ou pela ação de outro agente etiológico,
como vírus e bactéria.
O
levantamento, realizado em parceria com a Secretaria de Saúde
de Pedreira, foi a primeira aplicação epidemiológica da
Técnica Coproparasitológica de TF-Test (Three Fecal Test).
Esta técnica, desenvolvida em 2004 por Sumie Hoshino Shimizu,
da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, Luiz Cândido
de Souza Dias, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da
Unicamp, e Jancarlo Ferreira Gomes, do Instituto de Biologia
da Unicamp, permite atingir um nível de sensibilidade diagnóstica
de até 97,8%, enquanto as convencionais podem oscilar de
40% a 70%. O programa epidemiológico contou com a participação
da empresa Immunoassay, atual detentora do kit TF-test.
De acordo com o professor
do Departamento de Sistemas da Informação do Instituto de
Computação Alexandre Xavier Falcão, responsável pela técnica
na Unicamp, durante projeto pós-doutorado de Gomes no IB e
no IC em 2009, os pesquisadores desenvolveram um processamento
laboratorial com obtenção de lâminas mais limpas e com maior
concentração parasitária que as convencionais, denominado
de TF-Test Modified. Este novo processamento permitiu aos
pesquisadores garantir imagens de maior qualidade para detecção
dos parasitos. Falcão pontua que a técnica de TF-Test, financiada
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp/Pipe), foi desenvolvida visando à automatização do
diagnóstico das enteroparasitoses, a fim de garantir diagnósticos
de alta eficácia, e com baixo percentual de erro. O desenvolvimento
do projeto de automatização, aprovado pela Fapesp, já está
em atividade desde 2009 e recebe apoio da Unicamp.
Com alta sensibilidade para
helmitos e protozoários do trato intestinal, a técnica de
TF-Test é capaz de executar um enriquecimento parasitário
diferenciado, preconizado com a tríplice coleta de material
fecal, em dias alternados, e processado de uma só vez no laboratório.
Segundo Falcão, o novo desdobramento (TF-Test Modified) da
tecnologia, com patente já depositada pela Unicamp no Inpi,
permitirá uma visualização exata das estruturas de parasitos
como giárdia, difícil de ser diagnosticada em exames convencionais,
em razão do seu complexo ciclo vital.
Gomes explica que muitas das
técnicas coproparasitológicas convencionais empregadas para
os exames de fezes, utilizando ou não os kits comerciais,
apesar de demonstrarem baixos custos, apresentam baixas e
moderadas sensibilidades diagnósticas e permitem revelar somente
a metade das espécies parasitárias presentes na amostra fecal
analisada. No caso de Pedreira, a aproximação de informações
precisas surpreendeu o coordenador da área de Saúde da Família
da Secretaria de Saúde de Pedreira e doutorando do Departamento
de Saúde Coletiva da Unicamp, Adriano Peres Lora. Para ele,
o número de crianças infectadas que o programa conseguiu identificar
mostra a eficiência da tecnologia desenvolvida pelos pesquisadores
em relação aos exames convencionais. Ele enfatiza que a metodologia
desenvolvida pelos pesquisadores conseguiu chegar a um diagnóstico
mais apurado de parasitoses nas crianças.
Além do levantamento dos casos,
os exames feitos com a técnica de TF-Test permitiram a diferenciação
das 11 espécies detectadas. As crianças estavam infectadas
por seis protozoários, entre eles 238 casos de blastocistose
sintomática, e cinco helmitos, que aparecem em número menor,
devido, talvez, ao novo perfil epidemiológico de característica
urbana, segundo Gomes. Entre os protozoários apareceram também
Entamoeba coli, Giardia duodenalis, Endolimax nana, Entamoeba
histolytica /E. díspar e Iodamoeba bütschlii.
O contato com animais de estimação
também podem estar entre as causas de alta taxa de infecção
apresentada especialmente por protozoários intestinais, segundo
o parasitologista. Entre os estudantes infectados, 232 (67,84%)
convivem com animal de estimação. Considerando informações
de relatos científicos, no mundo, os cães representam cerca
de 65% de animais de estimação, de acordo com Gomes.
Os testes realizados em Pedreira
levantaram também informações reveladoras à literatura
sobre o parasito Blastocystis hominis. De acordo com Gomes,
a patogenicidade deste protozoário até hoje é objeto de
discussão, pois os estudos existentes são controversos com
relação a sua capacidade patogênica. No programa, porém,
44 escolares infectados somente por B. hominis apresentaram
sintomatologias como dor abdominal e diarreia.
Qualidade sanitária
Se no início do trabalho Gomes
falava de um Jeca Tatu doente por causa da desatenção ao homem
do campo, ao final do trabalho ele se surpreende com a informação
de que 310 das 342 crianças investigadas moram em residências
com saneamento básico satisfatório. Apenas 32 não têm saneamento
satisfatório. Estes dados podem estar relacionados às variações
diversas de adaptação dos parasitos com o meio ambiente.
O pesquisador acrescenta que
as técnicas convencionais foram desenvolvidas em épocas remotas,
quando a população endêmica apresentava altos níveis de intensidade
de infecção por enteroparasitose, sobretudo por tratar-se
de endemias rurais. “Nestas condições, essas técnicas mostravam
um bom desempenho de diagnóstico, fornecendo resultados sensíveis,
mas com o passar dos anos houve a adaptação do parasitismo,
principalmente após o processo de industrialização, com a
migração de grande parte da população aos centros urbanos,
aliada a algumas melhorias de condições de saúde e de vida
da população, como alimentação, uso de medicamentos antiparasitários,
serviços sanitários e higiene”.
Novas lâminas
O cuidado com as lâminas,
ou a falta dele, também oferece risco de falseamento no resultado
de exames. Uma falha do profissional técnico de laboratório
pode fazer com que o equipamento fique inadequada para o diagnóstico.
A nova versão, TF-Test Modified, oferece uma lâmina ainda
mais apropiada que a utilizada no programa realizado em Pedreira.
A vantagem da nova técnica, segundo Falcão, está em permitir
a preparação de lâmina de microscopia com alta concentração
de estruturas parasitárias e baixa quantidade de impurezas
fecais.
Para
além de Pedreira
A escola de Pedreira
foi só uma demonstração de que as pesquisas em busca
de avanço tecnológico para a área de diagnóstico de
parasitos devem ser intensificadas, na opinião de Gomes.
As parasitoses intestinais são altamente prevalentes
na população mundial, sobretudo nos trópicos, onde o
Brasil está localizado. Mas as novas adaptações dos
parasitos levam países da Europa a buscarem informações
sobre diagnóstico e tratamento para algumas doenças,
segundo o parasitologista. Em algumas literaturas da
área médica, essas doenças já são consideradas entre
as principais do planeta.
Segundo Gomes, dados
divulgados recentemente pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) mostram que 3,5 bilhões de pessoas no mundo
encontram-se infectadas por parasitos intestinais. Destas,
cerca de 450 milhões, na maioria crianças, estão doentes
e vivem em áreas tropicais e países em desenvolvimento,
incluindo o Brasil. “No mundo, acredita-se que as enteroparasitoses
sejam responsáveis pela maioria dos óbitos ocasionados
entre crianças com idade entre 1 e 9 anos, pelo sistema
imunológico imaturo, por falta de higiene e, em muitas
vezes, por deficiência nutricional”, acrescenta.
Ter proporcionado a
oportunidade de ter um diagnóstico eficiente para a
cidade de Pedreira é motivo de orgulho para os pesquisadores,
pois, uma vez tratadas, as crianças deixam de fazer
parte do quadro de quase 450 milhões e pessoas que podem
estar convivendo com déficit orgânico, de origem física
ou mental, provocado por alguma espécie de enteroparasito.
“Este déficit, no caso das crianças, pode impedir o
amplo desenvolvimento da criança, inclusive o educacional.
E agora podemos garantir a permanência dessas crianças
em sala de aula”, explica Gomes.
Com apoio da Secretaria
de Saúde de Pedreira, o programa já está na fase de
tratamento dos escolares, segundo Lora. Desde a entrega
dos resultados, 70% dos escolares já receberam tratamento.
Os 30% restantes já estão sendo convocados por intermédio
dos pais para se tratarem. As 117 crianças com sintomatologia
(diarreia, dor abdominal, cansaço, dores no corpo, falta
de fome, emagrecimento) também serão acompanhadas. Lora
informa que, a partir de agora, pretende fazer a avaliação
periódica dos escolares. De acordo com Gomes, é recomendada
a realização de novos exames a cada seis meses, a fim
de levantar o impacto da terapêutica, medir as taxas
de reinfecções e novos casos de infecções.
Apesar de as crianças
estarem sendo acompanhadas pela Secretaria de Saúde,
o programa não se encerra nos resultados para os pesquisadores
da Unicamp. Numa próxima etapa, o grupo fará visita
às escolas para levantar o desempenho educacional dos
escolares e obter informações sobre o tratamento de
escolares parasitados.
O médico Lora enfatiza
a importância do Programa de Controle das Parasitoses
Intestinais da Cidade de Pedreira para a área de saúde
pública. “A cidade de Pedreira é parceira de longa data
da Universidade em várias áreas. Nós estamos dando continuidade
às etapas do programa, entre elas a de controle e prevenção”,
afirma.
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Publicação:
Análise Automatizada de Enteroparasitos para Finalidade
Diagnóstica (pós-doutorado)
Autor: Jancarlo Ferreira Gomes
Unidades: Instituto de Biologia (IB)
e Instituto de Computação (IC)
Financiamento: Fapesp
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