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Relatório projeta impactos de mudanças
climáticas na produção agrícola

Estudos abrangeram também as áreas de recursos hídricos,
energia, uso da terra e biodiversidade, entre outras

De acordo com o levantamento, o clima mais quente pode favorecer a cultura de cana-de açúcar; na outra ponta, dados revelam que perdas anuais  no setor agrícola  podem chegar a cerca  de R$ 7,5 bilhões ao ano a partir de 2050 (Foto: Antonio Scarpinetti) O estudo “Impactos da mudança do clima na produção agrícola”, realizado por pesquisadores da Unicamp e da Embrapa, integra uma pesquisa iniciada no país a pedido da Embaixada Britânica no Brasil há cerca de quatro anos. Os resultados acabam de ser finalizados e incluídos no relatório sobre a Economia da Mudança do Clima no Brasil, com base em projeções do Painel Intergovernamental de Mudança do Clima (IPCC). A conclusão principal foi de perdas econômicas para o país como um todo nos próximos 40 anos. “Estas perdas poderão estar próximas de 2,3% (R$ 3,6 trilhões) do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, em decorrência dos impactos da mudança do clima, se nada for feito em termos de adaptação ou de mitigação”, revela o coordenador do grupo de Campinas, Hilton Silveira Pinto, diretor-associado do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp. Na agricultura, o estudo projeta perdas de R$ 7,5 bilhões em 2020,
evoluindo anualmente até chegar a R$ 10,7 bilhões em 2050. Além da agricultura, outros especialistas investigaram as áreas de recursos hídricos, energia, padrão de uso da terra, biodiversidade, zona costeira e região Nordeste. (Veja, no quadro, algumas das conclusões.)

O trabalho, desenvolvido por um consórcio formado por 11 das mais destacadas instituições brasileiras, acaba de ganhar visibilidade numa publicação especializada que promove uma espécie de consenso sobre o assunto, intitulada Economia da Mudança do Clima no Brasil: Custos e Oportunidades (EMCB). Lançada há pouco menos de um mês, será distribuída, a princípio, a quatro mil instituições, entre governamentais e privadas. Os estudos foram voltados a identificar as vulnerabilidades da economia e da sociedade brasileira bem como verificar as políticas públicas para o setor. O valor dessa publicação se avalia pelas suas contribuições para que se tenha um pensamento mais avançado de como se comportar num futuro que não garante soluções prontas. “A precaução tem que ser tomada agora, mesmo não se acreditando em mudança climática”, adverte Hilton.

A solicitação do governo britânico era para que o grupo detalhasse a economia agrícola – o agronegócio brasileiro – para os anos de 2020 até 2070. O intuito era conhecer com antecedência como seria a “geografia agrícola” do Brasil no futuro. “Se os céticos acertarem que nada irá acontecer de diferente daqui a 30-40 anos, como será a agricultura sem modificação?”, indaga Hilton. “O que fizemos então foi mais que o estudo encomendado e já temos um programa pronto de quanto custa para se fazer a mitigação e a adaptação agrícola, para que não venhamos a sofrer os problemas decorrentes do aquecimento global”, observa.

Hilton Silveira Pinto, coordenador do grupo de Campinas: “Temos um programa pronto de quanto custa para se fazer a mitigação e a adaptação agrícola”(Foto: Antoninho Perri)Um fato no mínimo curioso foi que os resultados brasileiros muito se assemelharam aos obtidos no Relatório Stern, do Reino Unido. Trata-se de um relatório de vulto, realizado em 2006, que resultou uma análise econômica abrangente do problema das mudanças climáticas em nível global, quando foi estimado algo entre 1% e 2% ao ano, no melhor e no pior caso, o custo para adaptação e mitigação das mudanças climáticas. No caso brasileiro, o trabalho seguiu uma metodologia que condensa na publicação uma perspectiva mais setorial, privilegiando, além dos impactos econômicos, ainda os aspectos ambiental e social.

Para se ter uma ideia da dimensão da pesquisa, somente no grupo de Campinas há cerca de dez pesquisadores, todos Ph.D, e 13 bolsistas de graduação e pós-graduação trabalhando exclusivamente na busca de soluções para mitigação e adaptação, promovendo uma análise descritiva dos problemas. Os principais consensos de trabalhos, mais palestras e aulas passaram pelo crivo do grupo de Campinas. Em razão desses estudos, e do que já existia abordando o novo cenário do aquecimento global, é que foi feita uma coleta de novas informações.

Título: Economia da Mudança do Clima no Brasil: Custos e Oportunidades

Autores: Editado por Sergio Margulis e Carolina Burle Schmidt Dubeux, com coordenação geral de Jacques Marcovitch.

São Paulo: Ibep Gráfica, 2010. 82p.

Financiamento: Embaixada Britânica no Brasil

SAIBA MAIS
www.economiadoclima.org.br

O interesse do governo britânico no Brasil, na opinião de Hilton, se prende ao fato de a Inglaterra ter sido, em 2006, quando o estudo foi assumido, o país que conseguiu congregar o maior investimento em pesquisas na área de mudanças climáticas. “À época, os Estados Unidos não estavam dando o devido valor para essas mudanças (hoje começam a reagir) e o Brasil dava (e continua dando) uma importância apenas relativa. Os investimentos brasileiros são baixos e não atendem absolutamente à necessidade de trabalhos mais efetivos em mudanças climáticas”, pontua Hilton. E mais: segundo ele, a Inglaterra demonstrou a necessidade de conhecer novos contextos, como o Brasil, porquanto a sua modelagem climática e física de futuro sempre estiveram na vanguarda dos estudos.

No trabalho sobre a agricultura, o Brasil talvez seja atualmente o primeiro país do mundo em termos de pesquisa, acredita Silveira. “Sem dúvida, os nossos trabalhos são originais, avançados e agressivos em visão de futuro.” O agronegócio brasileiro particularmente, exemplifica, está crescendo muito e representa quase um terço do PIB nacional. “Com relação a outros países, o Brasil é muito mais avançado em termos de PIB agrícola e de PIB do agronegócio. Afinal, somos um país predominantemente agrícola. Em proporção, é um dos três maiores desenvolvedores de tecnologia agrícola.” E a Embrapa, que tem mais de 41 centros de pesquisa espalhados no Brasil, já investiu mais de R$20 milhões em abordagens sobre o clima nos últimos anos. “É uma das poucas instituições brasileiras que está consciente do problema e que fornece à Unicamp um importante suporte.” Da parte da Embrapa, Eduardo Assad coordenou o grupo de Campinas juntamente com Hilton.

Produção

No que tange à agricultura, análise que coube à Unicamp e à Embrapa, nas próximas quatro décadas uma das constatações mais críticas fazem alusão ao Nordeste do país, que poderá deixar de ser uma área semi-árida para se tornar uma área árida, caminhando para uma desertificação completa. Alguns Estados da região, prossegue o coordenador da pesquisa, poderão perder cerca de 80% da área agricultável já em 2020 e 2030, como é o caso do Ceará.

Também no Nordeste, lembra Hilton, as chuvas serão propensas a diminuírem durante o século XXI, numa taxa da ordem de 2-2,5mm por dia. Isso levará a perdas agrícolas em todos os Estados da região e a sua concomitante pecuarização. Assim sendo, a situação futura da zona rural nordestina tenderá à deterioração, uma vez que a pecuária dominante apresenta baixos níveis de produtividade. “Neste sentido, vale investigar melhor o bioma caatinga, em razão dos impactos esperados e de sua capacidade de suporte futura.”

Além do mais, o Brasil poderá perder em 2020, se não considerada a cana-de-açúcar (o clima quente favorecerá a cultura), cerca de R$7 bilhões por ano na sua produção. Todas as culturas sofrerão redução das áreas com baixo risco de produção, em especial soja (-34% a -30%), café (-17% a -18%) e milho (-15%). A produtividade cairia em particular nas culturas de subsistência no Nordeste.

A despeito de algumas projeções serem pessimistas, a Unicamp e a Embrapa já sugeriram, através de seus estudos, uma série de possibilidades para tentar amenizar os desdobramentos do aquecimento global na agricultura do futuro. Agora, o que é possível fazer em termos de adaptação e de mitigação? Um item que Hilton considera fundamental diz respeito ao cultivo do café. Existem inclusive trabalhos práticos que estão sendo feitos em pesquisa de campo, enfatizando o que fazer para que o café possa suportar maiores temperaturas. “Isso porque quanto mais alta a temperatura, mais evaporação e mais seca nós teremos.”

As causas desse problema e as medidas necessárias para mitigá-lo envolvem todos os países e se relacionam fundamentalmente às emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs). Aí se incluem as questões dos combustíveis fósseis, das fontes renováveis e da eficiência energética, os acordos internacionais, a taxação das emissões, as mudanças de comportamento e os hábitos de consumo, etc. A estratégia básica da mitigação, conclui o estudo, será buscar a forma mais barata de reduzir a emissão de qualquer tonelada de GEEs, seja em que país for e da fonte que for.

Por outro lado, o estudo mostra que a mudança do clima força os países a encontrarem estratégias individuais de adaptação. Ao contrário da mitigação, tanto os custos quanto os benefícios das ações de adaptação recaem sobre cada país. A decisão do Brasil de investir muito ou pouco em adaptação não afeta, a princípio, nenhum outro país, pois sua natureza, custos e benefícios, e incentivos são distintos, esclarece Hilton.

Alguns trabalhos, no sentido de quanto custa para o Brasil fazer o melhoramento genético, mantendo o estoque de variedades que ora existe – até 2020 –, indicam custos da ordem de R$1 bilhão por ano. Para Hilton, isso deve ser uma questão de adaptação. Já com relação à mitigação, realça, é possível trabalhar, por exemplo, com arborização dos cafezais, no caso desta planta utilizando especificamente as seringueiras e as plantas frutíferas.

Mas quanto isso reverte em benefício da redução de emissão de gases de efeito estufa? De acordo com Hilton, isso seria algo do tipo crédito de carbono (ou redução certificada de emissões – certificados emitidos para um agente que reduziu a sua emissão de GEEs), para os produtores agrícolas, como hoje é feito para a cana-de-açúcar. “Temos esses estudos em andamento sobre a redução das emissões para o futuro, de quanto custará isso para o Brasil aumentar sua produção agrícola de uma maneira gradual e contínua, além de reduzir a emissão de GEEs”, comenta. “O custo total até 2020 para contornar o problema está estimado em aproximadamente R$ 72 bilhões. Isso para manter um estoque da agricultura como um todo.”

 

Algumas conclusões

De uma maneira geral, a publicação Economia da Mudança do Clima no Brasil: Custos e Oportunidades apurou que todas as áreas avaliadas mostram uma tendência a lidar com perdas na visão de futuro. As projeções, no entanto, sugerem ser possível associar metas ambiciosas de crescimento com a redução dos GEEs. Do ponto de vista estritamente econômico, trata-se de elevar a competitividade do país e assegurar amplo acesso a mercados que tendem a favorecer produtos e serviços com baixa emissão de carbono.

Foto: Antonio ScarpinettiProdução agrícola
O estudo calcula que as perdas nas safras de grãos, causadas pelas mudanças climáticas, poderão chegar a R$ 7,5 bilhões em 2020, dobrando para R$ 14 bilhões em 2070. A produção de soja pode sofrer uma queda de até 34% até 2050. O café arábica, por exemplo, deve perder 17% do total da produção atual. A lista dos vegetais mais prejudicados tem ainda o algodão e o girassol, ambos com 16% de redução, e o milho, com 15% de queda na produção. Das culturas presentes hoje em solo nacional, apenas a cana-de-açúcar será mais produtiva no clima mais quente.

Quanto aos Estados, à exceção daqueles mais frios, que passarão a ter temperaturas mais amenas e, portanto, mais propícias à agricultura, todos os demais terão perdas expressivas. As consequências dos impactos climáticos refletem majoritariamente sua distribuição regional na agricultura.

Foto: ArquivoRecursos hídricos
As disponibilidades hídricas superficiais para quase todas as regiões apresentam uma diminuição para os dados de clima fornecidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e também para a média de 15 modelos climáticos globais. Os resultados projetados seriam alarmantes para algumas bacias, principalmente na região Nordeste, com uma diminuição brusca das vazões até 2100.

 

 

 

 

 

Foto: Antônio ScarpinettiEnergia
O estudo revelou que o declínio da precipitação afetaria os rios, principalmente em bacias nordestinas, indicando um decréscimo importante para a geração de energia com redução brusca de vazões de até 90% entre 2070 e 2100. O próprio São Francisco deixará de ter a vazão que hoje tem, perdendo algo ao redor de 30% a 40% das águas em razão do aquecimento global. Isso poderá prejudicar as represas atuais, a servidão de águas por exemplo, onde a irrigação é o item 1 no Vale do São Francisco. Ela poderá ser atingida no futuro com a produção de alimentos.

A produção de energia das usinas hidrelétricas da Bacia do Rio São Francisco pode cair em 7,7% durante o século atual. Já o potencial da energia eólica, fonte energética alternativa ao uso do petróleo, poderá ser reduzido em 60%.

O impacto mais relevante no setor é a perda de confiabilidade no sistema de geração de energia elétrica a partir de fontes hidráulicas, com redução de 29,3% a 29,3% da energia firme. Os impactos mais pronunciados ocorrerão nas regiões nas regiões Norte e Nordeste. No Sul e Sudeste, que concentram a maior parte do parque gerador, os impactos se mostrariam mínimos ou positivos, mas neste caso não compensariam as perdas do Norte e Nordeste, ameaçando a confiabilidade do sistema hidrelétrico e forçando a expansão da capacidade instalada, que poderá ficar ociosa grande parte do tempo.

Foto: Antônio ScarpinettiBiodiversidade
Caso o desmatamento continue em níveis históricos, ele será responsável pela extinção de 21% a 29% das espécies da Amazônia. Quando os impactos da mudança do clima e do desmatamento são analisados em conjunto, chega-se à extinção de 30% a 38% das espécies da região mais biodiversa do planeta.

Os impactos mais graves são esperados nas regiões rurais do Centro-Oeste e do Leste da Amazônia, onde o nível de pobreza e dependência dos serviços ambientais é mais elevado.

 

 

 

Foto: Antônio ScarpinettiZona costeira
Para a zona costeira, considerando o pior cenário de elevação do nível do mar e de eventos meteorológicos extremos, a estimativa dos valores materiais em risco ao longo da costa brasileira é de R$136 bilhões a R$207,5 bilhões.

A diferença de renda entre as diversas regiões costeiras é marcante e reflete a maior ou menor presença de grandes cidades e municípios com portos e terminais, indústria de petróleo ou atividades de aquicultura. A região Sudeste é a que apresenta a maior taxa de PIB/km de linha de costa, destacando-se o Estado do Rio de Janeiro, onde quatro de seis macrorregiões têm um PIB/km acima de R$100 mil.

 


 
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