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Relatório projeta impactos de mudanças
climáticas na produção agrícola
Estudos abrangeram também
as áreas de recursos hídricos,
energia, uso da terra e biodiversidade, entre outras
O estudo “Impactos da mudança do clima na produção agrícola”,
realizado por pesquisadores da Unicamp e da Embrapa, integra
uma pesquisa iniciada no país a pedido da Embaixada Britânica
no Brasil há cerca de quatro anos. Os resultados acabam de
ser finalizados e incluídos no relatório sobre a Economia
da Mudança do Clima no Brasil, com base em projeções do Painel
Intergovernamental de Mudança do Clima (IPCC). A conclusão
principal foi de perdas econômicas para o país como um todo
nos próximos 40 anos. “Estas perdas poderão estar próximas
de 2,3% (R$ 3,6 trilhões) do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro,
em decorrência dos impactos da mudança do clima, se nada for
feito em termos de adaptação ou de mitigação”, revela o coordenador
do grupo de Campinas, Hilton Silveira Pinto, diretor-associado
do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas
à Agricultura (Cepagri) da Unicamp. Na agricultura, o estudo
projeta perdas de R$ 7,5 bilhões em 2020,
evoluindo anualmente até chegar a R$ 10,7 bilhões em 2050.
Além da agricultura, outros especialistas investigaram as
áreas de recursos hídricos, energia, padrão de uso da terra,
biodiversidade, zona costeira e região Nordeste. (Veja,
no quadro, algumas das conclusões.)
O trabalho, desenvolvido por
um consórcio formado por 11 das mais destacadas instituições
brasileiras, acaba de ganhar visibilidade numa publicação
especializada que promove uma espécie de consenso sobre o
assunto, intitulada Economia da Mudança do Clima no Brasil:
Custos e Oportunidades (EMCB). Lançada há pouco menos
de um mês, será distribuída, a princípio, a quatro mil
instituições, entre governamentais e privadas. Os estudos
foram voltados a identificar as vulnerabilidades da economia
e da sociedade brasileira bem como verificar as políticas
públicas para o setor. O valor dessa publicação se avalia
pelas suas contribuições para que se tenha um pensamento
mais avançado de como se comportar num futuro que não garante
soluções prontas. “A precaução tem que ser tomada agora,
mesmo não se acreditando em mudança climática”, adverte
Hilton.
A solicitação do governo britânico
era para que o grupo detalhasse a economia agrícola – o agronegócio
brasileiro – para os anos de 2020 até 2070. O intuito era
conhecer com antecedência como seria a “geografia agrícola”
do Brasil no futuro. “Se os céticos acertarem que nada irá
acontecer de diferente daqui a 30-40 anos, como será a agricultura
sem modificação?”, indaga Hilton. “O que fizemos então foi
mais que o estudo encomendado e já temos um programa pronto
de quanto custa para se fazer a mitigação e a adaptação agrícola,
para que não venhamos a sofrer os problemas decorrentes do
aquecimento global”, observa.
Um
fato no mínimo curioso foi que os resultados brasileiros muito
se assemelharam aos obtidos no Relatório Stern, do Reino Unido.
Trata-se de um relatório de vulto, realizado em 2006, que
resultou uma análise econômica abrangente do problema das
mudanças climáticas em nível global, quando foi estimado algo
entre 1% e 2% ao ano, no melhor e no pior caso, o custo para
adaptação e mitigação das mudanças climáticas. No caso brasileiro,
o trabalho seguiu uma metodologia que condensa na publicação
uma perspectiva mais setorial, privilegiando, além dos impactos
econômicos, ainda os aspectos ambiental e social.
Para se ter uma ideia da dimensão
da pesquisa, somente no grupo de Campinas há cerca de dez
pesquisadores, todos Ph.D, e 13 bolsistas de graduação e pós-graduação
trabalhando exclusivamente na busca de soluções para mitigação
e adaptação, promovendo uma análise descritiva dos problemas.
Os principais consensos de trabalhos, mais palestras e aulas
passaram pelo crivo do grupo de Campinas. Em razão desses
estudos, e do que já existia abordando o novo cenário do aquecimento
global, é que foi feita uma coleta de novas informações.
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Título: Economia
da Mudança do Clima no Brasil: Custos e Oportunidades
Autores: Editado por Sergio Margulis
e Carolina Burle Schmidt Dubeux, com coordenação geral
de Jacques Marcovitch.
São Paulo: Ibep Gráfica, 2010. 82p.
Financiamento: Embaixada Britânica
no Brasil
SAIBA MAIS
www.economiadoclima.org.br
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O interesse do governo britânico
no Brasil, na opinião de Hilton, se prende ao fato de a Inglaterra
ter sido, em 2006, quando o estudo foi assumido, o país que
conseguiu congregar o maior investimento em pesquisas na área
de mudanças climáticas. “À época, os Estados Unidos não estavam
dando o devido valor para essas mudanças (hoje começam a reagir)
e o Brasil dava (e continua dando) uma importância apenas
relativa. Os investimentos brasileiros são baixos e não atendem
absolutamente à necessidade de trabalhos mais efetivos em
mudanças climáticas”, pontua Hilton. E mais: segundo ele,
a Inglaterra demonstrou a necessidade de conhecer novos contextos,
como o Brasil, porquanto a sua modelagem climática e física
de futuro sempre estiveram na vanguarda dos estudos.
No trabalho sobre a agricultura,
o Brasil talvez seja atualmente o primeiro país do mundo em
termos de pesquisa, acredita Silveira. “Sem dúvida, os nossos
trabalhos são originais, avançados e agressivos em visão de
futuro.” O agronegócio brasileiro particularmente, exemplifica,
está crescendo muito e representa quase um terço do PIB nacional.
“Com relação a outros países, o Brasil é muito mais avançado
em termos de PIB agrícola e de PIB do agronegócio. Afinal,
somos um país predominantemente agrícola. Em proporção, é
um dos três maiores desenvolvedores de tecnologia agrícola.”
E a Embrapa, que tem mais de 41 centros de pesquisa espalhados
no Brasil, já investiu mais de R$20 milhões em abordagens
sobre o clima nos últimos anos. “É uma das poucas instituições
brasileiras que está consciente do problema e que fornece
à Unicamp um importante suporte.” Da parte da Embrapa, Eduardo
Assad coordenou o grupo de Campinas juntamente com Hilton.
Produção
No que tange à agricultura,
análise que coube à Unicamp e à Embrapa, nas próximas quatro
décadas uma das constatações mais críticas fazem alusão ao
Nordeste do país, que poderá deixar de ser uma área semi-árida
para se tornar uma área árida, caminhando para uma desertificação
completa. Alguns Estados da região, prossegue o coordenador
da pesquisa, poderão perder cerca de 80% da área agricultável
já em 2020 e 2030, como é o caso do Ceará.
Também no Nordeste, lembra
Hilton, as chuvas serão propensas a diminuírem durante o século
XXI, numa taxa da ordem de 2-2,5mm por dia. Isso levará a
perdas agrícolas em todos os Estados da região e a sua concomitante
pecuarização. Assim sendo, a situação futura da zona rural
nordestina tenderá à deterioração, uma vez que a pecuária
dominante apresenta baixos níveis de produtividade. “Neste
sentido, vale investigar melhor o bioma caatinga, em razão
dos impactos esperados e de sua capacidade de suporte futura.”
Além do mais, o Brasil poderá
perder em 2020, se não considerada a cana-de-açúcar (o clima
quente favorecerá a cultura), cerca de R$7 bilhões por ano
na sua produção. Todas as culturas sofrerão redução das áreas
com baixo risco de produção, em especial soja (-34% a -30%),
café (-17% a -18%) e milho (-15%). A produtividade cairia
em particular nas culturas de subsistência no Nordeste.
A despeito de algumas projeções
serem pessimistas, a Unicamp e a Embrapa já sugeriram, através
de seus estudos, uma série de possibilidades para tentar amenizar
os desdobramentos do aquecimento global na agricultura do
futuro. Agora, o que é possível fazer em termos de adaptação
e de mitigação? Um item que Hilton considera fundamental diz
respeito ao cultivo do café. Existem inclusive trabalhos práticos
que estão sendo feitos em pesquisa de campo, enfatizando o
que fazer para que o café possa suportar maiores temperaturas.
“Isso porque quanto mais alta a temperatura, mais evaporação
e mais seca nós teremos.”
As causas desse problema e
as medidas necessárias para mitigá-lo envolvem todos os países
e se relacionam fundamentalmente às emissões de Gases de Efeito
Estufa (GEEs). Aí se incluem as questões dos combustíveis
fósseis, das fontes renováveis e da eficiência energética,
os acordos internacionais, a taxação das emissões, as mudanças
de comportamento e os hábitos de consumo, etc. A estratégia
básica da mitigação, conclui o estudo, será buscar a forma
mais barata de reduzir a emissão de qualquer tonelada de GEEs,
seja em que país for e da fonte que for.
Por outro lado, o estudo mostra
que a mudança do clima força os países a encontrarem estratégias
individuais de adaptação. Ao contrário da mitigação, tanto
os custos quanto os benefícios das ações de adaptação recaem
sobre cada país. A decisão do Brasil de investir muito ou
pouco em adaptação não afeta, a princípio, nenhum outro país,
pois sua natureza, custos e benefícios, e incentivos são distintos,
esclarece Hilton.
Alguns trabalhos, no sentido
de quanto custa para o Brasil fazer o melhoramento genético,
mantendo o estoque de variedades que ora existe – até 2020
–, indicam custos da ordem de R$1 bilhão por ano. Para Hilton,
isso deve ser uma questão de adaptação. Já com relação à mitigação,
realça, é possível trabalhar, por exemplo, com arborização
dos cafezais, no caso desta planta utilizando especificamente
as seringueiras e as plantas frutíferas.
Mas quanto isso reverte em
benefício da redução de emissão de gases de efeito estufa?
De acordo com Hilton, isso seria algo do tipo crédito de carbono
(ou redução certificada de emissões – certificados emitidos
para um agente que reduziu a sua emissão de GEEs), para os
produtores agrícolas, como hoje é feito para a cana-de-açúcar.
“Temos esses estudos em andamento sobre a redução das emissões
para o futuro, de quanto custará isso para o Brasil aumentar
sua produção agrícola de uma maneira gradual e contínua, além
de reduzir a emissão de GEEs”, comenta. “O custo total até
2020 para contornar o problema está estimado em aproximadamente
R$ 72 bilhões. Isso para manter um estoque da agricultura
como um todo.”
Algumas conclusões
De uma maneira geral,
a publicação Economia da Mudança do Clima no Brasil:
Custos e Oportunidades apurou que todas as áreas
avaliadas mostram uma tendência a lidar com perdas
na visão de futuro. As projeções, no entanto, sugerem
ser possível associar metas ambiciosas de crescimento
com a redução dos GEEs. Do ponto de vista estritamente
econômico, trata-se de elevar a competitividade do
país e assegurar amplo acesso a mercados que tendem
a favorecer produtos e serviços com baixa emissão
de carbono.
Produção
agrícola
O estudo calcula que as perdas nas safras de grãos,
causadas pelas mudanças climáticas, poderão chegar
a R$ 7,5 bilhões em 2020, dobrando para R$ 14 bilhões
em 2070. A produção de soja pode sofrer uma queda
de até 34% até 2050. O café arábica, por exemplo,
deve perder 17% do total da produção atual. A lista
dos vegetais mais prejudicados tem ainda o algodão
e o girassol, ambos com 16% de redução, e o milho,
com 15% de queda na produção. Das culturas presentes
hoje em solo nacional, apenas a cana-de-açúcar será
mais produtiva no clima mais quente.
Quanto aos Estados, à exceção daqueles mais frios,
que passarão a ter temperaturas mais amenas e, portanto,
mais propícias à agricultura, todos os demais terão
perdas expressivas. As consequências dos impactos climáticos
refletem majoritariamente sua distribuição regional
na agricultura.
Recursos
hídricos
As disponibilidades hídricas superficiais para quase
todas as regiões apresentam uma diminuição para os
dados de clima fornecidos pelo Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe) e também para a média de
15 modelos climáticos globais. Os resultados projetados
seriam alarmantes para algumas bacias, principalmente
na região Nordeste, com uma diminuição brusca das
vazões até 2100.
Energia
O estudo revelou que o declínio da precipitação afetaria
os rios, principalmente em bacias nordestinas, indicando
um decréscimo importante para a geração de energia
com redução brusca de vazões de até 90% entre 2070
e 2100. O próprio São Francisco deixará de ter a
vazão que hoje tem, perdendo algo ao redor de 30% a
40% das águas em razão do aquecimento global. Isso
poderá prejudicar as represas atuais, a servidão de
águas por exemplo, onde a irrigação é o item 1 no
Vale do São Francisco. Ela poderá ser atingida no
futuro com a produção de alimentos.
A produção de energia das usinas hidrelétricas da
Bacia do Rio São Francisco pode cair em 7,7% durante
o século atual. Já o potencial da energia eólica,
fonte energética alternativa ao uso do petróleo, poderá
ser reduzido em 60%.
O impacto mais relevante no setor é a perda de confiabilidade
no sistema de geração de energia elétrica a partir
de fontes hidráulicas, com redução de 29,3% a 29,3%
da energia firme. Os impactos mais pronunciados ocorrerão
nas regiões nas regiões Norte e Nordeste. No Sul e
Sudeste, que concentram a maior parte do parque gerador,
os impactos se mostrariam mínimos ou positivos, mas
neste caso não compensariam as perdas do Norte e Nordeste,
ameaçando a confiabilidade do sistema hidrelétrico
e forçando a expansão da capacidade instalada, que
poderá ficar ociosa grande parte do tempo.
Biodiversidade
Caso o desmatamento continue em níveis históricos,
ele será responsável pela extinção de 21% a 29%
das espécies da Amazônia. Quando os impactos da mudança
do clima e do desmatamento são analisados em conjunto,
chega-se à extinção de 30% a 38% das espécies da
região mais biodiversa do planeta.
Os impactos mais graves são esperados nas regiões
rurais do Centro-Oeste e do Leste da Amazônia, onde
o nível de pobreza e dependência dos serviços ambientais
é mais elevado.
Zona
costeira
Para a zona costeira, considerando o pior cenário de
elevação do nível do mar e de eventos meteorológicos
extremos, a estimativa dos valores materiais em risco
ao longo da costa brasileira é de R$136 bilhões a
R$207,5 bilhões.
A diferença de renda entre as diversas regiões costeiras
é marcante e reflete a maior ou menor presença de
grandes cidades e municípios com portos e terminais,
indústria de petróleo ou atividades de aquicultura.
A região Sudeste é a que apresenta a maior taxa de
PIB/km de linha de costa, destacando-se o Estado do
Rio de Janeiro, onde quatro de seis macrorregiões têm
um PIB/km acima de R$100 mil.
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