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Pesquisa da FCM associa síndrome a
alterações no processamento auditivo
Distúrbios de linguagem,
de leitura e de escrita também podem ser fatores de risco
Ao
verificar alterações de linguagem, de leitura e de escrita
do paciente, o especialista da área de diagnóstico por imagem
pode ter indícios de que está diante de alguma lesão do sistema
nervoso, o substrato neuroanatômico, ou também de algum componente
genético. A polimicrogiria é um típico caso – uma malformação
que foge ao padrão anatômico normal, caracterizada por muitos
microgiros ao redor da fissura sylviana, responsável pela
codificação articulatória e pela programação motora da linguagem
falada. Esta polimicrogiria está presente na síndrome perisilvyana
e, devido à sua proximidade com regiões auditivas essenciais
para o desenvolvimento da linguagem, sugere que o processamento
auditivo pode estar alterado nesta síndrome. Isto significa
que essas alterações também devem ser consideradas como fator
de risco para distúrbios de linguagem, leitura e escrita e
processamento auditivo. Esta é uma das principais conclusões
da tese de doutorado de Mirela Boscariol, defendida na Faculdade
de Ciências Médicas (FCM).
Esse trabalho integrou o projeto
temático Síndrome Perisylviana, coordenado pela professora
Marilisa Mantovani Guerreiro, que é orientadora da tese e
responsável pelo Ambulatório de Neurologia Infantil – localizado
no segundo andar do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp.
O projeto temático da Fapesp, há pouco finalizado, contou
com quatro subprojetos, sendo o de Mirela Boscariol pertencente
ao do eixo da linguagem.
O trabalho da fonoaudióloga
abordou a avaliação do processamento auditivo, linguagem,
leitura e escrita de 33 escolares na faixa etária de 8 a 16
anos. Dentre o universo dos 33 avaliados, 12 escolares apresentavam
a lesão e distúrbios de linguagem, leitura e escrita, além
de processamento auditivo; dez crianças possuíam apenas os
distúrbios, mas não tinham a lesão; e 11 não mostravam alterações
e nem a lesão. Estes escolares foram acompanhados pelo Departamento
de Neurologia do HC entre 2007 e 2009. A pesquisa foi extensa
para a fonoaudióloga, tanto que o que era inicialmente para
ser uma pesquisa de mestrado avançou de tal forma que passou
a constituir uma tese de doutorado.
As avaliações na área fonoaudiológica
foram feitas pela própria pós-graduanda e, incluiu a avaliação
da linguagem, para investigar como era a fala dos escolares;
da compreensão, para identificar o estágio do conhecimento
dos escolares ao se apropriarem da informação; da leitura
e da escrita; bem como do processamento auditivo. Além disso,
ela contou com o parecer de outros especialistas. Os escolares
passaram por avaliação neurológica com a professora Marilisa
Guerreiro; por avaliação de imagem de ressonância magnética,
analisada pelo neurologista da FCM Fernando Cendes; e por
avaliação neuropsicológica da psicóloga Catarina Guimarães.
Manifestações
A síndrome perisylviana é
identificada por meio da polimicrogiria no cérebro, na região
da fissura sylviana. Ao redor dessa fissura, nas pessoas com
esta síndrome, ela é vista como uma malformação no desenvolvimento
cortical caracterizada por um número excessivo de pequenos
giros, dando à superfície cortical uma aparência irregular
e grosseira. A sua gravidade nas manifestações clínicas pode
ter correlação com o envolvimento cortical. “São múltiplos
microgiros que não aparecem em cérebros bem-formados”, relata
Mirela Boscariol.
De acordo com a pesquisadora,
a fissura sylviana engloba regiões auditivas essenciais como
o córtex auditivo, que muito se relaciona com o desenvolvimento
da linguagem. “Então se existe uma alteração na linguagem
e no processamento da informação auditiva, ela pode ser decorrente
de alteração na região sylviana”, constata.
Essa síndrome é rara e pode
se manifestar com alguns sinais e sintomas variáveis. Engloba
os distúrbios que afetam a fala e os sinais pseudobulbares,
caracterizados pela dificuldade de assoprar e de engolir.
Há grande espectro de manifestações clínicas variando de casos
leves até casos graves com comprometimento cognitivo e epilepsia.
No entanto, em alguns casos, a síndrome passa até despercebida”,
relata a pesquisadora. “É que faltam muitas informações sobre
a síndrome por, muitas vezes, não haver tecnologias capazes
de identificá-la.”
Para a pesquisadora, é importante
esclarecer que o fato de haver um distúrbio específico de
linguagem ou de aprendizagem não significa que haja a polimicrogiria.
Os relatos em geral, comenta, dão conta de apontar que a sua
ocorrência é justamente no período de formação cortical, enquanto
o feto está se desenvolvendo.
Quando se começou a falar
sobre essa síndrome, as primeiras descrições em geral faziam
alusão à epilepsia. Mas este “conceito” não se tratava de
um equívoco infundado. É que estudos preliminares sobre a
síndrome perisylviana foram realizados em centros avançados
de epilepsia. Com o avançar dos anos, as pesquisas foram se
aprofundando e elucidando que nem sempre a epilepsia está
presente na síndrome.
Foix, Chavany e Marie foram
os pioneiros a relatar a síndrome, em 1926. Depois surgiram
outros estudos. Na Unicamp, a neurologista Marilisa Guerreiro,
que realiza pesquisas em epilepsia e malformações do desenvolvimento
cortical, permaneceu no Canadá para estudar com mais vagar
a síndrome perisylviana. A sua estada naquele país, auxiliou
na investigação de casos mais significativos, envolvendo epilepsia,
comprometimento cognitivo e distúrbios de fala. O seu retorno
ao Brasil originou o projeto temático, de caráter interdisciplinar,
o que, conforme Mirela Boscariol, contribuiu para melhor compreensão
da síndrome.
Processamento auditivo
O diferencial da pesquisa
da fonoaudióloga foi a investigação do processamento auditivo
em crianças com distúrbio de linguagem e aprendizagem – em
presença e ausência de lesão cortical –, e comparação com
crianças sem qualquer alteração. Além disso, a importância
do estudo deve-se ao fato de que os achados deste trabalho
abrem nova perspectiva para se descobrir a base orgânica de
condições como a dislexia, por exemplo, distúrbio da capacidade
de ler e de escrever.
O processamento auditivo refere-se
a fenômenos de localização e lateralização do som, discriminação
e reconhecimento de padrões auditivos e aspectos temporais
da audição, com sinais acústicos competitivos e com degradação
desses sinais. Há suspeita de distúrbio do processamento auditivo
na criança que pede para repetir o que lhe é dito com frequência,
demora para responder quando questionada, apresenta dificuldade
para ouvir em ambientes ruidosos, aumenta o volume da TV,
apresenta trocas na fala, mesmo com audição periférica normal,
descreve Mirela Boscariol.
Nesse estudo, concluiu-se
que o córtex polimicrogírico pode apresentar funcionamento
atípico e levar a distúrbios de linguagem, com atraso na fala,
troca de letras e, mais adiante, troca na escrita, na leitura
ou mesmo do processamento da informação auditiva. O que não
se pode afirmar, de acordo com ela, é que todas as crianças
que têm trocas na fala têm a lesão.
Outras conclusões
Outro aspecto observado pela
pesquisadora na tese foi que as dificuldades no processamento
podem levar a dificuldades de aprendizagem. Além do mais,
as crianças que têm o distúrbio de linguagem, leitura, escrita
e processamento auditivo, tendo lesão, possuem obviamente
um desempenho pior do que as crianças que não têm.
Uma ação que transcendeu a
proposta da pesquisadora no estudo foi a reabilitação de algumas
crianças, já que ela permeia automaticamente a área de fonoaudiologia.
Para a pesquisadora, a reabilitação das dificuldades da linguagem,
da aprendizagem e do processamento auditivo é possível, enfatiza,
mas a evolução depende das alterações apresentadas pela criança.
Outra coisa: “Devemos prestar mais a atenção para os distúrbios
de linguagem, de leitura e de escrita para entender a questão
do diagnóstico e prognóstico – se há um substrato neuroanatômico
ou não, isso pode permitir um melhor planejamento terapêutico”,
garante.
A pesquisadora, que é graduada
em Fonoaudiologia pela USP de Bauru, ressalta que os resultados
obtidos neste trabalho e no projeto temático devem contribuir
para um diagnóstico mais preciso da síndrome. Há pouco tempo,
viam-se apenas estudos dispersos sobre ela. “Agora já é possível
um melhor aconselhamento às famílias, principalmente aos pais”,
conta ela.
Artigos:
Boscariol M, Garcia VL, Guimarães CA, Hage SRV, Montenegro
MA, Cendes F, Guerreiro MM. Auditory processing disorders
in twins with perisylvian polymicrogyria. Arq Neuropsiquiatr
2009; 67(2):499-501.
Boscariol M, Garcia VL, Guimarães CA, Montenegro MA,
Hage SRV, Cendes F, Guerreiro MM. Auditory processing disorder
in perisylvian syndrome. Brain Dev 2010; 32(4):299-304.
Publicação:
Tese de doutorado Caracterização
dos achados da avaliação do processamento auditivo
na síndrome perisylviana
Autora: Mirela Boscariol
Orientadora: Marilisa Mantovani Guerreiro
Financiamentos: CNPq e Fapesp
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