Fausto Castilho e a gênese
da Unicamp
Pioneiro, professor
emérito lança livro
sobre a história
da Universidade
A
introdução da universidade moderna no Brasil
passou por vários obstáculos, muitos dos quais
impostos pelas exigências do sistema brasileiro de
ensino superior, classificado como "mercantilista"
pelo professor emérito da Unicamp Fausto Castilho.
Esta, entre outras considerações, faz parte
do seu livro O conceito da Universidade no Projeto da Unicamp
(Editora da Unicamp), lançado no último dia
9 no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH),
durante aula magna inaugural do curso de filosofia.
Em suas 208 páginas, o livro oferece uma reflexão
ampla e instigante sobre os diversos aspectos da universidade
no Brasil. Não foge da análise do escritor
a crítica ao sentido histórico da resistência
ao estudo das humanidades e à realização
da pesquisa.
Membro da Comissão de Planejamento da Unicamp (Coplan),
grupo responsável pelo plano de construção
inicial da Unicamp, Castilho enfatizou, durante a aula,
a importância da proximidade entre as disciplinas
de humanidades e científicas no planejamento de uma
universidade. Ele acrescentou que a Unicamp foi privilegiada
por ter sido pensada a partir do "malogro" de
outros campi brasileiros. Para o docente, uma universidade
deve funcionar como uma enciclopédia desde sua criação.
A seguir, alguns trechos da obra, que foi organizada pelo
professor Alexandre Guimarães Tadeu Soares, da Universidade
Federal de Uberlândia (UFU).
CAMPUS RADIAL
....A concepção de um campus radial ocorreu-me
em 1963 como o único modo de compatibilizar duas
estruturas: a estrutura da universidade e a estrutura da
porção propriamente funcional da cidade universitária.
Essa proposta continha, por assim dizer, o saldo que ficou
de minha experiência sobre a questão da universidade
no período de 1959 a 1963. Experiência que
se desdobra em quatro momentos: 1) a campanha em Defesa
da Escola Pública; 2) os debates sobre as propostas
de Reforma Universitária; 3) minha permanência
por todo um mês em Brasília para discutir,
a convite de Darcy Ribeiro, o plano da UnB; e 4) os estudos,
as discussões e a reflexão sobre o projeto
da Universidade Federal de São Paulo durante os trabalhos
do seu Conselho Universitário.
A ESTRUTURA
Em São Paulo, o reitor afirmara que a Universidade
de Campinas seria pensada a partir de "seus princípios".
Do que dizia, pudemos concluir, primeiramente, que o ponto
de partida da concepção da universidade residia
nas ciências, tomadas em seu conjunto; em segundo
lugar, a fortiori, a nova instituição estaria
de nascença imune a toda hipoteca advinda da presença
de qualquer entidade preexistente que pudesse deturpar-lhe
o conceito.
Foi o nexo entre a disposição de conceber
a universidade a partir de seus princípios e a declarada
opção pelo campus radial - duas coisas que
no meu entendimento se reduziam a uma só - que me
levou a aceitar o convite para organizar as humanidades
em Campinas.
Organizá-las a partir do zero, pois na nova universidade
até aquele momento elas pura e simplesmente não
existiam. Havia em Campinas até então algumas
unidades reunindo disciplinas subsidiárias de uma
escola de medicina existente desde 1962 e que os médicos
da cidade conseguiram introduzir numa proposta municipal
de criação de uma universidade que chamavam
de "estadual".
ORGANIZAÇÃO
DAS HUMANIDADES
Vim a Campinas no dia 31 de agosto de 1967 para expor ao
Conselho Diretor (CD) da universidade o plano de criação
do que chamei de Depes -Departamento de Planejamento Econômico
e Social. Foi concebido como a primeira unidade do futuro
Instituto Central de Filosofia e Ciências Humanas.
O plano foi aprovado na mesma data em decisão unânime
do CD. Na parte da manhã, o reitor levou-me ao distrito
de Barão Geraldo. Diante da gleba doada por Ademar
de Almeida Prado para a localização da futura
cidade universitária, o reitor desce do carro, de
frente para o que era então um imenso canavial, abre
os braços e diz: "Aqui será construída
a universidade".
É claro que na frase do reitor, além da metáfora,
havia uma palpável força de expressão.
Nas circunstâncias daquele momento brasileiro, a obra
de engenharia não raro fazia as vezes de panacéia
para a cura de uma porção de males. Entretanto,
crescia a olhos vistos a distância entre edificação
e instituição. Exemplo: a dissonância
que se acentua entre o plano piloto em sua medula e as ceilândias
que proliferam ao redor da nova capital.
CRIAÇÃO DO DEPES
As providências relativas à sua criação
remontam ao primeiro semestre de 1967. Na realidade, os
primeiros passos foram dados já no final de 1965,
quando, ainda na qualidade de redator final do Plano de
Educação para a gestão Faria Lima na
prefeitura de São Paulo, propus que a prefeitura
promovesse um Curso de Introdução ao Planejamento
pela Cepal (Comissão Econômica para a América
Latina).
Esse curso se realizou em dependências da municipalidade
em 1966, ao longo de todo um semestre, com carga horária
de tempo integral, para alunos provenientes de várias
partes do país e ministrado por técnicos brasileiros
ou sul-americanos pertencentes ao quadro da Cepal-Ilpes
(Instituto de Planejamento Econômico e Social) ou
por ela contratados.
Era uma iniciativa pioneira, dando início a um processo
que levaria finalmente à proposta de criação
em Campinas do Depes como primeira unidade do IFCH (Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas) da Unicamp.
O Depes, órgão conveniado do Ilpes-Cepal,
sob o patrocínio do Ministério das Relações
Exteriores, foi a primeira instituição ligada
à Cepal a instalar-se em São Paulo, onde o
órgão da ONU nunca anteriormente pudera fazê-lo.
PRIMEIROS PASSOS
As providências destinadas a criar o Depes remontam
a 1967, antes portanto de minha partida para a França
em outubro daquele ano, para uma estada de dois semestres
letivos na Universidade de Besançon, onde cumpriria
um compromisso firmado desde o final de 1966 - antes portanto
do convite para organizar as humanidades na Unicamp. Regressei
ao Brasil em agosto de 1968.
Durante o primeiro semestre de 1967, a pedido do professor
Zeferino Vaz, que assumira fazia pouco a reitoria da Universidade
de Campinas, elaborei o plano de um órgão
que denominei de Depes. A proposta de criação
foi aprovada pelo Conselho Diretor da universidade na sessão
de 31 de agosto de 1967. Elaborei a proposta do departamento
como primeira unidade do futuro Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da universidade, para cumprir um
programa provisório de implantação
durante um qüinqüênio, até 1973,
quando sua implantação estaria terminada.
Como minha partida para a França deveria dar-se no
começo de outubro, início do ano letivo na
Europa, o reitor, depois da aprovação do plano
do Depes pelo Conselho Diretor, insistia para que eu ficasse
desde logo contratualmente vinculado à universidade.
Disseram-me depois que receava pudesse eu aceitar uma proposta
de trabalho na Europa, a exemplo de muitos outros brasileiros
que lá ficaram. Aquiesci em assinar um contrato,
a partir de 14 de setembro de 1967, pelo tempo em que estivesse
fora do país, com remuneração mais
simbólica do que efetiva.
Em agosto, ao mesmo tempo em que ultimava a redação
do texto da proposta de criação do Depes,
fui diversas vezes ao Rio, onde ainda se encontrava a sede
do Itamaraty. Informei então a alguns diplomatas
amigos meus - Sergio Corrêa da Costa, Paulo Nogueira
Batista, Ovídio de Andrade Mello, os quais afortunadamente
para a futura universidade exerciam na ocasião chefias
de importantes seções do Ministério
das Relações Exteriores - e à própria
direção do ministério que me dispunha
a ir para a universidade estadual em organização
na cidade de Campinas.
Na mesma ocasião, disse-lhes também que, pelo
perfil dos pesquisadores, em sua maioria provenientes da
USP, cuja ida para Campinas estava ou apalavrada ou formalizada,
era possível predizer que, a exemplo do que ocorrera
nos primórdios da USP, a nova universidade passaria
a recrutar, da mesma forma que a primeira universidade estadual
paulista nos anos 30, pesquisadores e estudiosos em universidades
e centros de estudos do exterior. E que uma ação
de tal alcance no exterior, dadas as circunstâncias,
só poderia ser bem-sucedida se contasse com o decidido
e constante respaldo do Itamaraty.
Apresentei-lhes nessa ocasião a proposta de organização
da primeira unidade do futuro Instituto Central de Humanas.
O aspecto mais importante do plano residia no cronograma
de implantação do departamento ao longo de
um qüinqüênio. Mas uma unidade universitária
não podia ser criada e ficar depois à espera
de que o orçamento público tivesse disponibilidades
para que entrasse em funcionamento. Só depois que
aqueles funcionários do MRE (Ministério das
Relações Exteriores) aceitaram o cronograma
de implantação é que, no regresso a
São Paulo, entreguei minha proposta ao reitor, também
presidente do Conselho Diretor da universidade, que iria
apreciá-la.
A sustentação diplomática e financeira
do MRE tornara-se imprescindível a partir do momento
em que o próprio reitor me adiantara que a nova universidade
não dispunha de recursos orçamentários
para financiar a instalação e a manutenção
do departamento. Disselhe então que já encaminhara
um pedido de financiamento ao Itamaraty e havia fortes indícios
de que me seria concedido. Estava faltando apenas que a
universidade encaminhasse umas poucas providências
burocráticas.
Logo depois da entrada da solicitação, o Itamaraty
passou a diligenciar junto à Cepal e ao Ilpes a fim
de que aqueles organismos da ONU participassem de um projeto
elaborado de comum acordo com o Depes para a realização,
na Universidade de Campinas, a partir do ano seguinte, 1968,
de um curso propedêutico, mesmo que de caráter
extracurricular, sobre Problemas de Desenvolvimento e de
Planejamento Econômico e Social.
É assim, pois, que no dia 11 de outubro de 1967,
véspera de minha partida para Besançon, propus
ao reitor Zeferino Vaz que encaminhasse ao embaixador Sergio
Corrêa da Costa, secretário-geral do Itamaraty,
Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro, um ofício
em que "exprime o reconhecimento da Universidade de
Campinas pelo empenho demonstrado em colaborar para a solução
dos problemas da novel instituição" e
solicita o apoio da Secretaria-Geral, sob a forma de uma
recomendação dirigida à Divisão
de Cooperação Econômica e Técnica
do Ministério das Relações Exteriores
para que fosse considerado prioritário o projeto
"de convênio qüinqüenal (1968-1972)
com a Cepal e o Ilpes, órgãos das Nações
Unidas, para a realização no Depes do Instituto
de Ciências Humanas da Universidade de Campinas, em
organização, de cinco cursos extracurriculares
sobre Desenvolvimento e Planejamento Econômico".
Passado mais de um trimestre, estava eu em Besançon,
quando fui informado pelo reitor de Campinas de que até
o dia 2 de fevereiro de 1968 o Itamaraty não se manifestara
sobre a solicitação de outubro. Escrevi imediatamente,
em 2 de fevereiro, uma carta a Correa da Costa, o qual me
responde por telegrama em 6 de março de 1968, nos
seguintes termos: "Recebi sua carta de seis de fevereiro.
O Itamaraty está reiterando à Cepal o interesse
do Governo Brasileiro em que se efetive o convênio
entre aquele organismo internacional e a Universidade de
Campinas. Abraços cordiais, Sergio Corrêa da
Costa".
Poucos dias depois, fui informado de que o Depes tinha garantido
o seu funcionamento, para os primeiros cinco anos de existência
do Instituto Central de Humanas. A partir daquele mês,
pude dar maior atenção à organização
das outras partes do futuro instituto.