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Fausto Castilho e a gênese da Unicamp
Pioneiro, professor emérito lança livro sobre a história da Universidade

 

O professor emérito Fausto Castilho, durante aula magna inaugural do curso de filosofia. Foto: Antonio ScarpinettiA introdução da universidade moderna no Brasil passou por vários obstáculos, muitos dos quais impostos pelas exigências do sistema brasileiro de ensino superior, classificado como "mercantilista" pelo professor emérito da Unicamp Fausto Castilho. Esta, entre outras considerações, faz parte do seu livro O conceito da Universidade no Projeto da Unicamp (Editora da Unicamp), lançado no último dia 9 no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), durante aula magna inaugural do curso de filosofia.

Em suas 208 páginas, o livro oferece uma reflexão ampla e instigante sobre os diversos aspectos da universidade no Brasil. Não foge da análise do escritor a crítica ao sentido histórico da resistência ao estudo das humanidades e à realização da pesquisa.

Membro da Comissão de Planejamento da Unicamp (Coplan), grupo responsável pelo plano de construção inicial da Unicamp, Castilho enfatizou, durante a aula, a importância da proximidade entre as disciplinas de humanidades e científicas no planejamento de uma universidade. Ele acrescentou que a Unicamp foi privilegiada por ter sido pensada a partir do "malogro" de outros campi brasileiros. Para o docente, uma universidade deve funcionar como uma enciclopédia desde sua criação. A seguir, alguns trechos da obra, que foi organizada pelo professor Alexandre Guimarães Tadeu Soares, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

CAMPUS RADIAL
....A concepção de um campus radial ocorreu-me em 1963 como o único modo de compatibilizar duas estruturas: a estrutura da universidade e a estrutura da porção propriamente funcional da cidade universitária. Essa proposta continha, por assim dizer, o saldo que ficou de minha experiência sobre a questão da universidade no período de 1959 a 1963. Experiência que se desdobra em quatro momentos: 1) a campanha em Defesa da Escola Pública; 2) os debates sobre as propostas de Reforma Universitária; 3) minha permanência por todo um mês em Brasília para discutir, a convite de Darcy Ribeiro, o plano da UnB; e 4) os estudos, as discussões e a reflexão sobre o projeto da Universidade Federal de São Paulo durante os trabalhos do seu Conselho Universitário.

A ESTRUTURA
Em São Paulo, o reitor afirmara que a Universidade de Campinas seria pensada a partir de "seus princípios". Do que dizia, pudemos concluir, primeiramente, que o ponto de partida da concepção da universidade residia nas ciências, tomadas em seu conjunto; em segundo lugar, a fortiori, a nova instituição estaria de nascença imune a toda hipoteca advinda da presença de qualquer entidade preexistente que pudesse deturpar-lhe o conceito.

Foi o nexo entre a disposição de conceber a universidade a partir de seus princípios e a declarada opção pelo campus radial - duas coisas que no meu entendimento se reduziam a uma só - que me levou a aceitar o convite para organizar as humanidades em Campinas.

Organizá-las a partir do zero, pois na nova universidade até aquele momento elas pura e simplesmente não existiam. Havia em Campinas até então algumas unidades reunindo disciplinas subsidiárias de uma escola de medicina existente desde 1962 e que os médicos da cidade conseguiram introduzir numa proposta municipal de criação de uma universidade que chamavam de "estadual".

ORGANIZAÇÃO
DAS HUMANIDADES

Vim a Campinas no dia 31 de agosto de 1967 para expor ao Conselho Diretor (CD) da universidade o plano de criação do que chamei de Depes -Departamento de Planejamento Econômico e Social. Foi concebido como a primeira unidade do futuro Instituto Central de Filosofia e Ciências Humanas. O plano foi aprovado na mesma data em decisão unânime do CD. Na parte da manhã, o reitor levou-me ao distrito de Barão Geraldo. Diante da gleba doada por Ademar de Almeida Prado para a localização da futura cidade universitária, o reitor desce do carro, de frente para o que era então um imenso canavial, abre os braços e diz: "Aqui será construída a universidade".

É claro que na frase do reitor, além da metáfora, havia uma palpável força de expressão. Nas circunstâncias daquele momento brasileiro, a obra de engenharia não raro fazia as vezes de panacéia para a cura de uma porção de males. Entretanto, crescia a olhos vistos a distância entre edificação e instituição. Exemplo: a dissonância que se acentua entre o plano piloto em sua medula e as ceilândias que proliferam ao redor da nova capital.

CRIAÇÃO DO DEPES
As providências relativas à sua criação remontam ao primeiro semestre de 1967. Na realidade, os primeiros passos foram dados já no final de 1965, quando, ainda na qualidade de redator final do Plano de Educação para a gestão Faria Lima na prefeitura de São Paulo, propus que a prefeitura promovesse um Curso de Introdução ao Planejamento pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina).

Esse curso se realizou em dependências da municipalidade em 1966, ao longo de todo um semestre, com carga horária de tempo integral, para alunos provenientes de várias partes do país e ministrado por técnicos brasileiros ou sul-americanos pertencentes ao quadro da Cepal-Ilpes (Instituto de Planejamento Econômico e Social) ou por ela contratados.
Era uma iniciativa pioneira, dando início a um processo que levaria finalmente à proposta de criação em Campinas do Depes como primeira unidade do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas) da Unicamp.

O Depes, órgão conveniado do Ilpes-Cepal, sob o patrocínio do Ministério das Relações Exteriores, foi a primeira instituição ligada à Cepal a instalar-se em São Paulo, onde o órgão da ONU nunca anteriormente pudera fazê-lo.

PRIMEIROS PASSOS
As providências destinadas a criar o Depes remontam a 1967, antes portanto de minha partida para a França em outubro daquele ano, para uma estada de dois semestres letivos na Universidade de Besançon, onde cumpriria um compromisso firmado desde o final de 1966 - antes portanto do convite para organizar as humanidades na Unicamp. Regressei ao Brasil em agosto de 1968.

Durante o primeiro semestre de 1967, a pedido do professor Zeferino Vaz, que assumira fazia pouco a reitoria da Universidade de Campinas, elaborei o plano de um órgão que denominei de Depes. A proposta de criação foi aprovada pelo Conselho Diretor da universidade na sessão de 31 de agosto de 1967. Elaborei a proposta do departamento como primeira unidade do futuro Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da universidade, para cumprir um programa provisório de implantação durante um qüinqüênio, até 1973, quando sua implantação estaria terminada.

Como minha partida para a França deveria dar-se no começo de outubro, início do ano letivo na Europa, o reitor, depois da aprovação do plano do Depes pelo Conselho Diretor, insistia para que eu ficasse desde logo contratualmente vinculado à universidade. Disseram-me depois que receava pudesse eu aceitar uma proposta de trabalho na Europa, a exemplo de muitos outros brasileiros que lá ficaram. Aquiesci em assinar um contrato, a partir de 14 de setembro de 1967, pelo tempo em que estivesse fora do país, com remuneração mais simbólica do que efetiva.

Em agosto, ao mesmo tempo em que ultimava a redação do texto da proposta de criação do Depes, fui diversas vezes ao Rio, onde ainda se encontrava a sede do Itamaraty. Informei então a alguns diplomatas amigos meus - Sergio Corrêa da Costa, Paulo Nogueira Batista, Ovídio de Andrade Mello, os quais afortunadamente para a futura universidade exerciam na ocasião chefias de importantes seções do Ministério das Relações Exteriores - e à própria direção do ministério que me dispunha a ir para a universidade estadual em organização na cidade de Campinas.

Na mesma ocasião, disse-lhes também que, pelo perfil dos pesquisadores, em sua maioria provenientes da USP, cuja ida para Campinas estava ou apalavrada ou formalizada, era possível predizer que, a exemplo do que ocorrera nos primórdios da USP, a nova universidade passaria a recrutar, da mesma forma que a primeira universidade estadual paulista nos anos 30, pesquisadores e estudiosos em universidades e centros de estudos do exterior. E que uma ação de tal alcance no exterior, dadas as circunstâncias, só poderia ser bem-sucedida se contasse com o decidido e constante respaldo do Itamaraty.

Apresentei-lhes nessa ocasião a proposta de organização da primeira unidade do futuro Instituto Central de Humanas. O aspecto mais importante do plano residia no cronograma de implantação do departamento ao longo de um qüinqüênio. Mas uma unidade universitária não podia ser criada e ficar depois à espera de que o orçamento público tivesse disponibilidades para que entrasse em funcionamento. Só depois que aqueles funcionários do MRE (Ministério das Relações Exteriores) aceitaram o cronograma de implantação é que, no regresso a São Paulo, entreguei minha proposta ao reitor, também presidente do Conselho Diretor da universidade, que iria apreciá-la.

A sustentação diplomática e financeira do MRE tornara-se imprescindível a partir do momento em que o próprio reitor me adiantara que a nova universidade não dispunha de recursos orçamentários para financiar a instalação e a manutenção do departamento. Disselhe então que já encaminhara um pedido de financiamento ao Itamaraty e havia fortes indícios de que me seria concedido. Estava faltando apenas que a universidade encaminhasse umas poucas providências burocráticas.

Logo depois da entrada da solicitação, o Itamaraty passou a diligenciar junto à Cepal e ao Ilpes a fim de que aqueles organismos da ONU participassem de um projeto elaborado de comum acordo com o Depes para a realização, na Universidade de Campinas, a partir do ano seguinte, 1968, de um curso propedêutico, mesmo que de caráter extracurricular, sobre Problemas de Desenvolvimento e de Planejamento Econômico e Social.

É assim, pois, que no dia 11 de outubro de 1967, véspera de minha partida para Besançon, propus ao reitor Zeferino Vaz que encaminhasse ao embaixador Sergio Corrêa da Costa, secretário-geral do Itamaraty, Palácio do Itamaraty, Rio de Janeiro, um ofício em que "exprime o reconhecimento da Universidade de Campinas pelo empenho demonstrado em colaborar para a solução dos problemas da novel instituição" e solicita o apoio da Secretaria-Geral, sob a forma de uma recomendação dirigida à Divisão de Cooperação Econômica e Técnica do Ministério das Relações Exteriores para que fosse considerado prioritário o projeto "de convênio qüinqüenal (1968-1972) com a Cepal e o Ilpes, órgãos das Nações Unidas, para a realização no Depes do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Campinas, em organização, de cinco cursos extracurriculares sobre Desenvolvimento e Planejamento Econômico".

Passado mais de um trimestre, estava eu em Besançon, quando fui informado pelo reitor de Campinas de que até o dia 2 de fevereiro de 1968 o Itamaraty não se manifestara sobre a solicitação de outubro. Escrevi imediatamente, em 2 de fevereiro, uma carta a Correa da Costa, o qual me responde por telegrama em 6 de março de 1968, nos seguintes termos: "Recebi sua carta de seis de fevereiro. O Itamaraty está reiterando à Cepal o interesse do Governo Brasileiro em que se efetive o convênio entre aquele organismo internacional e a Universidade de Campinas. Abraços cordiais, Sergio Corrêa da Costa".

Poucos dias depois, fui informado de que o Depes tinha garantido o seu funcionamento, para os primeiros cinco anos de existência do Instituto Central de Humanas. A partir daquele mês, pude dar maior atenção à organização das outras partes do futuro instituto.

 
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Jornal da Unicamp - Universidade Estadual de Campinas / ASCOM - Assessoria de Comunicação e Imprensa
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