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Retratos metropolitanos

Projeto reúne dados sobre economia e trabalho, dinâmica
demográfica e proteção social de três regiões e sete pólos de SP

MANUEL ALVES FILHO

Vista aérea da região central de Campinas: fluxos migratórios sofreram mudanças. Foto: Antoninho PerriPrefeituras que compõem as três regiões metropolitanas e sete pólos regionais do Estado de São Paulo contarão nas próximas semanas com uma importante ferramenta para ajudar a orientar a definição de políticas públicas nas áreas de economia e trabalho, dinâmica demográfica e proteção social. Projeto desenvolvido por pesquisadores da Unicamp, apoiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), elaborou um mapa que traz dados espacializados sobre esses temas. Ao consultá-lo, os gestores públicos terão uma visão ao mesmo tempo detalhada e regionalizada de cada campo investigado, o que deverá facilitar a adoção das ações municipais. "Penso que o grande mérito desse projeto foi ter agregado e organizado os indicadores disponíveis sobre cada tópico, embora o trabalho também ofereça aos entes públicos um diagnóstico da situação atual e trace algumas tendências", analisa Cláudio Dedecca, professor do Instituto de Economia (IE) e coordenador da pesquisa.

Cláudio Dedecca, professor do IE e coordenador da pesquisa: "Projeto agregou e organizou os indicadores disponíveis
A coordenadora do Nepo, professora Rosana Baeninger: "Os delocamentos passaram a ocorrer num contexto regionalizado"
A professora Eugênia Troncoso Leone, do IE: "A apropriação de renda por parte dos 20% mais ricos aumentou em todas as regiões"
Lilia Terezinha Montali, pesquisadora do Nepp: programas estaduais  de transferência de renda estão pressentes em todos os municípios
Stella Silva Telles, pesquisadora do Nepp: "Taxas de analfabetismo têm índices semelhantes ao da Argentina e Uruguai"

O projeto, informa o economista, gerou um CD que está em fase final de elaboração e que será distribuído gratuitamente às prefeituras que integram as dez regiões analisadas. Ao todo, a pesquisa demandou dois anos e meio de trabalho e contou com a colaboração de pesquisadores e alunos do IE, Núcleo de Políticas Públicas (Nepp) e Núcleo de Estudos da População (Nepo). Os trabalhos foram financiados pela Finep dentro de uma concorrência pública nacional destinada projetos que pudessem contribuir para a formulação de políticas públicas. Foram consideradas as regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas e Baixada Santista, além dos pólos regionais de Ribeirão Preto, Sorocaba, São José dos Campos, São José do Rio Preto, Presidente Prudente, Araçatuba e Bauru. Esse conjunto, conforme Dedecca, responde por cerca de 90% da população e pelo mesmo percentual das riquezas produzidas pelo Estado. "Olhando detalhadamente para essas regiões nós estaremos olhando também para o Estado", afirma.

Para levantar a massa de dados utilizada no trabalho, os pesquisadores recorreram a várias fontes, tais como o censo demográfico, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e pesquisas de campo. Segundo a coordenadora do Nepo, professora Rosana Baeninger, em termos demográficos a pesquisa conferiu maior ênfase à questão das migrações. O dado novo em relação aos últimos 30 anos é que os fluxos migratórios sofreram mudanças. "Até o final da década de 70, havia uma saída de população da Região Metropolitana de São Paulo em direção às cidades do entorno, no que classificamos de processo de interiorização industrial. Entretanto, a partir dos anos 80 e mais fortemente nos anos 90 esses deslocamentos passaram a ocorrer num contexto regionalizado, em razão da dinâmica desses pólos. Se antes a metrópole de São Paulo perdia população para o seu entorno imediato, nos últimos anos ela passou a perder para todos os municípios do Interior, inclusive os pequenos", afirma.

A pesquisa também identificou que as migrações nordestinas deixaram igualmente de ter como alvo a Região Metropolitana de São Paulo e passaram a mirar o Interior do Estado. "Essa situação não se alterou apenas para os baianos e pernambucanos, que continuaram migrando para a metrópole paulistana. No caso de maranhenses, alagoanos, piauienses e outros grupos a rota de migração passou a ter como destino o Interior". Para a coordenadora do Nepo, os municípios interioranos começaram a absorver mais população não necessariamente por conta da interiorização da indústria, "mas por outros processos que fazem com que a dinâmica populacional se alie as transformações locais".

O professor Dedecca destaca que uma análise das regiões consideradas no trabalho revela que a economia do Estado é extremamente urbanizada. Embora os dados primários ainda sejam escassos em relação ao tema, o estudo apurou que o mercado de trabalho paulista é predominantemente urbano, assalariado e com alto grau de precarização. A informalidade responde por cerca de 40% das atividades e o nível de desemprego varia de 11% a 19%, dependendo da região avaliada. "O processo de interiorização do Estado, embora ainda gere grande concentração da atividade econômica, foi capaz de urbanizar e de transformar a estrutura econômica e o mercado de trabalho. A questão que fica diante dessa constatação é a seguinte: se o Estado não for capaz de impor um dinamismo econômico a essas regiões, isso certamente se traduzirá em desemprego e na ampliação da informalidade", adverte.

No que toca à renda domiciliar, o estudo apurou que esse indicador sofreu um ligeiro aumento nas regiões consideradas entre 1991 e 2000, período em que há dados disponíveis. A professora Eugênia Troncoso Leone, do IE, observa, porém, que esses anos não são os melhores para efeito de comparação, visto que o primeiro foi marcado pela baixa atividade econômica e o segundo por uma recuperação nesse sentido. De toda forma, na década tratada as regiões metropolitanas de Campinas e São Paulo registraram, na média, uma renda domiciliar per capita acima daquela verificada para o Estado, cuja taxa de crescimento anual foi de 1,8%. Já a Região Metropolitana da Baixada Santista e os demais pólos regionais apresentaram um desempenho inferior ao do Estado nesse tópico.

A despeito do crescimento da renda domiciliar, a desigualdade também avançou no período tomado para análise tanto nas regiões metropolitanas quanto nos pólos regionais, aponta o estudo. De acordo com o índice de Gini, que leva em consideração diversas variáveis econômicas, a desigualdade foi ligeiramente menor nas regiões metropolitanas de Capinas e Baixada Santista e nos pólos de Sorocaba, São José dos Campos e Ribeirão Preto. "Um dado que reforça essa constatação do aprofundamento das desigualdades é o fato de que a apropriação de renda por parte dos 20% mais ricos aumentou em todas as regiões e pólos considerados. Nesse aspecto, tiveram destaque Araçatuba e Presidente Prudente, onde o índice de concentração de renda foi maior do que nas demais localidades", esclarece a economista. Ainda em relação ao tema renda, a pesquisa verificou uma ampliação da proporção de domicílios com renda da mulher tanto no Estado quanto nas dez áreas pesquisadas. Em torno de 60% das residências são mantidas com a participação feminina. Nos pólos regionais, a proporção de domicílios com renda da mulher é maior que nas metrópoles. Nestas, no entanto, a participação da renda feminina no total do domicílio é superior", detalha a docente do IE.

Proteção social
Para traçar o diagnóstico da questão social nas dez regiões elencadas, os pesquisadores da Unicamp também recorreram a variadas fontes, entre elas o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Sistema Pró-Social, mantido pelo governo paulista, e entrevistas com gestores e coordenadores de programas municipais. "As entrevistas foram feitas em 24 municípios das três regiões metropolitanas e em 21 dos pólos regionais", afirma Lilia Terezinha Montali, pesquisadora do Nepp. De acordo com ela, foi possível constatar que os programas estaduais de transferência de renda estão presentes em todos os municípios investigados. Ademais, o estudo concluiu que mais de 100% das famílias com renda equivalente a meio salário mínimo per capita são atendidas por programas de transferência de renda. Isso ocorre porque o Bolsa Família, mantido pelo governo federal, normalmente é complementado por políticas públicas semelhantes implantadas pelo Estado e municípios.

A pesquisa desenvolvida pelos especialistas da Unicamp analisou também as condições da educação e da saúde nas dez regiões, entre os anos de 1991 e 2000. Uma das constatações foi de que a taxa de analfabetismo caiu significativamente em praticamente todas as localidades. "Hoje, elas apresentam índices semelhantes ao da Argentina ou Uruguai", compara Stella Silva Telles, pesquisadora do Nepp. Outro dado relevante levantado pelo estudo, este referente ao ensino fundamental, dá conta que as regiões metropolitanas e pólos estão muito próximos da universalização do setor, notadamente entre a 1ª e a 4ª séries. "As taxas, que são bem homogêneas para todas as localidades, giram em torno de 90%", diz. Já para a segunda fase do ensino fundamental, que vai da 5ª até a 9ª série, esse índice é de 80%.

O maior desafio a ser enfrentado pelo Estado, no entender de Stella, é ampliar a oferta de vagas no ensino médio. Embora tenham ocorridos avanços nesse sentido, apenas 52% dos jovens em idade escolar estão efetivamente matriculados em uma das séries desse nível de ensino. Outra informação relevante refere-se à taxa de evasão escolar, que é particularmente elevada no ensino médio. "Em pólos como Araçatuba, Ribeirão Preto e Bauru e nas regiões metropolitanas esse índice varia de 6% a 10%, enquanto que no ensino fundamental, entre a 1ª e a 4ª série, a taxa é de 1%", revela Stella. Sobre o desempenho dos alunos, foi possível verificar que houve uma discreta melhoria em relação ao ensino da língua portuguesa, mas um retrocesso no que diz respeito à matemática. "Os níveis de desempenho em matemática para a 3ª série do ensino médio ficaram abaixo do básico", afirma.

Na saúde, o dado positivo é que a taxa de mortalidade infantil sofreu queda acentuada entre 1990 e 2000 e continuou mantendo a mesma tendência posteriormente, mas de forma mais suave. A Região Metropolitana da Baixada Santista foi a que apresentou o pior desempenho nesse aspecto, com 17 mil óbitos de menores de um ano por mil nascidos vivos. O estudo mensurou que o Programa de Saúde da Família (PSF) foi ampliado em todas as regiões, sendo que Araçatuba registrou a maior cobertura - cerca de 50%. Além disso, a pesquisa apurou que as três regiões metropolitanas e mais São José dos Campos apresentaram os indicadores mais tímidos no que toca à realização de consultas básicas por habitante por ano.

Para o professor Dedecca, assim que os gestores públicos estiverem de posse dos dados fornecidos pelo estudo, eles certamente terão uma visão muito mais detalhada sobre todos esses temas, com a vantagem adicional de contarem com informações trabalhadas no contexto regional. "Essas informações já existiam, mas não estavam reunidas e nem sistematizadas da forma como se encontram na pesquisa. Isso deverá facilitar a tomada de decisão por pare dos entes públicos", infere. Na opinião do docente do IE, graças à metodologia adotada, o estudo pode ser atualizado sempre que possível e adaptado para traçar o mapa de outras regiões paulistas ou mesmo de localidades de outros estados do país.

 
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