Retratos metropolitanos
Projeto reúne
dados sobre
economia e trabalho,
dinâmica
demográfica
e proteção social de
três regiões
e sete pólos de SP
MANUEL
ALVES FILHO
Prefeituras
que compõem as três regiões metropolitanas
e sete pólos regionais do Estado de São Paulo
contarão nas próximas semanas com uma importante
ferramenta para ajudar a orientar a definição
de políticas públicas nas áreas de
economia e trabalho, dinâmica demográfica e
proteção social. Projeto desenvolvido por
pesquisadores da Unicamp, apoiado pela Financiadora de Estudos
e Projetos (Finep), órgão do Ministério
da Ciência e Tecnologia (MCT), elaborou um mapa que
traz dados espacializados sobre esses temas. Ao consultá-lo,
os gestores públicos terão uma visão
ao mesmo tempo detalhada e regionalizada de cada campo investigado,
o que deverá facilitar a adoção das
ações municipais. "Penso que o grande
mérito desse projeto foi ter agregado e organizado
os indicadores disponíveis sobre cada tópico,
embora o trabalho também ofereça aos entes
públicos um diagnóstico da situação
atual e trace algumas tendências", analisa Cláudio
Dedecca, professor do Instituto de Economia (IE) e coordenador
da pesquisa.
O projeto, informa o economista,
gerou um CD que está em fase final de elaboração
e que será distribuído gratuitamente às
prefeituras que integram as dez regiões analisadas.
Ao todo, a pesquisa demandou dois anos e meio de trabalho
e contou com a colaboração de pesquisadores
e alunos do IE, Núcleo de Políticas Públicas
(Nepp) e Núcleo de Estudos da População
(Nepo). Os trabalhos foram financiados pela Finep dentro
de uma concorrência pública nacional destinada
projetos que pudessem contribuir para a formulação
de políticas públicas. Foram consideradas
as regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas
e Baixada Santista, além dos pólos regionais
de Ribeirão Preto, Sorocaba, São José
dos Campos, São José do Rio Preto, Presidente
Prudente, Araçatuba e Bauru. Esse conjunto, conforme
Dedecca, responde por cerca de 90% da população
e pelo mesmo percentual das riquezas produzidas pelo Estado.
"Olhando detalhadamente para essas regiões nós
estaremos olhando também para o Estado", afirma.
Para levantar a massa de dados utilizada no trabalho, os
pesquisadores recorreram a várias fontes, tais como
o censo demográfico, Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (Pnad), Fundação Sistema
Estadual de Análise de Dados (Seade) e pesquisas
de campo. Segundo a coordenadora do Nepo, professora Rosana
Baeninger, em termos demográficos a pesquisa conferiu
maior ênfase à questão das migrações.
O dado novo em relação aos últimos
30 anos é que os fluxos migratórios sofreram
mudanças. "Até o final da década
de 70, havia uma saída de população
da Região Metropolitana de São Paulo em direção
às cidades do entorno, no que classificamos de processo
de interiorização industrial. Entretanto,
a partir dos anos 80 e mais fortemente nos anos 90 esses
deslocamentos passaram a ocorrer num contexto regionalizado,
em razão da dinâmica desses pólos. Se
antes a metrópole de São Paulo perdia população
para o seu entorno imediato, nos últimos anos ela
passou a perder para todos os municípios do Interior,
inclusive os pequenos", afirma.
A pesquisa também identificou que as migrações
nordestinas deixaram igualmente de ter como alvo a Região
Metropolitana de São Paulo e passaram a mirar o Interior
do Estado. "Essa situação não
se alterou apenas para os baianos e pernambucanos, que continuaram
migrando para a metrópole paulistana. No caso de
maranhenses, alagoanos, piauienses e outros grupos a rota
de migração passou a ter como destino o Interior".
Para a coordenadora do Nepo, os municípios interioranos
começaram a absorver mais população
não necessariamente por conta da interiorização
da indústria, "mas por outros processos que
fazem com que a dinâmica populacional se alie as transformações
locais".
O professor Dedecca destaca que uma análise das regiões
consideradas no trabalho revela que a economia do Estado
é extremamente urbanizada. Embora os dados primários
ainda sejam escassos em relação ao tema, o
estudo apurou que o mercado de trabalho paulista é
predominantemente urbano, assalariado e com alto grau de
precarização. A informalidade responde por
cerca de 40% das atividades e o nível de desemprego
varia de 11% a 19%, dependendo da região avaliada.
"O processo de interiorização do Estado,
embora ainda gere grande concentração da atividade
econômica, foi capaz de urbanizar e de transformar
a estrutura econômica e o mercado de trabalho. A questão
que fica diante dessa constatação é
a seguinte: se o Estado não for capaz de impor um
dinamismo econômico a essas regiões, isso certamente
se traduzirá em desemprego e na ampliação
da informalidade", adverte.
No que toca à renda domiciliar, o estudo apurou que
esse indicador sofreu um ligeiro aumento nas regiões
consideradas entre 1991 e 2000, período em que há
dados disponíveis. A professora Eugênia Troncoso
Leone, do IE, observa, porém, que esses anos não
são os melhores para efeito de comparação,
visto que o primeiro foi marcado pela baixa atividade econômica
e o segundo por uma recuperação nesse sentido.
De toda forma, na década tratada as regiões
metropolitanas de Campinas e São Paulo registraram,
na média, uma renda domiciliar per capita acima daquela
verificada para o Estado, cuja taxa de crescimento anual
foi de 1,8%. Já a Região Metropolitana da
Baixada Santista e os demais pólos regionais apresentaram
um desempenho inferior ao do Estado nesse tópico.
A despeito do crescimento da renda domiciliar, a desigualdade
também avançou no período tomado para
análise tanto nas regiões metropolitanas quanto
nos pólos regionais, aponta o estudo. De acordo com
o índice de Gini, que leva em consideração
diversas variáveis econômicas, a desigualdade
foi ligeiramente menor nas regiões metropolitanas
de Capinas e Baixada Santista e nos pólos de Sorocaba,
São José dos Campos e Ribeirão Preto.
"Um dado que reforça essa constatação
do aprofundamento das desigualdades é o fato de que
a apropriação de renda por parte dos 20% mais
ricos aumentou em todas as regiões e pólos
considerados. Nesse aspecto, tiveram destaque Araçatuba
e Presidente Prudente, onde o índice de concentração
de renda foi maior do que nas demais localidades",
esclarece a economista. Ainda em relação ao
tema renda, a pesquisa verificou uma ampliação
da proporção de domicílios com renda
da mulher tanto no Estado quanto nas dez áreas pesquisadas.
Em torno de 60% das residências são mantidas
com a participação feminina. Nos pólos
regionais, a proporção de domicílios
com renda da mulher é maior que nas metrópoles.
Nestas, no entanto, a participação da renda
feminina no total do domicílio é superior",
detalha a docente do IE.
Proteção social
Para traçar o diagnóstico da questão
social nas dez regiões elencadas, os pesquisadores
da Unicamp também recorreram a variadas fontes, entre
elas o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate
à Fome (MDS), Sistema Pró-Social, mantido
pelo governo paulista, e entrevistas com gestores e coordenadores
de programas municipais. "As entrevistas foram feitas
em 24 municípios das três regiões metropolitanas
e em 21 dos pólos regionais", afirma Lilia Terezinha
Montali, pesquisadora do Nepp. De acordo com ela, foi possível
constatar que os programas estaduais de transferência
de renda estão presentes em todos os municípios
investigados. Ademais, o estudo concluiu que mais de 100%
das famílias com renda equivalente a meio salário
mínimo per capita são atendidas por programas
de transferência de renda. Isso ocorre porque o Bolsa
Família, mantido pelo governo federal, normalmente
é complementado por políticas públicas
semelhantes implantadas pelo Estado e municípios.
A pesquisa desenvolvida pelos especialistas da Unicamp analisou
também as condições da educação
e da saúde nas dez regiões, entre os anos
de 1991 e 2000. Uma das constatações foi de
que a taxa de analfabetismo caiu significativamente em praticamente
todas as localidades. "Hoje, elas apresentam índices
semelhantes ao da Argentina ou Uruguai", compara Stella
Silva Telles, pesquisadora do Nepp. Outro dado relevante
levantado pelo estudo, este referente ao ensino fundamental,
dá conta que as regiões metropolitanas e pólos
estão muito próximos da universalização
do setor, notadamente entre a 1ª e a 4ª séries.
"As taxas, que são bem homogêneas para
todas as localidades, giram em torno de 90%", diz.
Já para a segunda fase do ensino fundamental, que
vai da 5ª até a 9ª série, esse índice
é de 80%.
O maior desafio a ser enfrentado pelo Estado, no entender
de Stella, é ampliar a oferta de vagas no ensino
médio. Embora tenham ocorridos avanços nesse
sentido, apenas 52% dos jovens em idade escolar estão
efetivamente matriculados em uma das séries desse
nível de ensino. Outra informação relevante
refere-se à taxa de evasão escolar, que é
particularmente elevada no ensino médio. "Em
pólos como Araçatuba, Ribeirão Preto
e Bauru e nas regiões metropolitanas esse índice
varia de 6% a 10%, enquanto que no ensino fundamental, entre
a 1ª e a 4ª série, a taxa é de 1%",
revela Stella. Sobre o desempenho dos alunos, foi possível
verificar que houve uma discreta melhoria em relação
ao ensino da língua portuguesa, mas um retrocesso
no que diz respeito à matemática. "Os
níveis de desempenho em matemática para a
3ª série do ensino médio ficaram abaixo
do básico", afirma.
Na saúde, o dado positivo é que a taxa de
mortalidade infantil sofreu queda acentuada entre 1990 e
2000 e continuou mantendo a mesma tendência posteriormente,
mas de forma mais suave. A Região Metropolitana da
Baixada Santista foi a que apresentou o pior desempenho
nesse aspecto, com 17 mil óbitos de menores de um
ano por mil nascidos vivos. O estudo mensurou que o Programa
de Saúde da Família (PSF) foi ampliado em
todas as regiões, sendo que Araçatuba registrou
a maior cobertura - cerca de 50%. Além disso, a pesquisa
apurou que as três regiões metropolitanas e
mais São José dos Campos apresentaram os indicadores
mais tímidos no que toca à realização
de consultas básicas por habitante por ano.
Para o professor Dedecca, assim que os gestores públicos
estiverem de posse dos dados fornecidos pelo estudo, eles
certamente terão uma visão muito mais detalhada
sobre todos esses temas, com a vantagem adicional de contarem
com informações trabalhadas no contexto regional.
"Essas informações já existiam,
mas não estavam reunidas e nem sistematizadas da
forma como se encontram na pesquisa. Isso deverá
facilitar a tomada de decisão por pare dos entes
públicos", infere. Na opinião do docente
do IE, graças à metodologia adotada, o estudo
pode ser atualizado sempre que possível e adaptado
para traçar o mapa de outras regiões paulistas
ou mesmo de localidades de outros estados do país.