Estudo mostra que avanço social
não
reduziu desemprego nas classes C e D
Taxa de desocupados não
sofreu grande alteração nos estratos sociais
inferiores, revela pesquisa do IE
MANUEL ALVES FILHO
manuel@reitoria.unicamp.br
O
avanço da estrutura social brasileira no período
de 2004 a 2007, que beneficiou principalmente as famílias
que viviam na miséria ou na pobreza, não foi
suficiente para reduzir o desemprego entre os indivíduos
pertencentes à baixa classe média, também
chamada de classe C, e à massa trabalhadora, denominada
de classe D. A constatação é do mais
novo estudo produzido pelo professor Waldir Quadros, do
Instituto de Economia (IE) da Unicamp. De acordo com ele,
que se valeu de dados da Pesquisa Nacional de Amostra por
Domicílios (Pnad) de 2007, elaborada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), perto
de dois terços dos desocupados estão divididos
entre os dois estratos sociais. "Além de inesperado,
esse quadro demonstra que vamos enfrentar um cenário
de crise em condições desfavoráveis,
o que aponta para o provável agravamento da vulnerabilidade
social no país", adverte. A íntegra da
pesquisa pode ser acessada no site do IE,
no item "Textos de Discussão - TD-156".
O estudo em questão é o desdobramento
de outro desenvolvido pelo próprio Waldir Quadros,
tornado público em novembro passado pelo Jornal da
Unicamp. Naquela oportunidade, o economista apontava para
a melhoria da estrutura social brasileira entre os anos
de 2004 e 2007. Segundo ele, um número significativo
de pessoas trocou, no período considerado, a condição
de miséria pela de pobreza ou deixou a situação
de pobreza para se inserir na baixa classe média.
"Se me perguntassem naquela ocasião qual o principal
motivo desse avanço, eu teria dito instintivamente
que era a redução do desemprego entre as famílias
situadas na base da pirâmide social. Entretanto, ao
olhar mais atentamente para a questão do desemprego,
foi possível constatar que a taxa de desocupados
não sofreu grande alteração nos estratos
sociais inferiores, embora estes tenham experimentando alguma
ascensão social", explica.
Dito de outro modo, a melhora da estrutura
social não foi suficiente para reduzir o estoque
de desemprego no país. A permanência do problema
numa fase marcada pelo crescimento econômico, destaca
o docente da Unicamp, oferece um indício do que o
Brasil deverá enfrentar nos próximos meses.
"Se o país não foi capaz de combater
o desemprego durante um período favorável,
tudo indica que terá mais dificuldade em fazê-lo
em um momento de crise, cuja profundidade e extensão
ainda permanecem desconhecidas. Para fazer uma analogia
com o futebol, nós estamos entrando nesse jogo com
um pé manco", compara o economista. A sensação
de melhora nos níveis de emprego, presente até
a conclusão do estudo atual, pode ser explicada,
conforme Waldir Quadros, por conta das especificidades regionais.
Ele esclarece que durante a fase de crescimento
econômico o desemprego caiu mais significativamente
nas regiões metropolitanas, daí a impressão
de melhora geral. "No entanto, fora das regiões
metropolitanas, incluindo os estados do Norte e Nordeste,
essa queda foi muito discreta. A tendência agora é
que as localidades que experimentaram certo avanço
no nível de emprego no período de 2004 a 2007
sejam as mais afetadas pela crise. O mesmo vale para a estrutura
social. A baixa classe média e a classe trabalhadora,
que colheram alguns frutos recentemente, são as mesmas
que já abrigam cerca de dois terços dos desocupados
do país", detalha Waldir Quadros. Diante desse
panorama, continua o economista, os brasileiros, sobretudo
os mais pobres, correm o risco regredir socialmente. "A
questão mais inquietante que fica é a seguinte:
se esse quadro se confirmar, como a população
vai reagir a essa situação?", indaga.
Na opinião do docente da Unicamp, as
dificuldades que se anunciam podem ser minimizadas, mas
para isso será preciso uma mudança de postura
fundamentalmente por parte do governo federal. Waldir Quadros
defende a ideia de que não é possível
continuar usando armas antigas, formuladas em um determinado
contexto, para enfrentar um inimigo novo, numa conjuntura
completamente diferente. "No Palácio do Planalto
e adjacências, até há poucos dias era
proibido pensar ou falar em redução do superávit
primário para ampliar o gasto público. Isso
era considerado um pecado capital. Antes da crise esta postura
já era questionável. Entretanto, penso que
o momento atual pede exatamente o contrário, ou seja,
que o governo promova uma redução tanto do
superávit quanto das taxas de juros e aumente os
gastos públicos, com a devida responsabilidade, de
modo a fomentar programas emergenciais de apoio às
empresas e à geração de empregos. É
isso o que estão fazendo os países centrais,
notadamente os Estados Unidos. Aqui, infelizmente, essas
medidas continuam sendo vistas como dogmas", lamenta.
"Entretanto,
como disse anteriormente, temo que o tempo de uma abordagem
avançada que proteja o nível de atividade
econômica e o emprego esteja se esgotando ou mesmo
já tenha sido ultrapassado. E, mantendo a retórica
futebolista, quem não faz gol, toma. Em poucas palavras,
a queda da arrecadação decorrente da retração
econômica já começou, com indicações
de que será bastante séria. Com isso, os graus
de liberdade para a ação anticíclica
se estreitam enormemente, inclusive reduzindo o superávit".
Na opinião do docente, a inércia pode colocar
o governo na parede, sendo levado a adotar a abordagem conservadora
de manter o equilíbrio por meio de cortes nos gastos
públicos e lançar mão da redução
da atividade econômica para evitar déficits
comerciais externos. "O que seria uma tragédia
em termos sociais, entre outras coisas provocando uma brusca
deterioração na estrutura social, anulando
as conquistas recentes".
Essa falha de percepção do governo
federal, como classifica o economista, é compartilhada
também pela oposição conservadora,
que não admite expansão do gasto público
com redução dos recursos destinados a manter
os ganhos dos rentistas. Ambos parecem ter adotado a premissa
de deixar as principais decisões para 2010, quando
o país elegerá o futuro presidente da República.
"Os adeptos dessa posição estão
se esquecendo de que precisaremos sobreviver até
2010. Deixar tudo para depois pode ser um equívoco
grave. Pessoalmente, temo que o nosso tempo de resposta
à crise já esteja se esgotando", reflete.
Algumas ações emergenciais, insiste o economista,
não demandariam grandes planejamentos e estudos.
"A questão do seguro-desemprego é emblemática
nesse sentido. Para aumentar o valor e o número de
parcelas desse benefício não seria preciso
mais do que alguns estudos pontuais e uma portaria, uma
vez que a estrutura está toda montada", exemplifica.
Outra iniciativa possível de ser adotada,
prossegue o docente da Unicamp, é o envolvimento
de estados e municípios no esforço para ampliar
a proteção social aos cidadãos. "Atualmente,
esses entes públicos destinam entre 13% e 15% da
sua arrecadação para o pagamento da dívida
que mantêm com a União. Ora, bastaria o governo
federal cortar pela metade essa remessa e vincular a diferença
à adoção de programas de geração
de emprego sérios e consequentes em âmbito
local. Esses recursos seriam carimbados, ou seja, teriam
aplicação específica. Soluções
como essas são exequíveis, desde evidentemente
que certos dogmas e tabus sejam abandonados por parte da
elite dirigente e dos membros do governo central",
infere Waldir Quadros.