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Sistema barateia envase de leite
Equipamento dispensa utilização
de cadeia
de frio durante a estocagem e comercialização
JEVERSON
BARBIERI
O
desenvolvimento de um sistema asséptico para o envase de leite
longa vida e de bebidas de alta acidez (sucos e chás) em embalagens
produzidas com filme flexível, utilizando o processo Ultra
High Temperature (UHT), promete abrir um novo mercado para
produtores ou associações com pequena escala de produção.
O produto final deve chegar ao consumidor com prazo de validade
de até 90 dias e, especificamente no caso do leite, com preço
final inferior aos sistemas convencionais. A pesquisa realizada
na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), como parte
da tese de doutorado defendida pelo engenheiro de alimentos
Eduardo Henrique Miranda Walter, comprovou a viabilidade técnica
do sistema e constatou ainda que o equipamento completo (tanques
de matéria-prima, bombas, válvulas, tubulações, homogeneizador,
trocador de calor, tanque asséptico de produto e máquina de
embalagem), para uma produção na ordem de mil litros de leite
por hora, tem um custo estimado de R$ 400 mil.
As opções de equipamentos
disponíveis no mercado são voltadas para indústrias com escala
de produção superior a seis mil litros de leite por hora.
Além disso, são comercializados em regime de comodato juntamente
com o material de embalagem, a um custo que varia entre US$
1 e 3 milhões. De acordo com o orientador da pesquisa, professor
José de Assis Fonseca Faria, trata-se de uma opção de mercado
para volumes menores de produção. “Desde 1996 trabalhamos
no desenvolvimento de sistemas assépticos alternativos e o
objetivo sempre foi quebrar os paradigmas de que é possível
fazer isso a um custo menor, dependendo da escala industrial”,
afirmou Faria.
Projetado para pequenos laticínios,
o equipamento tem como primeira grande vantagem em relação
ao tradicional leite pasteurizado (“de saquinho”), o fato
de viabilizar a eliminação de toda cadeia de frio durante
a estocagem e comercialização. Após a pasteurização, é fundamental
que o laticínio tenha uma câmara frigorífica para estocagem
do produto. Além disso, o caminhão que faz o transporte também
tem que ser refrigerado e, no supermercado ou ponto de venda,
é preciso ter uma cabine fria para manter o produto por no
máximo sete dias. Quando o produto chega ao domicílio do consumidor,
ele tem de ir direto para a geladeira. Com o sistema UHT toda
essa cadeia é eliminada e a vida de prateleira do produto
é estendida em meses. O leite UHT só precisa ser refrigerado
depois que a embalagem é aberta.
A segunda grande vantagem
é com relação à utilização de conservantes químicos, empregados
em bebidas de frutas. No processo a altas temperaturas por
períodos curtos de aquecimento não é necessária a adição de
conservantes tipo sorbatos, propionatos, benzoatos e sulfitos
para manutenção do produto à temperatura ambiente.
O sistema de pasteurização
visa destruir todos os micro-organismos patogênicos que podem
causar algum mal à saúde dos consumidores e, também, alguns
deterioradores, no entanto, alguns sobrevivem ao processo.
Por isso, o leite pasteurizado tem de ser conservado sob refrigeração.
O processo UHT destrói todos os micro-organismos capazes de
se desenvolver e deteriorar o leite à temperatura ambiente,
portanto, explica Walter, o tratamento térmico é um dos pontos
diferenciais do sistema asséptico.
Depois
de esterilizado, o produto precisa ser acondicionado numa
embalagem estéril para que não haja re-contaminação. Desse
modo, o envase precisa ser feito numa câmara asséptica, de
modo que o ar ambiente não contamine nem o produto, tampouco
a embalagem. Além disso, a embalagem deve ser hermeticamente
fechada, consistindo uma barreira física contra os micro-organismos.
Na parte traseira do equipamento desenvolvido na FEA há um
espaço destinado à colocação da bobina de filme flexível que,
antes de receber o leite, passa por um banho de peróxido de
hidrogênio e depois é exposto ao tratamento emitido por lâmpadas
ultravioleta, fazendo assim a esterilização do filme.
Resultados
Foram realizadas 15 produções de leite longa vida e quatro
de bebidas de alta acidez (3 bebidas de fruta e 2 chás), utilizando
dois tipos de bolsas flexíveis: uma de polietileno de baixa
densidade pigmentado de branco com dióxido de titânio – tradicionalmente
utilizada para leite pasteurizado – e outra com laminado multicamada
com propriedades de barreira ao oxigênio e à luz. O sistema
foi avaliado com base em testes de esterilização comercial
e análises de aceitação sensorial dos produtos.
Aaceitação sensorial do
leite longa vida nas embalagens de polietileno estocadas no
escuro variou entre quatro e sete semanas, enquanto que a
aceitação sensorial do produto exposto à luz foi de alguns
dias. Na embalagem laminada, a luz não afetou a estabilidade
do produto, que teve uma vida de prateleira entre 12 e 24
semanas, dependendo da qualidade da matéria-prima. Esses
resultados, de acordo com Walter, comprovaram a viabilidade
das embalagens para conservação do produto. As embalagens
de polietileno se adéquam a uma logística regional, enquanto
o laminado multicamada possibilita uma distribuição através
de um país de dimensões continentais, como o Brasil.
Durante as pesquisas sobre o sistema asséptico também foram
realizados trabalhos conjuntos com as doutorandas do Laboratório
de Leite e Derivados da FEA, Milena O. Lisita, orientada pela
professora Walkiria H. Viotto, e Priscila C. B. Vianna, orientada
pela professora Mirna L. Gigante. Nestes trabalhos de tese,
em fase de conclusão, foi estudada a influência da matéria-prima
na qualidade do leite UHT ao longo da estocagem.
Parcerias
Para que o projeto pudesse atingir escala comercial, foi feita
uma parceria com a Sumá Indústria e Comércio Ltda., empresa
sediada em Campinas (SP) e que atua no ramo de laticínios
há 20 anos, com penetração no mercado nacional e internacional.
Segundo Miguel Galhianne, diretor da empresa, um dos principais
motivos que o levou a participar desse desenvolvimento é
a grande diferença de preço existente entre o produtor de
leite e o mercado. “Fomos os pioneiros no desenvolvimento
de micro-usinas de leite pasteurizado no Brasil.
Naquela época, a necessidade
de colocar um equipamento onde o produtor conseguisse pasteurizar
o seu leite dentro das normas aprovadas pelo Serviço de Inspeção
Federal (SIF) e, também, comercializar diretamente com o
mercado sem a presença do intermediário foi nosso maior
desafio. Agora estamos nos preparando para uma nova geração
de equipamentos”, assegurou.
E foi vislumbrando esse nicho
de mercado que o equipamento foi preparado especificamente
para pequenos produtores, atendendo as normas técnicas e o
preço justo para o produtor. Atualmente, para ter uma estrutura
de longa vida disponível para o consumidor final é preciso
produzir no mínimo 100 mil litros de leite por dia. “Nosso
objetivo é chegar com esse equipamento para produções de até
dez mil litros de leite por dia”, ressaltou Galhianne.
O diretor da Sumá explicou
ainda que, não é objetivo desse projeto competir com os grandes
produtores, uma vez que eles têm estoque e regulam os valores
de acordo com as épocas de produção. O objetivo maior, para
ele, é regionalizar a produção e comercialização, mantendo
impostos e dinheiro na região. “Esses dez mil litros de leite
não viajarão mais que 100 km para serem distribuídos”, completou.
As perspectivas de alcançar
o mercado produtor são, na visão do diretor, muito boas. Ele
aguarda um pedido de legalidade junto ao SIF e declarou que
já existem clientes que produzem em torno de 15 mil litros
de leite por dia interessados no equipamento. “Devemos estabelecer
parceria com os dois primeiros clientes, dividindo os riscos
de mercado”, disse Galhianne.
Em outra ponta, está a questão
da patente. Faria explicou que a parceria com a Sumá para
o desenvolvimento do equipamento foi realizada formalmente
através de convênio com a Unicamp. O próximo passo é renovar
esse convênio para fazer a transferência de tecnologia para
a empresa. “Estamos dispostos a ver o fruto dessa pesquisa
no mercado”, disse o docente. A pesquisa foi possível devido
à infraestrutura que vem se consolidando na Área de Embalagem
da Faculdade, através de projetos na linha de pesquisa sobre
sistemas assépticos financiados pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e também pela bolsa
de doutorado obtida por Walter.
Outras parcerias firmadas
ao longo do projeto foram com a Dixie Toga S.A., indústria
de embalagens sediada na cidade de São Paulo, que detém a
tecnologia de produção do filme laminado multicamada, e com
a Alitec Comércio e Indústria Ltda., de Pindamonhangaba (SP),
primeira empresa brasileira a fabricar homogeneizadores de
alta pressão de leite, com tecnologia inteiramente nacional.
Sucos e chás
A parte do projeto dedicada a bebidas de alta acidez partiu
de uma necessidade da empresa Cargill, interessada na exportação
de novos produtos para El Salvador. Segundo Walter, existem
poucas estruturas para a realização de testes pilotos de desenvolvimento
de produtos assépticos no Brasil. A principal delas está no
Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), que é uma estrutura
da Tetra Pak, para acondicionamento de bebidas e sucos em
cartonados longa vida. “Outra opção é a nossa base de desenvolvimentos
aqui no Departamento de Tecnologia de Alimentos da FEA, por
isso a Cargill nos procurou e isso acabou fazendo parte da
pesquisa do doutorado”, concluiu.
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