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Biólogo faz ‘transplante’ em biomas


Ricardo Augusto Gorne Viani (à esq.), autor da tese, e o coorientador,  professor Rafael Oliveira: pesquisa terá desdobramentos (Foto: Antoninho Perri) Mata Atlântica e o Cerrado são considerados hotspots, por serem prioritários para a conservação da biodiversidade mundial, porém “pouco se sabe sobre os fatores que controlam a distribuição de espécies de cada bioma” explica o doutor em biologia vegetal pela Unicamp, Ricardo Augusto Gorne Viani. Um experimento de transplante recíproco de plantas do “cerradão” da Estação Ecológica de Assis (SP) e da floresta estacional da Estação Ecológica dos Caetetus (SP), desenvolvido em sua tese de doutorado, permitiu constatar que a distribuição dessas duas formações é determinada por outros fatores além da disponibilidade de nutrientes no solo. Orientada pelo professor Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), a tese, intitulada “Atributos funcionais e a distribuição de espécies do cerradão e da floresta estacional semidecidual”, faz parte do Projeto Parcelas Permanentes do Biota-Fapesp.

A disponibilidade de nutrientes é uma das principais hipóteses levantadas por especialistas para que em alguns lugares do interior do Estado de São Paulo ocorra o cerrado e em outros, a floresta estacional. Segundo está hipótese, a floresta estacional ocorre sobre solos com maior disponibilidade de nutrientes, enquanto o cerrado ocorre sobre solos mais pobres. O trabalho foi iniciado com a coleta e análise de amostras de solo das duas formações vegetais. Com a análise de solo, Viani percebeu que o “cerradão”, como a fisionomia florestal do bioma cerrado é denominada, e a floresta estacional são de fato diferentes, sendo que esta última tem mais nutrientes na camada superficial do solo. Essa observação o estimulou a investigar o crescimento das plantas em casa de vegetação, quando cultivadas sobre seu solo de origem e sobre o solo da outra formação.

O experimento demonstrou que as espécies dos dois biomas são capazes de se desenvolver, ao menos no perío­do inicial de vida, nos solos do cerradão e da floresta estacional, porém, as plantas da floresta estacional cresceram mais do que as do “cerradão”, mesmo quando cultivadas no solo deste último. “Isso mostra que as características do solo, por si só, não impediriam a ocorrência de espécies da floresta no cerrado”, explica Ricardo.

O estudo indica também que plantas do cerrado e da floresta estacional apresentam estratégias de crescimento distintas em relação à disponibilidade de nutrientes no solo. De acordo com o coorientador Rafael Oliveira, do Departamento de Biologia Vegetal do Instituto de Biologia da Unicamp, o fato de as espécies da floresta serem mais responsivas aos nutrientes é um demonstrativo de que as plantas das duas formações evoluíram em contextos diferentes.

Viani acrescenta que, mesmo crescendo no solo do cerrado, as plantas das florestas se diferenciam em várias características, o que pode torná-las mais vulneráveis a fatores como a predação por hebívoros, por exemplo. “São folhas mais sensíveis. Um estudo recente realizado na Amazônia, com transplante recíproco, revelou que plantas de solos ricos crescem inicialmente bem em solos pobres em nutrientes, mas os efeitos drásticos da herbivoria nesses ambientes impedem que estas plantas sobrevivam por longo tempo”, explica o pesquisador.

Segundo os pesquisadores, uma série de outros fatores pode explicar o fato do cerradão e da floresta estacional serem bastante distintos floristicamente, mesmo quando próximos e sob clima parecido. Dentre estes fatores, poderiam estar alguns abióticos, como disponibilidade de luz e de água no solo, e bióticos, relacionados à associação com fungos micorrízicos. Também poderia ser considerada a interação de ambos, ou mesmo uma questão histórica, relacionada à dinâmica das formações das plantas no tempo geológico. Neste último caso, segundo Viani, as formações se apresentariam diferentes hoje, mas poderiam estar em processo de transição natural ou afetada por modificações antropogênicas, mas esses aspectos não foram analisados no estudo.

Os resultados, segundo o pesquisador, sugerem que a floresta estacional seria um ambiente mais competitivo para as plantas, onde estratégias de investimento que maximizam a captação de recursos seriam vantajosas, enquanto, no “cerradão”, as espécies teriam estratégias mais conservadoras em relação ao uso de nutrientes. Ele acrescenta, porém, que há uma gama de estratégias que as plantas de uma mesma comunidade utilizam para se adaptar ao ambiente em que vivem. “Nós encontramos algumas diferenças funcionais entre o cerrado e a floresta estacional, mas é importante deixar claro que existe uma grande diversidade funcional dentro de cada formação vegetal, com variação nas estratégias de crescimento e na forma como as plantas alocam os recursos”, explica Viani.

Na segunda parte do doutorado, desenvolvida na Universidade da California, em Berkeley, sob orientação de Todd Dawson, Viani iniciou uma investigação dos atributos hidráulicos das plantas, tentando entender as adaptações evolutivas para o uso da água, em árvores do cerrado e da floresta estacional. A proposta, à qual deve dar continuidade no pós-doutorado, é entender como a disponibilidade de água no solo e na atmosfera interfere na distribuição do cerrado e da floresta estacional. Ainda não foi feita uma avaliação criteriosa de como isto afeta as plantas desses biomas, mas a discussão foi iniciada no doutorado. “Como vimos que só a disponibilidade de nutrientes do solo não explicava a ocorrência de floresta estacional ou cerrado numa região, pretendemos focar mais na questão hídrica, realizando mais estudos para entender o papel da disponibilidade de água na distribuição dessas formações”, acrescenta Viani.


 
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