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Projeto temático isola, investiga e
caracteriza toxinas de anêmonas
Equipe descobre grupo de enzimas; pesquisas
envolvem 4 universidades
As
anêmonas são animais marinhos que podem produzir toxinas
que são utilizadas tanto para a captura como para defesa.
Elas são encontradas na forma séssil, presas a obstáculos
rochosos, e na forma natante, na superfície do mar. Na forma
natante, sobretudo a caravela, ou água viva – outras designações
das anêmonas – eventualmente está envolvida em relatos
de acidentes com seres humanos, provocando lesões na pele
e desencadeando efeitos sistêmicos que muito acreditava-se
estarem apenas relacionados com as toxinas liberadas por estes
animais. Por conta disso, um projeto temático Fapesp-CNPq,
que tem a participação do Instituto de Biologia (IB) da
Unicamp e de outras universidades – Unesp-Campus Experimental
do Litoral Paulista São Vicente, da Universidade Presbiteriana
Mackenzie e da Universidade Federal do Ceará – está estudando
e caracterizando as toxinas das anêmonas do mar encontradas
no litoral paulista. Dentro do projeto estão o desenvolvimento
de metodologia para o isolamento e purificação de toxinas,
caracterização estrutural, biologia molecular e aspectos
farmacológicos.
Até
o momento, a equipe liderada pelo biólogo e professor da
Unesp de São Vicente Marcos Hikari Toyama, com graduação
e pós-graduação na Unicamp, descobriu um grupo de enzimas
que ainda não havia sido descrito para estas espécies de
animais, que são as fosfolipases A2 (PLA2). Estas enzimas
desempenham funções como auxiliar na digestão de lipídios,
mas também cumprem uma tarefa em nível celular – a de
mediar vários processos fisiologicamente importantes como
a inflamação e como o descontrole da função destas enzimas,
que pode desencadear processos patológicos significativos.
“Acreditamos que esta enzima, presente no nematocisto desses
animais, tem um potencial para induzir o quadro de inflamação
observado no acidente com estes animais marinhos”, frisa.
Segundo
Toyama, o litoral brasileiro reúne relatos da ordem de 40
casos desses acidentes por ano, número que não é considerado
de grande relevância, se comparado com outros países como
a Austrália, por exemplo, onde os episódios são mais frequentes.
A célula responsável por esses acidentes com seres humanos
é o nematocisto, que contém toxinas e um filamento inoculador
enovelado. Quando existe um contato mecânico da pele da vítima
com este esporão, ocorre então o seu descarregamento na
derme da pessoa. A primeira reação no organismo é o aparecimento
de irritações ou edemas. Depois pode se prolongar com febre
e às vezes náuseas. “Mas depende muito da sensibilidade
das pessoas, do seu tamanho e da quantidade de toxinas injetadas”,
expõe Toyama. “Para as crianças, pode ser fatal, ao passo
que, para adultos, em geral traz somente um certo inconveniente
que pode durar 72 horas.”
A conclusão do estudo, garante
o coordenador do projeto, ainda está longe de ser alcançada,
a priori porque seria preciso conhecer antes a família dessa
fauna de predadores. “Já reunimos informações dessa fauna
de predadores em seres humanos, de serpentes e de alguns tipos
de insetos, porém sobre esses animais marinhos pouco se tem
conhecimento acerca da sua estrutura e função. Se levada em
conta a fase predadora das serpentes, já se tem um banco de
dados que permite caracterizar a estrutura, a função delas
e, com um software de análise de estruturas, é possível determinar
a sua provável atividade farmacológica.”
No caso das anêmonas do mar,
enfatiza Toyama, pela escassez de dados, nem ao menos se consegue
realizar esse tipo de discussão. Ele explica que falta conhecer
se as anêmonas são uma família, quais as suas características,
a sua atividade farmacológica mais específica, quais as células
e os tecidos-alvo e efetivamente a real importância dessas
toxinas no isolamento, num acidente com águas vivas.
Na fauna marinha brasileira,
as espécies de anêmonas mais encontradas são três: a caravela,
que é a espécie mais comum estudada no mundo inteiro; a Olindia
sambaquiensis, conhecida por causar acidentes no litoral;
e a Phyllorhiza punctata, que é outra anêmona típica endêmica
da Austrália – mas que migrou até o Caribe e América do sul
por meio da água de lastro dos navios. Uma embarcação que
vai para a Austrália e deve fazer a coleta de água a fim de
promover o equilíbrio do barco, ao navegar, descarrega esta
água em outros locais. “Então ela começou na Austrália, foi
para o Caribe e chegou ao Brasil, onde possui histórico de
se adaptar bem. Aqui as anêmonas têm, inclusive, o dobro do
tamanho visto na Austrália, talvez porque não haja predador
contra ela”, estima o biólogo.
Ramificações
A ideia dos participantes desse projeto temático, que já existe
há cinco anos, e que ainda não tem prazo determinado para
expirar, é dar continuidade aos estudos, tentando posteriormente
caracterizar a biologia molecular destes animais: a presença
de RNA e DNA específico para produção de algumas toxinas.
Esta parceria está sendo conduzida pela Unicamp na parte estrutural,
molecular e bioquímica, além de fornecer expertise em espectrometria
de massa e de outras técnicas não disponíveis nos laboratórios
de São Vicente; pela Unesp, que coleta as espécies, estuda
outras estruturas desses animais mediante análise histológica
e tem o grupo responsável pela purificação das toxinas; e
pela Universidade Federal do Ceará e Universidade Presbiteriana
Mackenzie, que realizam o estudo farmacológico.
Desse projeto temático, ramificaram
outros trabalhos. O primeiro parte de uma proposta de publicação
em um periódico de Toxicologia Aplicada sobre a presença de
toxinas de dinoflagelados (algas) nestas anêmonas do mar.
Nesse estudo foi detectada, por espectrometria de massa, a
presença de alguns compostos tóxicos, tipicamente presentes
em algumas espécies de microalgas e que, no entanto, são encontrados
nos substratos das anêmonas do mar. “Vimos que tais animais
têm colônias de dinoflagelados associadas a eles que também
podem produzir toxinas. Então, imagina-se que exista uma simbiose
destes dinoflagelados com a anêmona que também pode contribuir
com a sua toxidade. Os resultados iniciais indicam isso”,
salienta Toyama.
Outro produto deste projeto
é uma dissertação de mestrado apresentada recentemente ao
IB pela pós-graduanda Mariana Moura. A investigação mostra
o efeito da toxina sobre culturas de células. O que foi constatado
nesta pesquisa é que essa interação pode interferir no metabolismo
celular. Na prática, esse trabalho foi um divisor de águas,
pois conseguiu segmentar não somente a visão do estado clínico
em si, mas elucidar quais fatores promovem esta alteração
clínica e por que ela pode ser mais severa em algumas pessoas..”
Além disso, prossegue o biólogo, consegue-se entender os aspectos
de toxicologia e as ferramentas moleculares para o comportamento
celular. “Um dos frutos desse projeto consistirá em isolar
toxinas e utilizá-las como ferramenta molecular para a elucidação
da fisiologia celular.”
Toxinas
Além das PLA2, o grupo também conseguiu isolar algumas outras
toxinas bem como a presença das proteases e de algumas citolisinas
(toxinas que, não tendo uma atividade enzimática específica,
são capazes de promover uma alteração hemolítica em eritrócitos
humanos – as hemácias). Quando as toxinas são obtidas, elas
conseguem hemolizar os eritrócitos humanos, embora basicamente
o seu funcionamento seja mecânico. “Existem estas toxinas
e também uma outra característica peculiar que é a ação das
enzimas na membrana, ou para estimular ou para afetar a vida
celular.”
Toyama relata que o grupo
que atua no projeto temático tinha uma visão que não coincide
com o panorama do momento. Conforme ele, não se trata de uma
ação simples e por isso está difícil compreender a complexidade
do acidente com estes animais marinhos. “O que as pessoas
imaginavam era que o nematocisto injetava toxinas. Contudo,
quais eram as toxinas e como estas atuavam?”, indaga. É certo,
diz, que esta ação contava com a colaboração das toxinas,
das enzimas e de outras proteínas. “Entretanto, sabe-se que
é possível ter uma flora de alguns organismos vivos, cujas
toxinas têm condições de serem aproveitadas e até colaborar
para a toxidade dela”, acrescenta.
Essas alterações metabólicas
induzidas pelas toxinas também são mostradas na tese de Mariana
Moura. Ela apontou que as toxinas podem interagir especificamente
com a célula e que esta interação pode induzir um aumento
do metabolismo celular, culminando com um aumento da produção
de radicais livres. “Quando produzidos em excesso, esses radicais
às vezes danificam a estrutura das membranas (lipoperoxidação)
e alteram a função e a estrutura das proteínas e dos ácidos
nucléicos. Além disso, podem paulatinamente acabar com as
funções vitais das células, levando à morte, à necrose e à
apoptose celular”, conclui.
Não é simplesmente a presença
das toxinas que “produz membrana nas células”, atesta Toyama.
A interação é mais sutil, com receptores promovendo a “interação
das toxinas com a célula”. E é esta interação que vai mediar
o aumento de radicais livres e levar à morte celular. “Por
este motivo, estabelecemos outro tipo de visão da ação dessas
toxinas. A necrose, verificada em alguns acidentes com águas
vivas, nunca teve uma explicação plausível. Agora, sabemos
que têm toxinas que promovem essa necrose tecidual de uma
forma extremamente específica.”
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