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Saide Calil, pioneiro da engenharia clínica
no Brasil, é premiado nos Estados Unidos
Docente tem trabalho reconhecido pelo
American College of Clinical Engineering
O
engenheiro eletricista e professor Saide Jorge Calil, da Faculdade
de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), acaba de ser
receber o prêmio International Clinical Engineering, concedido
pelo American College of Clinical Engineering (ACCE), dos
Estados Unidos. A entrega aconteceu em Atlanta (EUA) no início
deste mês, no âmbito das comemorações dos 20 anos do College.
Esta honraria, de acordo com o próprio ACCE, decorreu dos
muitos anos de dedicação no campo de treinamento e orientação
em engenharia clínica no Brasil e devido a sua liderança em
engenharia clínica e biomédica, regional e globalmente.
A engenharia clínica (EC)
é conceituada por Calil como a engenharia praticada dentro
do hospital. Segundo o professor, ela envolve a aplicação
de técnicas de engenharia, de administração e de economia
para o gerenciamento de tecnologias utilizadas na área de
saúde, principalmente relativas a equipamentos médico-hospitalares.
A engenharia clínica, diz, está envolvida com atividades de
gerenciamento de risco, de tecnologia da informação, de treinamento
e de suporte técnico aos médicos e enfermeiras, e de gerenciamento
do parque de equipamentos, dentre outras. Ele explica que
essas atividades são fundamentais para a segurança e a confiabilidade
na sua utilização. “Se o equipamento fornecer um resultado
errado, erra também o médico na escolha da conduta. Isso é
muito sério e por isso os equipamentos têm que estar sempre
em perfeitas condições de uso”, realça.
Conforme Calil, a engenharia
clínica na Unicamp começou durante a construção do Hospital
de Clínicas (HC). No início, o HC contava com um consórcio
de empresas que gerenciavam a aquisição e a entrega de equipamentos.
O contrato era feito por pessoas que pouco conheciam esse
assunto, relacionado à área de equipamentos médico-hospitalares.
Quando o equipamento saía do país, a empresa recebia uma porcentagem
de seu valor e, quando chegava, recebia o restante. “Então
era interesse dessas empresas entregarem os equipamentos o
mais rapidamente possível, independentemente de o local de
instalação no hospital estar pronto. Conclusão: vários equipamentos
chegaram e permaneceram armazenados durante anos”, menciona.
Calil lembra que, na década
de 80, o ex-professor da FEEC Wang Binseng, precursor da engenharia
clínica no Brasil, sugeriu ao professor José Aristodemo Pinotti,
então reitor da Unicamp, que fosse montada localmente uma
estrutura baseada nos conhecimentos da engenharia clínica.
O professor Pinotti, entendendo a propriedade do tema, estimulou
a construção do Centro de Engenharia Biomédica (CEB). Isso
ocorreu em 1982, entretanto a engenharia clínica somente foi
implementada no Brasil dez anos depois, com a participação
da Unicamp na criação de cursos de especialização. “Em 1985,
fui contratado pela FEEC. Em 1987, o professor Wang Binseng,
que foi o primeiro diretor do CEB, saiu para assumir uma nova
função junto à Secretaria do Estado de Saúde. Assumi seu lugar,
onde permaneci por sete anos”, contextualiza Calil.
Verificando as vantagens que
a engenharia clínica oferecia para a área de saúde, em 1990
o Ministério da Saúde iniciou um projeto para a criação de
cursos de engenharia clínica. A Unicamp, através do CEB e
do Departamento de Engenharia Biomédica (DEB) da FEEC, que
participou intensamente no planejamento desse projeto, apresentou
uma proposta para a criação de cursos nessa área de nível
superior na FEEC, e médio e básico no ColégioTécnico de Campinas
(Cotuca). O curso de engenharia clínica, do qual ainda Calil
é coordenador, começou como curso lato sensu na FEEC e posteriormente
foi transferido para a Escola de Extensão (Extecamp). No Brasil,
eram quatro unidades de ensino a serem contemplados com o
projeto, mas a Unicamp foi a única a continuar oferecendo
o curso ininterruptamente até o presente.
Desde então, foram formados
mais de 500 profissionais para atuarem na área da saúde.
Devido à seriedade do curso, o Conselho Regional de Engenharia
e Arquitetura (Crea-SP) decidiu pela anotação em carteira
dos engenheiros que o concluem. “Temos profissionais de
todo o país, que vêm à Unicamp todas as semanas, durante
12 meses, para aprenderem conosco, o que ajuda na divulgação
do trabalho desenvolvido nesta Universidade”, esclarece
Calil.
O professor acompanhou a expansão
da área ao longo desses anos. Participou do crescimento da
área de saúde dessa Universidade até se constituir o atual
complexo hospitalar da Universidade (dois hospitais, mais
de dez unidades de saúde e a Faculdade de Ciências Médicas
– FCM, com seus diversos laboratórios). Em 1982, o complexo
hospitalar possuía por volta de 1.100 equipamentos – hoje
são aproximadamente 12 mil.
Levantamentos
Em 2003, Calil foi eleito membro da Divisão de Engenharia
Clínica (CED) da International Federation for Medical and
Biological Engineering (IFMBE), onde passou a trabalhar com
uma equipe internacional. Em 2006, foi eleito membro do Conselho
Administrativo da IFMBE, sediada na Inglaterra, com mandato
até 2012. A IFMBE reúne federações nacionais e transnacionais
que atuam na área de engenharia biomédica.
Os objetivos da IFMBE são
científicos, tecnológicos, literários e educacionais. De acordo
com Calil, reúne atualmente mais de 60 sociedades que totalizam
mais de 120 mil associados. A eleição para o Conselho Administrativo
é bastante disputada, tendo em vista que seus nove membros
decidem os destinos da Federação. Cada sociedade afiliada
tem o direito de indicar um ou mais membros para as eleições,
que ocorrem a cada três anos.
A participação de Calil na
Federação possibilitou o desenvolvimento de três grandes levantamentos
internacionais. Um deles, como proposta da Divisão de Engenharia
Clínica da IFMBE, ocorreu em 2006, e abordava a atual situação
de trabalho da engenharia clínica em termos mundiais. Uma
dúvida surgia: se a engenharia clínica era entendida da mesma
forma em todo mundo? “Tomamos então a iniciativa de verificar
se existe consenso e harmonização da questão”, revela.
O resultado desse levantamento
mostrou que as atividades de gerenciamento de risco em saúde
eram pouco desenvolvidas pelos engenheiros clínicos tanto
no Brasil como na América Latina (AL). Como desdobramento,
Calil organizou em São Paulo dois eventos sobre este assunto,
com a participação de especialistas do American College e
da Organização Panamericana da Saúde (Opas). O professor declara
que foi a primeira vez que viu uma plateia com administradores
hospitalares, médicos, enfermeiras e engenheiros discutindo
ativamente um assunto de interesse comum.
Ele aponta que, a despeito
de algumas falhas, se comparada com a engenharia clínica praticada
nos Estados Unidos, o Brasil está bem posicionado e isso também
em relação a maioria dos países. Seu crescimento, a partir
de 1995 (após a criação da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária - Anvisa), foi bastante significativo. Para se ter
uma ideia, em 1986 o CEB fez um levantamento o qual indicou
que somente 1% dos hospitais do Estado de São Paulo tinha
grupos de engenharia clínica que na época eram considerados
grupos de manutenção. “Esta manutenção era feita basicamente
pelas empresas. Hoje, estimo que 70% a 80% dos hospitais de
SP possuem grupos de engenharia clínica, não somente grupos
de manutenção.”
Um segundo levantamento executado
por Calil, também com suporte financeiro da IFMBE, colocou
em foco o currículo utilizado pelas unidades de ensino em
engenharia biomédica na AL. “Quando observamos as discrepâncias
da engenharia clínica em cada país, pensamos: será que a engenharia
biomédica na AL é a mesma coisa?”. As conclusões foram que
não existem muitas diferenças e que as semelhanças com o Brasil
são grandes. O currículo básico gira em torno de instrumentação
biomédica, transdutores biomédicos, fisiologia, gerenciamento
de projetos, análise de tecidos e reabilitação. Esse currículo
é praticado em oito países latino-americanos. Este levantamento
foi feito há um ano na Internet.
As ações de Calil na Federação
renderam um convite da Organização Mundial da Saúde (OMS)
em Genebra, onde permaneceu por duas semanas. Esse trabalho
possibilitou sua nomeação para integrar um grupo de Assessoria
Técnica em Gerenciamento de Tecnologias para a Saúde e um
contrato com a OMS para um terceiro levantamento, sobre as
unidades de ensino com condições de oferecer treinamento em
engenharia clínica no mundo. O objetivo desse trabalho é saber
quais unidades de ensino de engenharia biomédica no mundo
têm condições de ministrar treinamento em gestão de tecnologias.
Dentre as pesquisas na área
de engenharia clínica, o professor Calil está orientando no
momento uma tese de doutorado na Unicamp que versa sobre gerenciamento
de risco em homecare. É algo inédito na AL e na maior parte
do mundo desenvolvido e em desenvolvimento. Outra pesquisa,
sob sua orientação, aborda uma “caixa preta” para fazer a
monitoração e gravação de alguns sinais vitais do paciente
durante a cirurgia que permita ao médico, em caso de alterações,
rever e analisar o que houve, a fim de implantar melhorias
no procedimento. Ambas as pesquisas estão sendo desenvolvida
no DEB.
Docente
é o primeiro brasileiro homenageado
Calil explica que o American College
de Clinical Engineering foi fundado em 1992 e que entre
seus membros estão os idealizadores e desenvolvedores
da engenharia clínica no mundo, na década de 70. Embora
já premiassem cidadãos americanos que se destacaram
na área, em 2007 o ACCE estabeleceu um prêmio para as
pessoas que se destacaram no âmbito internacional. As
duas primeiras pessoas que já o receberam pertencem
a organizações de destaque internacional: OMS e Opas.
O professor Calil, além de não pertencer
a nenhuma organização de cunho internacional, é o primeiro
brasileiro a receber este prêmio. “Ser premiado pelo
Colégio Americano, que é a instituição precursora da
engenharia clínica no mundo e da qual crescemos ouvindo
falar, é muito gratificante. Participar com este grupo
de engenheiros clínicos, ser avaliado e premiado dentre
centenas de outros profissionais europeus e americanos
foi o ápice da minha carreira – uma das coisas mais
importantes da minha vida profissional”, destaca.
Calil declara que acredita estar cumprindo
o seu papel de divulgador da engenharia clínica que
se pratica no Brasil e no mundo. Sua interação com a
IFMBE e o ACCE, assim como a participação em reuniões
da OMS e OPS, tem permitido que aprenda com as experiências
de especialistas internacionais, mas principalmente
divulgue o que vem sendo desenvolvido nesta Universidade.
Na premiação pelo ACCE, o engenheiro
recebeu uma importância em dinheiro, a qual devolveu
aos seus realizadores como doação para que iniciem um
programa de certificação internacional de engenharia
clínica. A sua interação com a engenharia clínica e
equipamentos médicos na indústria brasileira lhe valeu,
em 2005, também o prêmio “Walter Schmidt – de reconhecimento
à contribuição ao mercado hospitalar brasileiro”, da
Associação Brasileira de Marketing em Saúde.
Calil também preside na IFMBE um grupo
de trabalho em países em desenvolvimento e é autor de
três livros e de vários capítulos em Gerenciamento de
Tecnologias em Saúde, a primeira produção de material
didático nesta área no Brasil. É graduado pelo Instituto
Presbiteriano Mackenzie e obteve tanto o título de mestre
como de doutor pela Universidade de Londres, na Inglaterra,
como engenheiro biomédico.
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