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Pesquisa lança luz sobre espécies
de salsaparrilha, planta usada em chás
Anatomia e morfologia são descritas
em pesquisa,
que serve de alerta para consumidores
A
pós-graduanda do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp Aline
Redondo Martins, ligada ao Departamento de Botânica, conseguiu
descrever em sua tese de doutorado a morfologia e a anatomia
de seis das 30 espécies de plantas do gênero Smilax registradas
no Brasil e conhecidas como salsaparrilha. Estas plantas,
reconhecidas pelas suas propriedades antirreumáticas, são
ingeridas indiscriminadamente no país como chás, o que pode,
ao invés de produzir o efeito esperado, potencializar reações
adversas como processos alérgicos e intoxicação. Isso acontece,
segundo ela, por conta de não se conhecer a real composição
desses chás e espécies de plantas que de fato estão sendo
comercializadas, além de sua ação.
Uma das contribuições do trabalho
da bióloga, desenvolvido recentemente nos Laboratório de Anatomia
Vegetal da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”
(Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) e orientado pelos
professores Beatriz Appezzato da Glória (USP) e Wagner Vilegas
(Instituto de Química da Unesp de Araraquara), está no alerta
para que as pessoas tomem cautela ao adquirir e consumir os
“inofensivos” chás “naturais” sem conhecer a procedência do
produto, situação hoje muito comum, já que as plantas vendidas
como medicinais em diversas farmácias brasileiras são obtidas
por raizeiros com base apenas no conhecimento popular. “Eles
são os principais fornecedores das farmácias e de outros pontos
de venda”, afirma. O pior é que, das espécies brasileiras,
não se sabe ao certo quais são realmente medicinais, razão
para aumentar ainda mais a cautela”, recomenda Martins.
A bióloga explica que, dentro
do gênero Smilax, há 310 espécies espalhadas pelo mundo
e poucos estudos na região amazônica. Este gênero é muito
utilizado em países como a China, onde existem estudos sistematizados
sobre ele com os principais resultados sobre a sua propriedade
antirreumática. Aqui no Brasil, dentro da medicina popular,
além da atividade antirreumática, a salsaparrilha também
é utilizada como depurativo do sangue.
Em sua tese, a pesquisadora analisou todas as características
botânicas relacionadas com a descrição externa e interna
destas plantas e observou como os tecidos estavam organizados.
Também procurou fazer a caracterização química para compreender
se estas espécies eram quimicamente semelhantes. Foi então
que ela descobriu as principais diferenças entre as seis
espécies: a parte anatômica é semelhante mas, na morfológica,
foram identificadas certas características que poderiam ajudar
no controle de qualidade dos produtos vendidos na farmácia.
“Dentro das espécies estudadas, identificamos caracteres
que ajudariam neste controle. Também vimos algumas particularidades
na análise química. As plantas estudadas realmente podem
apresentar propriedades antirreumáticas, diante das classes
de substâncias encontradas no perfil químico das espécies.”
Esses
estudos, salienta Martins, precisam ser ainda ampliados, pois
se tratam de avaliações preliminares. Demandam tempo e dedicação
exclusiva sobretudo para identificar o nome das substâncias
da composição química. Conseguidas as classes de substâncias,
daí será necessário caminhar para a identificação das
substâncias propriamente. Nesse estudo de composição química,
Martins conseguiu encontrar algumas classes de substâncias
tais como ácidos fenólicos, flavonóides e saponinas. Quando
alguém toma um medicamento, sabe exatamente o nome da substância
que está ingerindo ao consultar a bula. “Se está tomando
o ácido acetilsalicílico, sabe que a substância chama-se
ácido acetilsalicílico, que pertence a uma classe de substâncias.
No estudo, contudo, cheguei apenas às classes de substâncias.
Por isso não ingeriria algo que não sei qual é ao certo
a composição”, diz. Conhecer o nome dos compostos químicos
a serem ingeridos, salienta, pode evitar inúmeras alergias
e intoxicações através dessas substâncias presentes na
composição do chá.
Algumas monografias descrevem
no momento plantas que vêm sendo utilizadas em grandes quantidades,
como a espinheira santa, por exemplo, mas no caso da salsaparrilha
não existe nenhum registro de controle. “Por outro lado,
falta aos órgãos fiscalizadores efetuar um controle mais
rigoroso sobre as espécies vendidas nas farmácias”, aponta
a bióloga.
Trabalho de campo
As
seis espécies estudadas – Smilax brasiliensis, Smilax campestris,
Smilax cissoides, Smilax goyazana, Smilax oblongifolia e Smilax
rufescens – foram extraídas em região de cerrado de cinco
Estados brasileiros: Goiás, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande
do Sul e São Paulo. Por estes cinco Estados terem estas plantas
espalhadas, avalia Martins, os raizeiros com certeza devem
estar coletando pelo menos algumas dessas seis espécies com
as quais ela trabalhou, porque estas plantas não são cultivadas
como deveriam ser.
Os raizeiros usam do conhecimento popular para buscar matéria-prima
e com frequência desconhecem o que estão coletando. “Eles
vendem o chá para casas de raízes e de plantas medicinais,
que os compram em grandes quantidades e o distribuem para
farmácias menores. Com certeza muitos acabam comprando ‘gato
por lebre’. Porém o grande problema destas plantas é a
sua ingestão em quantidades abusivas e com outras espécies,
sem falar na presença de fungos, bactérias e contaminantes
em algumas amostras”, adverte Martins.
Para a certificação da qualidade
do produto, aconselha ela, é preciso realizar um estudo geral
da planta, desde a folha até a raiz. Conhecendo bem o vegetal,
já é possível saber o que será encontrado numa amostra. “Se
eu conheço o tipo de estômato (estrutura encontrada na folha
que estará envolvida na fotossíntese e na respiração) que
está presente na folha desta planta, ao encontrar um tipo
de estômato diferente, sei que ele não poderia aparecer ali
e, por isso, já sei que existem contaminantes nesta amostra.”
Esta análise é feita a partir de pequenos fragmentos de folha
ou de qualquer outra parte da planta. Uma curiosidade: os
registros das espécies são feitos atualmente por uma especialista
da família Smilax, Regina Helena Andreata, que revisa o gênero
no Brasil.
“Digamos que se queira analisar
outras características do gênero Smilax. Sei que na salsaparrilha
é possível encontrar microscopicamente dois tipos de grão
de amido. Se encontro um grão de amido que não pode ser encontrado
dentro das espécies de Smilax, então já sei que estarei comprando
algo de procedência duvidosa”, relata Martins. “Desta forma,
através de análises minuciosas, anatômicas e morfológicas,
é possível ter uma ideia se estou consumindo salsaparrilha
ou não, isso mesmo não conseguindo chegar à espécie específica.”
Germinação
A Unicamp teria hoje no CPQBA plenas condições de desenvolver
estudos mais detalhados. Recentemente foi estabelecido um
convênio para dar continuidade a este projeto juntamente com
a Esalq. Além da morfologia e da química, a pesquisadora achou
muito interessante propor uma análise de germinação de semente
dessas espécies. “Como estas plantas podem sim ser prejudicadas
e entrar em extinção dentro dos cerrados, através de nossos
ensaios de germinação de sementes preliminares, encontramos
algumas espécies que crescem a uma velocidade boa e que são
interessantes de serem plantadas.”
Considerando a ação do tempo,
a parte de química das plantas medicinais é um ponto de fragilidade.
Se coletada uma planta de manhã ou mesmo à noite, ela pode
apresentar diferença no princípio ativo. Se coletada uma planta
numa região em que o solo é muito pobre ou em um que possui
mais nutrientes, também vai dar diferença. O ideal, esclarece
Martins, é que as espécies sejam plantadas e padronize-se
o princípio ativo extraído para que se saiba exatamente o
que está sendo produzido pela planta.
Perante os resultados obtidos
nesta tese, o projeto futuro da bióloga consistirá em trabalhar
com plantas, obtidas de cinco espécies de salsaparrilha, que
já foram plantadas no canteiro experimental do CPQBA. Agora,
elas irão se desenvolver e será analisada a parte de química.
“Vamos avaliar o crescimento delas e realizar testes farmacológicos
em ratos, para testar a atividade medicinal a partir desse
novo projeto, que surgiu deste levantamento da tese”, comenta
Martins. O projeto está sendo escrito no momento, e a intenção
é trazer as descobertas para mais perto do mercado.
A pesquisadora conta que alguns
pontos deverão ser ainda elaborados: “vamos tentar levantar
quantas espécies são medicinais e qual é a que pode ser plantada”.
Posteriormente, conforme a pesquisadora, alguma empresa poderá
se interessar pelo cultivo dessa planta em larga escala, com
novos testes sendo feitos. “Aí sim a planta medicinal se tornará
um fitomedicamento, devendo sair do conhecimento popular e
finalmente mostrar informações sobre sua toxicidade e a quantidade
a ser ingerida pelos seres humanos, para que tenha ação medicinal.”
Alemanha
A pesquisa de Martins também ganhou reforço através de um
projeto de doutorado sanduíche desenvolvido na Universidade
de Vechta, no norte da Alemanha, onde foi orientada pelo professor
Norbert Pütz. Partiu para aquele país com vistas a aumentar
a caracterização das plantas. Seu orientador na área de Botânica
é especialista em morfologia de plantas. Além disso, Norbert
Pütz também colaborou para a elaboração de dois artigos científicos,
que serão publicados e virão a se somar a outros cinco, que
já estão previstos no cronograma de atividades da bióloga.
Martins estudou na Alemanha
cinco meses, pois aquele país é um centro de referência em
Botânica. “Os alemães já possuem todas suas plantas descritas
morfologicamente em catálogos. Acredito que para o Brasil
não será fácil chegar a este mesmo número, pela infinidade
de espécies que temos aqui para descrever”, pontua.
Uma das partes mais penosas
para o pesquisador brasileiro é o trabalho de campo, de acordo
com Martins. “Temos que ir até os locais descritos nos levantamentos
de taxonomia, caminhando muitas vezes por regiões de difícil
acesso. No caso dos parques nacionais, temos um sistema de
pedido de licença, que demanda tempo. Temos que nos dedicar
tanto a encontrar a planta como também acompanhar o seu crescimento,
desenvolvimento e o aparecimento das flores. No nosso caso,
que coletamos sementes, acompanhamos estas plantas por mais
de um ano até descobrir quando elas provavelmente teriam flores
e quanto tempo estes frutos levariam para amadurecer. No caso
das plantas alemãs, todas essas informações já estão registradas
em livros.”
Características
As seis espécies brasileiras que mereceram destaque na tese
da bióloga são herbáceas, ou seja, que não têm porte arbóreo.
São classificadas como lianas, ou seja, trepadeiras que se
fixam a outras plantas. Muitas delas possuem múltiplos espinhos.
As suas folhas apresentam cerca de 10 cm de comprimento, podendo
ter espinhos também. Os seus frutos apresentam coloração,
quando maduros, de arroxeada a “negrescente”. Nas espécies
chinesas e norte-americanas, os frutos são em geral vermelhos.
As raízes destas plantas podem
atingir mais de um metro de comprimento e em geral 3 mm de
espessura e são comercializadas como chá juntamente com partes
do caule subterrâneo. O fato das raízes dessas espécies serem
sobremodo semelhantes pode ser perigoso no mercado, pois os
raizeiros dificilmente saberão as suas especificidades. Por
conta disso, é extremamente importante estabelecer um padrão
de controle de qualidade para venda dessas plantas.
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