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Knobel detalha avanços do ProFis
Pró-reitor destaca o forte componente
de inclusão social, com preservação do mérito
Em
debate desde o início de março, o Programa de Formação Interdisciplinar
Superior (ProFis) despertou interesse tanto na comunidade
interna como na sociedade em geral. Desde o início, a proposta
apresentada pela Pró-Reitoria de Graduação (PRG) chamou
atenção por dois aspectos inovadores no meio acadêmico:
possibilitar aos melhores alunos das 96 escolas públicas
de ensino médio em Campinas a chance de ingressar numa universidade
pública de excelência, sem precisar enfrentar o vestibular,
e oferecer a estes estudantes um curso multidisciplinar,
com duração de dois anos, após o qual poderão optar pela
formação específica na área de sua preferência. A ideia
inicial é oferecer 120 novas vagas na graduação, com a seleção
dos estudantes baseada em seu desempenho no Exame Nacional
do Ensino Médio (Enem), do Ministério da Educação, ou em
outro mecanismo aplicado pela própria Unicamp. Na entrevista
que segue, o pró-reitor de Graduação, Marcelo Knobel, detalha
os objetivos da proposta e destaca seus principais avanços.
Jornal
da Unicamp – Quais são os principais objetivos da criação
do programa?
Marcelo Knobel – A ideia é iniciar um programa inovador
na universidade pública brasileira, que possibilite uma nova
modalidade de acesso com um forte caráter de inclusão social
aliada a uma formação interdisciplinar superior. O foco principal
é possibilitar que os alunos que em geral se auto-excluem
do nosso vestibular possam ter a chance de estudar em uma
boa universidade pública. Todos os estudantes admitidos terão
a possibilidade de ter uma formação multidisciplinar, e terão
alguma vaga assegurada em algum curso já existente na Unicamp.
O projeto mantém e fortalece a busca pelo mérito, pois essa
oportunidade será oferecida apenas aos melhores alunos de
cada escola pública de Campinas. A Universidade certamente
ganhará com tal processo, pois é muito provável que encontre
alunos com grande potencial que não teriam sido admitidos
pelas vias atualmente disponíveis, seja porque estudaram em
escolas com mais limitações, ou porque simplesmente não cogitaram
a idéia de poder estudar na Unicamp.
JU – Como a proposta
está sendo encaminhada dentro da instituição?
Knobel – Durante um ano trabalhamos no âmbito
da Pró-Reitoria de Graduação para formular um projeto preliminar,
que está sendo agora encaminhado às unidades de ensino e pesquisa
para amplo debate. Simultaneamente, está sendo formado um
Grupo de Trabalho para elaboração do projeto pedagógico e
para montagem da forma final da proposta, incluindo todos
os aspectos operacionais, que são fundamentais para o sucesso
de um projeto como este. Esse GT receberá sugestões, aprimoramentos
e críticas, que serão eventualmente incorporados ao projeto,
que posteriormente deverá seguir para a CCG, CEPE e Consu,
para aprovação. Vale ressaltar que o projeto que está sendo
discutido certamente será ainda aprimorado, aproveitando todas
as sugestões advindas das discussões nas unidades.
JU – Será realmente
utilizado o Enem para seleção dos alunos?
Knobel – A primeira impressão é que seria a forma
mais adequada de se selecionar os alunos, pois se trata de
um exame abrangente, em fase de consolidação, e que normalmente
pode ser realizado por todos. Além disso, não incorreriam
custos adicionais para a Unicamp para criar uma prova específica.
Entretanto, nada impede que outro modelo venha a ser utilizado,
caso essa seja a decisão da Universidade em decorrência de
questões internas e/ou externas.
JU – Por que não
criar um curso com características mais profissionalizantes
de tal forma que, ao concluir a formação, o aluno poderia
ter acesso facilitado ao mercado de trabalho?
Knobel – Um dos objetivos principais do programa
é dar acesso aos cursos regulares da Unicamp. Pretende-se
oferecer um número de vagas que seja até mesmo superior ao
número de alunos que concluam o ProFis, que deverão ser preenchidas
de acordo com o desempenho acadêmico desses estudantes nas
disciplinas cursadas na Unicamp. Para esses alunos, a formação
geral de alto nível certamente contribuirá para um amadurecimento
concreto na escolha por um futuro profissional, e não há dúvidas
de que essa formação contribuirá para a formação de cidadãos
mais críticos e preocupados com uma sociedade mais justa.
Temos convicção de que essa formação será fundamental, mesmo
que o estudante opte pela busca de acesso em cursos de outras
instituições, e para sua qualificação para quaisquer outras
atividades que venham desempenhar. Vale aqui ressaltar que
a formação geral superior é uma tendência mundial na educação
superior, e reconhecidamente benéfica para a formação de futuras
lideranças. Isso é reconhecido pelo mercado, que busca profissionais
com formação cada vez mais ampla.
JU – Por que basear-se
no modelo norte-americano e não no modelo europeu (Bologna)?
Knobel – Nos últimos anos, as melhores universidades
americanas têm passado por reformas de seus currículos. Tem
sido cada vez mais reconhecido que o oferecimento de formação
geral qualificada será indispensável para que se crie um cidadão
com responsabilidade social, ética e conhecimento adequados
para cumprir seu papel dentro de uma sociedade integrada e
dinâmica. Mas essa tendência tem ocorrido também na Europa,
e em outros países que têm realizado grandes reformas educacionais,
como Singapura e Coréia do Sul. O modelo apresentado no ProFis
tem elementos de diversos exemplos que tem sido realizado
em diferentes países, e também no Brasil. Como uma das principais
metas do projeto é ser uma nova forma de entrada na Unicamp,
concebemos um modelo intermediário, com dois anos de formação
geral antes do ingresso aos cursos regulares. Como pode ser
visto na proposta de currículo, os alunos receberão formação
em áreas socialmente relevantes como ética, bioética, evolução,
filosofia, arte, primeiros socorros, ciência, tecnologia,
sociedade e literatura, mas também em áreas técnico-científicas,
fundamentais para que se amplie seu conhecimento geral, como
biologia, matemática, informática, física e química, além
de línguas e produção de textos.
JU – Por que classificar
alunos pelo Coeficiente de Rendimento [CR]? Isto não poderia
criar um clima de competição contraproducente?
Knobel – Todos os processos de seleção atualmente
utilizados pela Unicamp utilizam critérios de mérito pessoal.
Aqui não poderia ser diferente. Na sua dedicação por uma vaga
no curso de interesse, o aluno deverá empenhar-se para que
sua produção garanta seu sucesso. Qualquer outro critério
que não o mérito quebraria um preceito amplamente aceito na
Universidade.
JU – Por que não
criar três possibilidades de curso, uma com ênfase em humanas,
uma como ênfase em biológicas/saúde e outra com ênfase em
tecnológicas/exatas, de tal forma que disciplinas poderiam
ser utilizadas para reduzir o tempo de graduação, já que contabilizariam
como créditos obrigatórios no curso de destino?
Knobel – Porque um dos principais objetivos
da proposta é oferecer formação geral de alto nível e não
dar início a formação especializada. É sabido que os jovens
na faixa de 17/18 anos ainda têm muitas dúvidas com relação
ao seu futuro profissional, e esse período de dois anos em
contato com distintas áreas do conhecimento lhes permitirá
uma escolha mais madura da sua área profissional de interesse.
Além disso, de acordo com dados da Comvest, mais de 60% dos
alunos que são admitidos atualmente nos cursos de maior demanda
na Unicamp, concluíram o segundo grau há mais de um ano. Em
particular, cerca de metade dos matriculados que estudaram
na rede pública têm pelo menos 2 anos de formados. Em vários
cursos, incluindo alguns de alta demanda, como Medicina, Ciências
Biológicas, Ciências Econômicas, Engenharia Elétrica Noturno,
esse índice é mais alto, acima de 60%. Desse modo, o tempo
médio decorrido entre a graduação no ensino médio e a conclusão
do curso superior será aproximadamente o mesmo para alunos
do ProFis e para estudantes admitidos pelo vestibular. Vale
ainda lembrar que a proposta apresentada tem flexibilidade
suficiente para que os alunos, uma vez dentro da Unicamp,
possam adiantar disciplinas obrigatórias de seu curso de interesse,
caso desejem.
JU – Por que não
investir mais no crescimento do PAAIS ao contrário de criar
nova vertente que também tem como principal apelo o aspecto
de ação social?
Knobel – O PAAIS constitui-se num dos programas de
inclusão social de maior sucesso no país, e que tem influenciado
de maneira significativa as políticas de ações afirmativas
e inserção social. De forma alguma se pretende modificar qualquer
aspecto de sua estrutura, a não ser para criarem-se avanços
que expandam e aprimorem sua utilização. Entretanto, ainda
temos uma forte componente de auto-exlusão por parte dos alunos
da rede pública de ensino. Apesar de que mais de 85% dos egressos
do ensino médio sejam da rede pública de ensino, apenas 30%
das inscrições para o vestibular da Unicamp são de alunos
da rede pública. Há um grande número de jovens que sequer
consideram a possibilidade de prestarem o vestibular da Unicamp,
e são esses jovens que queremos atingir com este programa.
Assim, acreditamos que ainda há necessidade de se criarem
ações novas e criativas que aumentem a oferta de vagas qualificadas
para alunos com mérito da escola pública.
JU – Como será
a coordenação do curso? Qual será a unidade responsável por
seu gerenciamento?
Knobel – O curso será coordenado pela PRG, mas o
Grupo de Trabalho ainda estudará a melhor maneira de gerenciá-lo.
Temos plena convicção de que será necessário um acompanhamento
contínuo das atividades do curso, assim como um suporte aos
docentes e estudantes. Além disso, serão necessárias bolsas
complementares, de alimentação e transporte, para garantir
que os estudantes possam seguir os seus estudos aqui, e minimizar
a evasão. Imaginamos assim a criação de um grupo gestor, com
membros de todas as grandes áreas que atuarão como interlocutores
com todas as unidades que contribuam para o ProFis.
JU – De onde virão
os recursos para sua criação?
Knobel – O projeto piloto foi pensado de maneira
a minimizar os custos, e consequentemente o impacto no orçamento.
Assim, imaginamos a formação de apenas uma turma de 120 alunos
da cidade de Campinas, e sugerimos inicialmente disciplinas
já existentes no catálogo da Unicamp, onde já há docentes
responsáveis. Termos, como já dito, que investir sim em bolsas
que possibilitem a permanência desses estudantes na Unicamp.
O impacto nos cursos subsequentes será também muito pequeno,
pois trabalhamos com a proposta inicial de oferecer algumas
poucas vagas por curso, o que possibilitará a absorção desses
estudantes sem grandes impactos.
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