PAULO
CESAR NASCIMENTO
JU – A transição política nos
países conflagrados pode abrir vácuos de poder capazes de
permitir a ascensão de governos fundamentalistas religiosos
ou esse é um receio infundado perante o vigor das demandas
democráticas demonstrado pelo levante popular? Até que ponto
a influência iraniana é um risco a ser considerado?
Arlene
– Tal possibilidade existe e não deve ser descartada
das análises políticas da região, mas ela precisa ser vista
caso a caso. Nem todo partido islâmico defende a criação
de um estado islâmico. O modelo da Turquia, de Estado político
governado por um partido islâmico, poderia ser adotado por
mais de um partido na região, caso vencesse eleições parlamentares
ou presidenciais. Para eliminar esse tipo de especulação
e a possibilidade de que o Ocidente utilize o argumento
do “perigo islâmico” para apoiar forças conservadoras, autoritárias
e antipopulares, no Egito a Irmandade Muçulmana já afirmou
que não vai concorrer nas próximas eleições.
No Egito e na Tunísia, o modelo político
iraniano não tem apelo nem às massas árabes –majoritariamente
sunitas, inclusive – nem aos partidos políticos existentes
ou em formação, até onde se sabe. O Irã por si só não exerce
uma influência nesses países capaz de alterar a construção
da democracia ou formação de regimes de maior representação
popular. De fato, o maior risco de crescimento da influência
iraniana sobre os países árabes do Oriente Médio viria de
um cenário de ataque israelense ou norte-americano à república
islâmica, desestabilizando a região como um todo e provocando
uma resposta iraniana que talvez não se dirigisse diretamente
contra Israel ou EUA, ambos muito difíceis de atacar, mas
contra governos árabes aliados dos EUA na região. Nesse
caso, poderíamos ver seriamente abalada a construção democrática
árabe no Oriente Médio.
Mohamed – Há uma estratégia ocidental,
liderada pelos EUA, de tentar caracterizar grupos religiosos
muçulmanos como terroristas e amedrontar a comunidade internacional
quanto ao risco de assumirem o poder. Isso não existe. O
mundo árabe inteiro é de estados laicos, com a exceção da
Arábia Saudita, maior aliado dos EUA no Oriente Médio. Nos
episódios que estamos acompanhando, foram demandas sociais,
e não questões religiosas, políticas ou ideológicas, que
mobilizaram milhões de pessoas nas ruas. A completa falta
de perspectivas em uma vida digna, com moradia, oportunidades
de emprego e renda, levou os jovens a iniciar os levantes.
Os povos árabes não querem nenhum grupo religioso para governá-los.
O Ocidente, no entanto, especialista em criar estereótipos
do árabe ignorante, inculto, que necessita de um pastor
para guiá-lo, decidiu escolher o islamismo como o anticristo
da vez, para tentar impedir o apoio da opinião pública mundial
às manifestações no Oriente Médio.
Mas até o Irã está sendo questionado pela
própria sociedade iraniana nas ruas hoje e mesmo a Fraternidade
Muçulmana [organização criada nos anos de 1920 com a intenção
de libertar o Egito do domínio britânico] declarou publicamente
que não tem interesse em ocupar o poder, assim como não
teve à época de sua criação. Embora não seja um grupo terrorista,
foi tachado como tal pelo Ocidente. Então, não podemos cair
no que os discursos ocidentais pregam, porque a história
está mostrando qual é a verdade.
Nasser – Construiu-se um paradigma
em que a religião assume um papel preponderante em relação
ao Oriente Médio, mas essa não é a questão fundamental.
O que estamos assistindo agora não tem relação com grupos
religiosos. Eu diria que a influência iraniana ou a ação,
não somente do Irã, mas do radicalismo islâmico, neste momento
no Oriente Médio é improvável. Contudo, permanece a questão:
e os outros fundamentalistas, como a Fraternidade Muçulmana,
que é o grupo organizado mais antigo do Oriente Médio?
Demonstra até agora, e já demonstrou antes,
uma ação extremamente sábia e moderada. Não deu início aos
levantes e durante as manifestações sua atuação foi discreta,
assim como está sendo neste momento de transição. Vale salientar
que, como qualquer outro ator político, eles aprendem com
a história. E qual é o aprendizado? Sabe-se o que o aiatolá
Khomeini foi isolado da comunidade internacional por suas
ações. Então, na medida em que está chegando a hora de participar
do poder, eles não são irracionais ao ponto de querer confrontar
a comunidade internacional, tanto que líderes da Fraternidade
Muçulmana estão propondo suas ideias em grandes jornais
do Ocidente.
Finalizando, faço a seguinte observação:
nada melhor do que olhar para a atitude dos governantes
em momentos revolucionários. O Mubarak não resistiu, resignou-se
e saiu, enquanto o Kadafi decidiu lutar para ficar no poder.
E tem o rei da Arábia Saudita [Adbullah al Saud], que ao
voltar da Europa onde estava hospitalizado prometeu despejar
37 bilhões de dólares em medidas de seguridade social, habitação
e emprego. Ele foi tomado por um surto de humanitarismo?
Tratou apenas de se antecipar às demandas.
JU – O Ocidente, que colocou
e manteve no poder os déspotas que agora estão sendo destronados,
precisará estabelecer novas alianças com as forças políticas
emergentes. Porém, se os protestos que derrubaram os ditadores
podem ser interpretados também como um gesto contundente
contra a histórica interferência ocidental na região, quais
mudanças poderão ocorrer no tabuleiro da política externa
no Oriente Médio?
Mohamed
– Os EUA sustentam equivocadamente seus interesses no Oriente
Médio a partir de regimes ditatoriais que eles próprios
criaram e incorrem nos riscos da relação perversa que eu
observei na primeira resposta. Esse modelo permitiu a um
governante ditador como Mubarak tornar-se um dos homens
mais ricos do planeta enquanto mais de 40% da população
do Egito vive abaixo da linha da pobreza. Faço a seguinte
analogia: um parasita pode matar seu hospedeiro se o explora
exageradamente, mas sem este também corre o risco de morrer.
O mundo árabe pede o fim desse relacionamento baseado no
parasitismo e, a partir de estados democráticos, almeja
por uma relação de simbiose e de parcerias de longo prazo
com o Ocidente, estabelecidas no respeito mútuo, capaz de
assegurar os recursos necessários ao desenvolvimento de
suas sociedades.
Nasser – É bom lembrar que não se
trata de ditadores apenas, mas de uma elite econômica e
militar que estabeleceu laços muito próximos com o Ocidente.
Isso mostra a dificuldade de se quebrar essa estrutura,
porque uma coisa é a mudança de governante, outra é a de
regime. Até agora os governantes estão sendo desalojados,
mas o regime ainda não. Eu diria que é possível ter uma
política externa autônoma, ser aliado dos EUA, sem necessariamente
ser submisso. Não será o caso de romper com o Ocidente,
mas de estabelecer outro patamar nas relações, o da visibilidade,
de se saber efetivamente para onde vão os recursos aplicados
na região. O Egito recebia um bilhão e meio de dólares anuais
dos EUA não se sabe para quê. Também é possível viver em
paz com Israel sem precisar fazer negociações escusas com
os israelenses. Isso tudo é importante porque vamos entrar
em um novo momento em que não há lugar para esses antigos
líderes, o Kadafi, o Mubarak, e acredito que haverá mudanças
mesmo em Israel.
Netanyahu [primeiro-ministro de Israel]
é um homem deste momento; o novo vai exigir novos líderes
de Israel. Esse é um desafio que a sociedade israelense
já começa a discutir. Eu acho isso muito proveitoso, porque
entraremos em outro estágio, acredito na própria Palestina,
de sair, de um lado, da herança do peso histórico de Yasser
Arafat, do Fatah, que governa a Autoridade Palestina, e
de outro lado também sair do radicalismo do Hamas. Sair
desses dois campos que se negam radicalmente um ao outro
abrirá novas possibilidades aos palestinos nos âmbitos interno
e internacional.
JU – A utilização de ferramentas
disponibilizadas pela internet – Twitter, Facebook e o You
Tube – é apontada como responsável pelo êxito das insurreições
lideradas por jovens rebelados, pois contribuiu para fomentar,
articular e propagar os protestos pelo mundo afora. Esses
recursos tiveram, de fato, toda essa importância estratégica
e podem explicar por que até então o clamor contra as longevas
ditaduras nos países árabes não alcançara os resultados
de agora?
Arlene – A comunicação via páginas
de relacionamento da internet foi importante, não por si
só, mas em aliança aos movimentos sociais e dos trabalhadores
que há anos vinham realizando manifestações e enfrentando
uma brutal repressão da polícia egípcia, para tomar o caso
desse país. O Facebook ajudou a articular a manifestação
do dia 25 de janeiro, contra o Dia da Polícia no Egito,
e pode ser muito importante para a articulação da nova fase
da revolução no Egito e na Tunísia a partir de agora. Em
janeiro, o simples registro do imenso número de adesões
à página, por exemplo, do “Somos Todos Khaled Said”, encheu
de coragem a juventude egípcia.
Junto com isso, as televisões tiveram um
papel fundamental, ao propagar a notícia das revoltas, de
país a país, começando pela Tunísia. Portanto, o Facebook
e o Twitter foram de fato importantes instrumentos, mas
não explicam porque a revolução aconteceu agora e não há
uma década por exemplo. O deflagrador imediato da revolta,
que foi a imagem da autoimolação do tunisiano Mohamad Buazizi,
estudante e vendedor ambulante de apenas 26 anos, difundida
pela televisão, não nos deixa esquecer o sentimento de profunda
angústia que atingia, em todos os oprimidos e humilhados,
os limites do suportável. As massas que foram às ruas no
Egito representam mais de 10% da população do país.
Ao mesmo tempo, a revolta não é inédita,
como indica o nome do grupo 6 de Abril, criado a partir
da manifestação de trabalhadores que nessa data, em 2008,
foi brutalmente reprimida pela polícia de Mubarak. Várias
outras manifestações foram abortadas pela ação da polícia.
Isso indica que já havia uma revolta social sendo lentamente
gestada, e tentativas de manter vivos e atuantes os movimentos
sociais e de contestação ao regime. A existência desses
precedentes foi fundamental para que a revolução finalmente
estourasse e a população em massa tomasse as ruas das principais
cidades. Por fim, penso que as redes sociais eletrônicas
devem manter um papel importante, mas que as populações
do Egito e da Tunísia – além dos demais países onde a derrubada
de regimes opressores foi posta na ordem do dia –, vão precisar
de bem mais do que redes como o Facebook para organizar
a continuidade da revolução a partir de agora. O movimento
contínuo de protestos, que não deve parar com a derrubada
dos ditadores, entra em uma fase nova e mais delicada de
organização política da sociedade para conseguir avançar
suas reivindicações.
Mohamed – Tentativas anteriores falharam porque,
diferentemente das manifestações de agora, caracterizadas
pela espontaneidade, foram concebidas e organizadas com
antecedência por grupos de ativistas. Essa preparação era
monitorada por três instituições de espionagem em conjunto:
CIA, Mossad e a inteligência egípcia. Antes que fossem capazes
de deflagrar seus planos, as lideranças eram capturadas,
presas e até mortas, o que desarticulava todo o movimento.
Então, o êxito das mobilizações atuais se deve à reação
espontânea dos jovens, que surpreendeu até mesmo os serviços
de inteligência, e não às novas tecnologias de comunicação.
Nasser
– Como qualquer tecnologia, dado o seu contexto, ela
não é capaz de criar movimentos, ela é capaz de canalizar,
de potencializar ações. Foram e são importantíssimas, assim
como o jornal tornou-se um instrumento revolucionário nos
séculos 19 e 20. Mas o sucesso dos levantes depende das
necessárias condições sociais e políticas para isso. Havia
insatisfação e um sentimento de integração. Então, a comunicação
proporciona mais eficiência a esse princípio de comunidade,
porém dizer que gera insatisfação seria tomar a consequência
pela causa. Mas isso também está traduzindo o crescimento
de uma camada urbana muito importante. Fala-se na importância
das tribos, mas veja que na Líbia a revolta começou em Bengasi,
cidade com 1,5 milhão de habitantes, e depois foi para Trípoli;
no Egito os protestos eclodiram no Cairo.
Então, essa é uma questão maior que a internet,
é a questão das classes urbanas, é o fato de o desemprego
atingir 90% dos jovens, que respondem por 30% da população.
Nesse aspecto, o homem da rua árabe é como o homem da rua
ocidental: ele quer trabalhar, estudar. Não existe aquela
imagem vulgar que aparece toda hora, em que todo mundo ou
fica rezando ou jogando bomba. Isso é da cabeça de Hollywood,
dos neoconservadores. As tecnologias colaboram para dar
vazão a isso e, num regime ditatorial, em que não há meio
de expressão, elas se qualificam mais ainda. Existiram mobilizações
anteriores, mas os objetivos eram outros. Na década de 1960
esteve no auge o chamado nacionalismo árabe, mas era um
movimento para fazer guerra a Israel, e não para derrubar
ditador.
JU – Como fica a situação de Israel
diante do aparentemente irrefreável movimento libertário
em curso no mundo árabe? Não seria este o momento propício
e estratégico de rever a sua política de assentamento nos
territórios ocupados em Gaza e na Cisjordânia e a sua postura
contrária à criação do Estado palestino?
Arlene – Uma grande manifestação
está prevista para o dia 15 de março na Cisjordânia e se
a revolta de fato tomar as ruas dos Territórios Palestinos
Ocupados, o seu primeiro alvo poderá ser a própria Autoridade
Nacional Palestina, cada vez mais apontada pela população
como a “administradora” dos guetos palestinos. A liberação,
pela Al Jazeera, de 1.600 documentos secretos demonstrando
como a ANP vinha abandonando, nas negociações com o governo
de Israel, as reivindicações históricas e de justiça para
com o povo palestino, apenas aumentaram a desmoralização
dessa liderança há muito acusada de corrupta e incapaz de
sustentar a implementação dos direitos palestinos mínimos,
assegurados, por exemplo, em resoluções do próprio Conselho
de Segurança da ONU.
Seria muito difícil para os palestinos derrotar
o exército israelense, pois não possuem força militar ou
sequer verdadeiras organizações guerrilheiras para isso.
Mas estão bastante revoltados com o papel que a ANP vem
exercendo, denominada por muitos como “o braço administrativo
da ocupação militar israelense”. Para entender essa afirmação,
teríamos que voltar aos Acordos de Oslo e à história palestina
desde a década de 1990, mas vale lembrar que o sentimento
contrário à ANP e a setores da OLP tem crescido muito.
Mohamed – Israel incorre no mesmo
equívoco do Ocidente de acreditar que seus interesses só
podem ser assegurados a partir de povos oprimidos por regimes
ditatoriais ou de parcerias com ditadores. Ao longo do tempo
essa situação torna-se insustentável. Seria muito melhor
se pudessem se relacionar com os vizinhos por meio de governos
democráticos, pela via do diálogo e com a participação da
sociedade civil. Portanto, a revisão de sua atual política
seria a decisão inteligente e eu espero por isso. Nem é
preciso respeitar a deliberação da ONU de 1947 [sobre a
partilha da Palestina que destinou 56,47% do território
para os judeus e 43,53%, para os árabes]. Mas pelo menos
deixem o povo palestino numa área única contígua onde possa
criar seu Estado, sem a presença militar de Israel, e não
mais separadamente, de um lado na Faixa de Gaza e de outro
na Cisjordânia, tendo entre eles território israelense,
sem esse queijo suíço, cheio de assentamentos israelenses
conectados por estradas e avenidas que o palestino não consegue
atravessar.
A qualidade de vida do povo de Israel não
depende só de dinheiro e de tecnologias. É preciso haver
também uma cultura de paz, e esta depende de uma harmonia
com os vizinhos. Esses indicadores têm de ser levados em
consideração pelos governantes de Israel, mas infelizmente
a extrema direita israelense se sustenta pelo ambiente de
terror criado na região. Vai chegar o dia em que a democratização
no Oriente Médio alcançará Israel e se o governo israelense
não mudar sua política, também sofrerá levantes dentro de
seu território. Os motivos são diferentes, mas há esse risco.
Nasser – Israel vai rever isso,
não tenho dúvida. Setores liberais de Israel estão gostando
muito desse momento, porque questionam até que ponto é válido
manter a paz com o Egito a custa de negociatas, ou seja,
à custa de uma triangulação com os EUA, que dão milhões
de dólares para um tipo de governante corrupto como o Mubarak.
Para eles, estabilidade é quando há um acordo reconhecido
como legítimo e justo para ambas as partes; para eles, a
paz se alcança de forma legítima, assentando o povo no território
em condições de vida. Então, acho que vai ganhar força um
questionamento dos grupos políticos existentes, acredito
que haverá debate interno em Israel. Essas discussões precisam
ser colocadas em outro plano que não é o religioso, étnico
ou político. Há também as questões relacionadas aos atos
de Israel para com os palestinos que não podem continuar.
Algumas pesquisas de opinião pública no
mundo árabe mostram que a maioria é contra os atos de Israel,
poucos são os que negam a sua existência. Mas não nos enganemos:
os radicais dos dois lados vão reagir, porque nesse momento
eles estão obscurecidos. Quem fala no Osama? Cadê o Netanyahu?
Cadê a direita de Israel? Sumiram, porque eles só têm algo
a dizer quando tem bomba. Os movimentos radicais estão atentos,
aguardando qualquer circunstância de instabilidade para
favorecê-los. Portanto, é preciso paciência e saber o momento
de lidar com as adversidades, porque senão vem a explicação
básica: está vendo, esse pessoal só vive no caos. E se a
chamada comunidade internacional quer mesmo a estabilidade,
agora é o momento de ajudar, de dar dinheiro para a reconstrução
social e não para comprar armas.
JU – Às preocupações do Ocidente
com o terrorismo e com o petróleo soma-se agora uma outra,
particularmente dos países da União Europeia, acerca da
fuga em massa de imigrantes ilegais líbios e de países em
conflito para o outro lado do Mediterrâneo. Que impactos
sociais e econômicos um fenômeno dessa magnitude pode ter
no continente, lembrando que países europeus estabeleceram
rigorosas restrições à imigração?
Arlene – Há muita confusão e, de fato, xenofobia,
sendo veiculada sobre a questão. Por um lado, a imigração
de trabalhadores árabes ou islâmicos na Europa foi severamente
restringida e em alguns casos já se tornou quase impossível.
Tal restrição ajudou a estrangular a situação econômica,
a eliminar válvulas de escape da miséria e a contribuir
para o estopim da revolução, não o contrário. Embarcações
continuam tentando chegar ilegalmente, mas em menor número.
No caso da Líbia, durante as últimas semanas o principal
movimento de fuga tem se dirigido aos países árabes vizinhos,
inclusive porque muitos dos que estão fugindo já são trabalhadores
egípcios imigrantes. Além de voltar-se contra os trabalhadores
miseráveis e imigrantes dos países árabes, o discurso xenofóbico
poderá facilmente ser empregado para tentar enfraquecer
os movimentos de trabalhadores e jovens da Grécia, Irlanda
e Espanha, absolutamente locais e autóctones, criando o
mito de que seriam infiltrados e permeados por influências
islâmicas estrangeiras.
Mohamed – A questão migratória dos
norte-africanos e dos subsaarianos tem de ser analisada
a partir de sua causa. Eles buscam na Europa o emprego e
o sustento que não encontram em sua própria terra. Essa
situação é resultado do humilhante processo de desrespeito
dos direitos humanos e de exploração de riquezas naturais
protagonizado pelos europeus na África. Sem alternativas
desenvolvimentistas suficientes para manter essa massa em
seus territórios de origem, a migração vai continuar e a
Europa não tem como adotar medidas restritivas eficientes.
A democratização do Oriente Médio e do Norte
da África tende a estimular a criação de projetos voltados
ao desenvolvimento de seus países e capazes de absorver
muitos desses movimentos migratórios, já que hoje o africano
deixa a terra amada somente porque ela não lhe proporciona
condições minimamente dignas de sobrevivência. Depois, podem
ser firmados acordos para que a Europa aproveite determinadas
capacidades e habilidades da mão de obra africana conforme
as suas necessidades. Mas essas mudanças passam pelo respeito
à soberania e à autonomia dos países africanos e pelo reconhecimento
por parte do Ocidente da importância de sua democratização.
Nasser – Na perspectiva europeia, esse fato
é mais ameaçador do que qualquer atentado terrorista, devido
à questão do desemprego, devido às manifestações desses
grupos que estarão no continente europeu. Por isso é que
agora resolveram ficar seriamente preocupados com a situação
da Líbia. O Ahmadinejad [presidente iraniano] pode ser louco,
menos bobo. O que é que ele disse: faremos a próxima revolução
dentro da Europa. Eu não concebo que isso seja verdade,
as pessoas estão indo para lá em busca de emprego. Mas ele
quer acirrar conflitos e sabe onde está cutucando. É um
problema que vai agravar a questão social, aumentar a xenofobia,
porque na mesma proporção a direita na Europa está crescendo
em função disso. E vai crescer ainda mais.