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Uma nova tese sobre o xiloglucano
Estudo do IB mostra que polissacarídeo
pode ter
surgido há mais tempo do que se imagina
O
xiloglucano, o mais importante polissacarídeo da hemicelulose
de parede celular das plantas terrestres, pode ter surgido
há mais de 470 milhões de anos, ao contrário do que sustentavam
algumas pesquisas anteriores. Genes essenciais para a síntese
e degradação deste polímero ancestral foram encontrados num
grupo de algas irmãs das plantas terrestres, chamadas carófitas,
e podem ter sido uma das condições de pré-adaptação que levaram
as plantas – e por consequência os animais – à conquista do
ambiente terrestre. Esta, entre outras novas informações,
colocou o trabalho de autoria do doutorando da Unicamp Luiz
Eduardo Vieira Del Bem e do professor Michel Vincentz, do
Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, em segundo lugar no
ranking dos artigos mais acessados do periódico eletrônico
inglês BMC Evolutionary Biology em dezembro do ano passado.
A visibilidade no periódico, na opinião de Del Bem, está associada
ao interesse cada vez maior em bioenergia.
Del Bem explica que o grande
desafio para o etanol de segunda geração, em estudo atualmente
em vários lugares do mundo, é degradar polissacarídeos de
parede celular, como o xiloglucano, transformando-os em monômeros
livres de açúcar. A massa da parede celular, segundo o pesquisador,
é composta majoritariamente de polissacarídeos, que são moléculas
altamente energéticas, com aplicação na produção de bioetanol.
“Minha dissertação de mestrado [que deu origem ao trabalho
publicado] está relacionada à evolução da parede celular.
E isso deve ter dado visibilidade ao artigo”, explica.
O trabalho resultou num compêndio
de genes envolvidos na síntese e degradação do xiloglucano
em várias espécies, oferecendo informações tanto sobre todas
as enzimas codificadas por genomas de espécies de interesse
puramente científico (básico), como Arabidopsis, quanto espécies
de alto valor econômico como uva, sorgo, arroz e soja.
Para Del Bem, caracterizar
as enzimas em genomas de plantas de interesse é o primeiro
passo para qualquer modificação biotecnológica, pois a maior
parte da bionergia que existe numa grama de planta seca está
na parede celular, no entanto, os açúcares fermentáveis são
monoméricos, como a glicose e a frutose, ou dímero, como a
sacarose.
Segundo o pesquisador, os
polímeros da parede celular têm uma organização estrutural
responsável por fazer com que as leveduras que se alimentam
de açúcares simples não consigam utilizar a energia presente
nestas moléculas já que seu genoma não codifica para as enzimas
necessárias para hidrolisar estes polímeros complexos. Se
o ser humano, por exemplo, ingerir xiloglucano, não conseguirá
aproveitar a energia que existe nele, pois não há no genoma
humano enzimas que quebrem este polímero, segundo o pesquisador.
“É possível, por exemplo, usar as enzimas identificadas nessas
plantas para produzir leveduras transgênicas, que passam a
ter a capacidade de clivar ligações químicas entre açúcares
não-existentes nas leveduras originais”, afirma.
Maquinaria molecular
Segundo Del Bem, os primeiros estudos com xiloglucano o consideravam
exclusivo de plantas angiospermas (plantas com flores). Com
o tempo, o polímero foi descoberto em plantas espermatófitas
(com semente) e, mais recentemente, foi identificado em todas
as linhagens de plantas terrestres. Uma das informações inéditas
para a literatura é a existência de uma maquinaria molecular
relacionada ao xiloglucano nas algas carófitas. Esta característica
molecular une algas carófitas e plantas terrestres, o que
reforça a teoria de que as plantas terrestres seriam descendentes
de um grupo de algas carófitas. “Uma única população de algas
carófitas provavelmente deu origem a todas as plantas terrestres.
Encontramos genes que as plantas terrestres têm em comum com
algas carófitas, mas não encontramos, por exemplo, as mesmas
enzimas em algas clorófitas, que são um grupo mais antigo
de algas”, explica Del Bem.
A ideia de que o xiloglucano
teria como função a sustentação mecânica da parede celular
por meio da interação com as fibras de celulose, segundo o
biólogo, foi desestabilizada por uma publicação recente, na
qual se demonstrou que plantas transgênicas de Arabidopsis
thaliana, que não produzem xiloglucano detectável, têm
estrutura e desenvolvimento praticamente normais, ao contrário
do que seria esperado neste cenário. “Nosso trabalho ajuda
a esclarecer este fato ao mostrar que na verdade as pressões
evolutivas por trás do surgimento do xiloglucano estavam relacionadas
à vida aquática e não à estrutura mecânica necessária à vida
em terra firme.”
Evolução ajuda a
desvendar sistemas biológicos complexos
De acordo com Del Bem, nove
funções enzimáticas realizadas por dez famílias de proteínas
são responsáveis pelo sistema de síntese e degradação do
xiloglucano em plantas terrestres.
A história evolutiva, traçada
de trás para frente, ou seja, até chegar às carófitas, permitiu
entender como tais famílias chegaram ao nível de complexidade
existente hoje, dado o grande número de cópias gênicas de
cada família nos diferentes genomas de plantas atuais. O
objetivo foi conhecer a ancestralidade entre os genes de
cada família, formulando um modelo de como cada gene ancestral
deu origem aos genes atuais. “Cada uma dessas funções enzimáticas
tem de ser entendida não como uma função desempenhada por
um gene individual, mas como uma função compartilhada por
muitos genes, no que chamamos de famílias multigênicas”,
acrescenta.
Ele explica que as árvores
filogenéticas traçadas a partir da identificação das sequências
dos genes dessas plantas permitiram chegar a um modelo de
como estas famílias de genes evoluíram. As sequências de
aminoácidos de proteínas conhecidas por atuarem na síntese
ou degradação do xiloglucano foram usadas como isca, dentro
de algoritmos bioinformáticos, como os especialistas chamam,
para identificar dentro dos diversos genomas completamente
sequenciados o conjunto destes genes e preencher lacunas
que ainda existem em termos de genomas completos dentro
de algumas linhagens de plantas, como as gymnospermas e
as carófitas.
Para tanto, os pesquisadores
utilizaram o que chamam de Expressed Sequence Tags
ou ESTs (Sequências parciais de RNAs mensageiros). “Essas
sequências de ESTs também nos ajudam a estimar o conteúdo
gênico dessas espécies que não têm o genoma completamente
sequenciado”, explica. Ele acrescenta que a organização
dos genes em possíveis grupos de ortólogos (versões diferentes
do mesmo gene para cada espécie) e parálogos (genes que
se duplicaram exclusivamente em uma única linhagem) permite
inferir quantos genes havia nas populações ancestrais que
deram origem a cada grupo atual.
Numa linguagem mais acessível,
Del Bem explica que as nove funções enzimáticas podem ser
entendidas como ferramentas moleculares necessárias para
montar e desmontar o xiloglucano, no entanto, um destes
tipos de ferramenta é codificado por genes de duas famílias
de origens evolutivas diferentes. Entre os diversos mecanismos
de evolução está o que os cientistas chamam de evolução
convergente. “Neste caso, temos dois tipos de alfa-fucosidase.
Uma delas, mais antiga, e outra mais moderna. Trata-se de
duas proteínas ancestrais diferentes (que não têm origem
em comum) que convergiram de forma a desempenhar o mesmo
papel bioquímico.”
Enzima
Outros dados importantes para o sistema estudado dizem respeito
à enzima XTH, surgida nas algas carófitas. Segundo o pesquisador,
a enzima, que pertence à mais numerosa das famílias analisadas,
hidrolisa a ligação entre glicoses da cadeia central (ligação
beta 1-4) do xiloglucano. Ele acrescenta que em angiospermas,
as XTH são codificadas por aproximadamente 30 genes diferentes
em cada genoma. Este número de cópias foi atingido através
de duplicação do gene ancestral das XTHs que existia na
população ancestral comum às carófitas e plantas terrestres.
A primeira duplicação deste gene ocorreu antes da separação
entre as carófitas e a linhagem das plantas terrestres,
gerando duas cópias, que por sua vez deram origem a todas
as cópias deste gene presente nas atuais angiospermas. O
processo de duplicação e manutenção, segundo Del Bem, é
geralmente favorecido pela seleção natural porque um conjunto
mais diverso de gene, mesmo que do ponto de vista bioquímico
todos exerçam a mesma função, permite que a regulação da
expressão gênica em cada cópia derive ao longo da evolução,
fazendo com que cada cópia se torne especializada em um
tipo de tecido ou situação fisiológica.
Estudo questiona
design inteligente
Para Del Bem, o trabalho
derruba a tese de que um sistema complexo não pode evoluir
baseado em seleção natural através do acúmulo de complexidade
ao longo do tempo. A ideia do design inteligente, em que
criacionistas defendem que sistemas complexos só poderiam
surgir completos, com todas as peças no lugar, alega que
não haveria vantagem seletiva em possuir apenas parte desses
sistemas. “Sistemas complexos onde são necessários vários
elementos para possuir ou utilizar alguma coisa como xiloglucano,
por exemplo, só teriam sentido se tivessem evoluído todos
ao mesmo tempo. Ou você tem todas as peças ou nenhuma”,
questiona.
Ele acrescenta que a ideia
por trás da tese dos criacionistas seria que todos os sistemas
complexos teriam surgido ao mesmo tempo, entretanto, o trabalho
demonstra claramente que o sistema complexo por trás da
síntese e degradação do xiloglucano surgiu baseado no acúmulo
de complexidade gradual como é previsto na teoria neodarwiniana
da evolução. A maquinaria enzimática ganhou complexidade
ao longo da evolução pelo acréscimo de novas funções moleculares.
“Esta é uma demonstração do caráter pseudocientífico da
teoria do design inteligente”, explica.
Depois de encontrar todos
os genes de interesse é que os pesquisadores reconstroem
computacionalmente a história dessas famílias baseados no
que o pesquisador chama de alinhamento de sequências. “Seria
uma forma matemática de encontrar as homologias moleculares
entre as sequências de nucleotídeos ou aminoácidos”, esclarece.
Uma vez obtido isso, é possível calcular através das diferenças
entre elas, quais sequências são mais parecidas ou mais
diferentes entre si. Este conjunto de diferenças encontradas
é que permitem através do uso de métodos de inferência filogenética,
reconstruir árvores que representam a evolução de uma família
de genes.
Del Bem pontua que uma forma
de verificar a validade científica do design inteligente
é justamente fazer o que foi feito em sua pesquisa: tentar
encontrar a origem de cada uma das peças moleculares de
um sistema complexo. “Fazendo este tipo de coisa é simples
perceber que a teoria da evolução neodarwiniana é perfeitamente
capaz de explicar o surgimento de sistemas complexos. Porque,
de fato, esses sistemas são formados pela incorporação e
modificação de proteínas que participavam de outros processos
anteriormente”, enfatiza.
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Publicações
Del Bem, Luiz Eduardo V ; Vincentz, Michel GA . “Evolution
of xyloglucan-related genes in green plants”. BMC Evolutionary
Biology (Online), v. 10, p. 341, 2010.
Dissertação:
“Análise filogenética das enzimas hidrolíticas de Xiloglucano
e construção de bibliotecas de cDNA de Jatobá (Hymenaea courbaril)”
Orientador: Michel Vincentz
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Financiamento: Fapesp
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