Vírus emergentes mobilizam especialistas
Clarice Arns, professora do IB,
assume presidência
da Sociedade Brasileira de Virologia
MARIA
ALICE DA CRUZ
Em 2009 e 2010, ocorrências
de novos vírus emergentes e reemergentes, como o chikungunya
e o dengue 4, não apenas assustaram cidadãos comuns, como
colocaram em alerta institutos de pesquisa e a academia.
A falta de vacina, num primeiro momento, além da falta de
conhecimento sobre o comportamento desses vírus, estão entre
as primeiras preocupações de profissionais da saúde e pesquisadores,
segundo Clarice Arns, recém-empossada presidente da Sociedade
Brasileira de Virologia (SBV) e professora do Departamento
de Genética do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. Notícias
de epidemia ou pandemia mobilizam os virologistas, que são
os responsáveis pelo isolamento e a caracterização dos vírus,
a fim de desvendar o problema.
Atentos a eventos epidemiológicos,
como foi a entrada do H1N1, em 2009, esses profissionais
se reúnem em busca de respostas sobre esses vírus e seus
vetores. Clarice explica que no caso do chikungunya, os
três pacientes com diagnóstico apresentaram histórico de
viagem para a Ásia, a África e Venezuela, o que torna difícil
saber se são autóctones. Já o dengue 4, que ainda divide
opiniões, pode estar revisitando o Brasil depois de duas
décadas. Ambos têm como vetor o mosquito Aedes aegypti.
Responsáveis por um surto
ocorrido em 2009, os vírus respiratórios sincicial humano
(hRSV) e Metapneumovírus humano (hMPV) foram isolados pela
primeira vez na região de Campinas por pesquisadores do
Laboratório de Virologia do Instituto de Biologia (IB) da
Unicamp. Segundo Clarice, o dois vírus são importantes para
crianças pequenas (bebês), mas também acometem adultos e
idosos. Nos adultos, segundo Clarice, o hMPV tem maior importância.
A virologista enfatiza que
estes vírus se disseminam facilmente pelo ar, o que leva
a redobrar os cuidados para evitar a transmissão, principalmente
nos primeiros dias da doença para prevenir surtos hospitalares.
Por muitas vezes, segundo a professora, o tratamento requer
hospitalização e ventilação mecânica. “Se não forem tomadas
estas medidas, facilmente progride para um quadro mais grave
como bronquiolite, dispneia (falta de ar) ou insuficiência
respiratória grave. Ambos podem potencializar crises de
asma em crianças e adultos, requerendo também hospitalização”.
Mas a lista de novos vírus
não se restringe a dengue 4, chikungunya e influenza. Clarice
explica também que, com as mudanças ambientais, principalmente
pela intervenção humana no ambiente, os vetores também acabam
se adaptando a novos lugares, como é o caso dos que transmitem
arbovírus que, apesar de predominarem em regiões de floresta,
aparecem em outras áreas do país.
De acordo com Clarice, a
SBV busca esclarecer e promover a troca de informações entre
profissionais da área em encontros anuais, marcados pela
participação de pesquisadores de renome de dentro e de fora
do Brasil e pela apresentação de trabalhos orais de alunos
de graduação e pós-graduação, envolvidos em pesquisas na
área de virologia. A SBV foi criada em 1986, com poucos
sócios, mas hoje reúne mais de 500 associados. Em torno
de mil pesquisadores participam do encontro anual, que em
2011 acontecerá de 23 a 26 de outubro, em Atibaia.
Jornal da Unicamp
– Tanto o chikungunya quanto o dengue tipo 4 foram diagnosticados
no Brasil em 2010. Mas há informações de que o segundo exista
no Brasil desde a década de 1980. Afinal, trata-se de um
novo vírus?
Clarice Arns – O
chikungunya foi diagnosticado pela primeira vez no Brasil
em 2010. Não se tem ainda ideia da dimensão desse problema,
do que se pode esperar. Por isso iremos discutir o assunto
no Encontro Nacional de Virologia, com a participação de
pesquisadores da área. Os três pacientes que contraíram
esse vírus tinham história de viagem à Ásia e à África.
A palavra chikungunya vem do idioma da Tanzânia, na África,
e significa “aqueles que se dobram”, porque entre os sintomas
estão dores intensas nas articulações.
O dengue 4 nós realmente
já tínhamos e ele já havia passado pelo Brasil na década
de 1980. E após 25 anos de silêncio, a partir de 2008, tem
sido relatado no Brasil pelos colegas do Amazonas e o professor
Luiz Tadeu Figueiredo, da USP de Ribeirão Preto.
Talvez os casos de dengue
4 não sejam poucos e falaremos desse assunto no encontro,
inclusive para alertar os profissionais e criar espaço de
discussão com o Ministério da Saúde.
Chamamos para o encontro,
especialistas do Brasil e do exterior, para discutirmos
diretrizes de diagnósticos, como no caso de influenza, a
fim de nos prepararmos melhor para enfrentar os problemas.
Todos esses assuntos serão trabalhados e inclusive ofertaremos
um minicurso de diagnóstico de vírus no Encontro Nacional
de Virologia.
JU – Qual tem
sido o papel da Sociedade Brasileira de Virologia no sentido
de garantir diagnósticos e soluções para conter o número
de casos?
Clarice Arns – A
SBV promove a ciência da virologia no Brasil, congregando
pesquisadores de ponta, os melhores do Brasil, e convidando
grandes especialistas do mundo na área.
Temos de estar sempre atentos
aos vírus emergentes e reemergentes, pois a situação do
Brasil é muito importante, tanto pela sua localização como
pela sua dimensão continental. Mas além dos vírus emergentes,
incluiremos no programa viroses já conhecidas de grande
importância, como hepatites virais e viroses transmitidas
pela água. Entre as zoonoses, destacamos os vírus de animais
que podem ser infecciosos para o homem, como raiva, por
exemplo. Temas de prevenção e tratamento de infecções virais
também serão trabalhados.
Além das aplicações da virologia
em saúde, o encontro congrega muitos especialistas em virologia
básica, que fazem pesquisa de ponta sobre a intimidade dos
mecanismos de interação dos vírus com as células que eles
infectam.
JU – O quadro
muda de uma região para outra?
Clarice Arns – Sim,
tomemos como exemplo os arbovírus, que são vírus transmitidos
ao homem por vetores artrópodes. Muitos destes vetores (mosquitos)
estão presentes onde há florestas e matas, lugares onde
o vírus se adapta melhor. Se estudarmos uma região ao sul
do país, por exemplo, não encontraremos a quantidade encontrada
do sudeste para cima.
Mosquitos que eram das matas,
mas migram para outros lugares pela destruição do seu hábitat
pelo homem, trazem risco de novos casos de infecção. A emergência
de novos arbovírus no Brasil está relacionada com a existência
de cidades grandes, populosas e infestada por mosquitos.
Só para termos uma ideia, os arbovírus são responsáveis
por várias viroses importantes como dengue, encefalites
virais, febre do oropouche, do mayaro, chikungunya e muitos
outros. Há também o risco sempre temido da urbanização da
febre amarela, mas pelo menos contra esse agente dispomos
de uma boa vacina.
JU – O que o
país tem feito em termos de políticas públicas para reduzir
ou evitar epidemias?
Clarice Arns – Não
foram desenvolvidas ainda vacinas para os vírus mencionados,
como dengue e chikungunya. Então o que é preciso ser feito
realmente é conhecer melhor o comportamento dos vírus, saber
o que acontece com ele para então tomar medidas de controle.
Não tem jeito, nesses casos é preciso investir em educação
e pesquisa. No caso do chikungunya e do dengue 4, o vetor
é o mesmo mosquito Aedes aegypti, o que nos assusta. São
vírus que podem se disseminar facilmente, e a doença pode
levar a quadros graves. Desenvolver e manter programas de
controle desse mosquito é essencial.
JU – Mas existe
essa parceria entre a comunidade acadêmica e os veículos
de comunicação para informar a sociedade sobre esses novos
vírus?
Clarice Arns – Precisamos
dessa parceria cada vez mais. Essas parcerias existem na
medida em que especialistas da área acadêmica são chamados
a compor comitês dos órgãos governamentais para direcionar
políticas públicas, todavia, a participação de pesquisadores
da área de virologia ainda é menor e precisa ser reforçada.
Queremos nos aproximar da mídia no trabalho de divulgação.
JU – Há contribuição
da academia no sentido de desenvolver pesquisas que possam
mudar este quadro?
Clarice Arns – Sim,
muitos virologistas desenvolvem pesquisa em desenvolvimento
e aplicação de intervenções para tratamento e prevenção
de viroses, inclusive desenvolvimento de vacinas. Para dar
uma ideia, temos nossa sociedade com uma adesão em torno
de 500, 600 sócios, no entanto, nossos encontros giram em
torno de mil pessoas. E desses, em torno de 60% são estudantes
de graduação e pós-graduação. Isso mostra que existe engajamento
e que há muitos jovens na pesquisa em virologia.
A participação entusiasmada
de alunos com comunicações orais e pôsteres é muito grande
e sempre impressiona os pesquisadores estrangeiros que convidamos.
Este ano, vamos premiar o melhor pôster, valorizando essa
participação. Além disso, o encontro ajuda a aproximar esses
estudantes de pesquisadores da área de diferentes partes
do mundo. Por outro lado, os pesquisadores de fora ficam
impressionados com a quantidade de jovens que participam.
JU – Há grupos
da SBV empenhados em desenvolver ou participar de campanhas
de esclarecimentos e conscientização?
Clarice Arns – Sim,
principalmente os que trabalham em serviços de saúde pública,
como a Fiocruz, o Instituto Evandro Chagas e o Adolfo Lutz,
que estão à frente nessa questão.
JU – A senhora
assumiu a presidência da SBV em outubro. Pelo olhar da presidente,
o que pode ser feito de diferente para avançar nas questões
mais importantes da virologia?
Clarice Arns – Em
primeiro lugar, queremos sempre melhorar a qualidade dos
nossos estudos, para contribuir na solução de problemas
e garantir bem-estar à sociedade. Pretendemos investir nos
encontros e nas reuniões entre profissionais e pesquisadores
da área da saúde, pesquisadores e estudantes que atuam nas
diversas áreas da virologia. Por exemplo, este ano vamos
chamar os dirigentes de órgãos de fomento para verificar
o que pode ser feito a mais. Queremos escutar deles o que
eles precisam de nós pesquisadores.
Outra iniciativa é privilegiar
a participação dos alunos, oferecendo cursos básicos sobre
virologia, dando cada vez mais atenção a suas ideias, que
em geral são bem originais. Nossos alunos são a razão da
existência da academia e os principais executores da pesquisa
de bancada.
Sem os alunos, não existimos.
Enquanto estou aqui, eles estão lá no laboratório. Assim
que acontece. Nós damos as diretrizes, e eles executam e
colocam a mão na massa.