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Hidrogel à base de biomateriais pode
ser alternativa para implantes ósseos
Quitosana e hidroxiapatita compõem
produto desenvolvido no IQ
A solução
para o preenchimento de defeito ósseo, especialmente o da
região da face, pode estar num hidrogel à base de biomateriais
como a quitosana e a hidroxiapatita, que foi desenvolvido
no Instituto de Química (IQ). O hidrogel em questão tem como
particularidade o fato de apresentar um teor de componente
inorgânico (a hidroxiapatita) e um teor de componente orgânico
(a quitosana) similares ao encontrados no osso humano, no
qual o componente orgânico corresponde a diversas proteínas,
majoritariamente colágeno. A pesquisadora
da inovação é a química Geovanna Pires.
Ela conta
que o produto deve agora ser levado à escala piloto e, em
seguida, à escala industrial. Mas o primeiro passo nesta direção
já foi dado pela especialista ao entrar com um pedido de depósito
de patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Intelectual
(Inpi), já concedido em 2010. “As indústrias mais interessadas
no produto seriam as de biomateriais e as especializadas em
preenchimento ósseo na área odontomédica”, informa. O trabalho
contou com a orientação dos docentes do IQ Inez Valéria Pagotto
Yoshida e Celso
Aparecido
Bertran, em colaboração com Willian Zambuzzi e Carmen Ferreira,
do Instituto de Biologia (IB). Yoshida relata que um dos objetivos
da investigação foi o estudo de nucleação e o crescimento
de partículas de hidroxiapatita sobre um material que simulasse
o colágeno, comparando-se a nucleação e o crescimento das
partículas da fase inorgânica na presença e na ausência de
siloxanos solúveis (família de substâncias químicas que são
derivadas do silício).
A
nucleação corresponde a um processo no qual moléculas ou íons
dispersos na solução se agregam em aglomerados, em escala
nanométrica. Estes aglomerados constituem o núcleo e apenas
se tornam estáveis a partir de um certo tamanho crítico, que
depende das condições nas quais a nucleação ocorre. É durante
este processo que os íons ou moléculas se arranjam de uma
forma definida e periódica, determinando a estrutura do cristal.
Segundo
a orientadora da tese, existem poucos trabalhos na literatura
que se referem ao valor do silício solúvel na nucleação da
fase inorgânica do osso, apesar de hoje haver um consenso
sobre a importância deste elemento no organismo. “Nós nos
propusemos a estudar o efeito do silício, sob a forma de siloxano,
na nucleação da fase de hidroxiapatita, em presença do material
orgânico”, afirma.
Bertran
comenta que o uso da quitosana como biomaterial é bastante
difundido, contudo pouco foi esclarecido acerca do seu emprego
na formação da hidroxiapatita in situ. Neste sentido, a linha
de pesquisa de Yoshida procurou conjugar o seu conhecimento
no assunto relativo ao comportamento dos siloxanos, introduzindo-os
nos processos que levam à nucleação e ao crescimento in situ
das partículas de hidroxiapatia, por haver fortes indícios
de que tal elemento químico, pertencente ao grupo do carbono,
é também decisivo neste processo. A intenção de Geovanna Pires
foi a de tentar estabelecer os fatos que levam à nucleação
de hidroxiapatita e à incorporação de siloxano neste material.
Características
O hidrogel pode ser preparado de diversas maneiras, desde
a forma de um gel úmido, com resistência suficiente para ser
manipulado e fracionado em um eventual implante ou para a
realização de preenchimento de defeito ósseo, sendo que nesse
caso ele pode ser preparado como um material esponjoso e rígido.
Por ser manipulável, é um forte candidato ao preenchimento.
“Temos portanto um material nas duas formas”, descreve Yoshida.
Ele também pode ser preparado na forma de um xerogel, ou seja,
um gel seco, poroso, com estrutura bem-definida, que poderia
ser utilizado como arcabouço para processos de engenharia
de tecidos.
Após a obtenção do hidrogel,
ele é cortado pelo cirurgião – médico ou dentista – no mesmo
formato da falha óssea, como a de uma fratura, por exemplo,
com o objetivo de preenchê-la. A peça então preparada assumiria
a forma exata para que pudesse ser devidamente implantada
no local.
A
professora revela que a aparência do hidrogel lembra a de
uma cartilagem, enquanto intumescido em solução de fluido
corpóreo ou em solução que pode conter medicamentos importantes
no momento do implante, capaz de atuar como matriz temporária
para auxiliar na proliferação celular e na deposição da matriz
extracelular, para a troca progressiva do biomaterial por
uma estrutura regenerada e reconstituída. Quando seco, parece
um osso. Mas é diferente dos materiais atuais, que já são
encontrados em pedaços sólidos e não moldáveis, os quais,
quando usados para o preenchimento de falhas ósseas, precisam
completar os seus vazios com uma pasta auxiliar. O gel do
estudo desponta como um material único, que elimina totalmente
a necessidade dessa pasta.
Geovanna Pires explica que
a durabilidade do hidrogel ainda não está esclarecida, o que
demandaria testes in vivo. No trabalho, a pesquisadora fez
os testes apenas in vitro. Isso porque, enquanto era desenvolvido
o produto, salienta Yoshida, ocorreu uma mudança na legislação
dos biotérios e, por isso, houve grande dificuldade de acesso
a animais para levar adiante esta etapa.
Benefícios
As principais conclusões da tese estudada é que se formou
um hidrogel moldável constituído de quitosana e de hidroxiapatita
nucleada que cresce in situ. Enquanto intumescido, ou ainda
na forma de xerogel (seco), com uma estrutura rígida muito
semelhante à encontrada em osso desproteinado (poroso), apresenta
uma série de poros interconectados, que vão desde macroporos
até microporos semelhantes ao osso, proporcionando a difusão
de nutrientes para os tecidos.
Além disso, na presença de
silício (não silício elementar, e sim siloxano), a fase de
hidroxiapatita nucleia mais rapidamente e em maior quantidade,
confirmando assim algumas suspeitas descritas na literatura
de que o silício é um componente valiosíssimo na nucleação
da fase inorgânica do osso.
Algumas vantagens ainda associadas
aos biomateriais aqui avaliados é que sua preparação acaba
não gerando resíduos de fabricação e que eles sobressaem entre
outros pela facilidade na fase de moldagem. “Isso poderia
ser feito in loco no ato cirúrgico”, sugere Bertran.
Geovanna Pires garante que
há muitas patentes envolvendo hidroxiapatita e os demais componentes
orgânicos. Contudo, a sua tarefa foi um pouco além: “desenvolvemos
um processo de obtenção diferente, uma vez que a grande maioria
deles relaciona-se a pastas, misturando-se hidroxiapatita
em pó, por processo mecânico, a uma fase orgânica, das mais
diferentes formas, porém sem o controle da estrutura”, completa.
Materiais com controle de
porosidade, prossegue a pesquisadora, é um dos pré-requisitos
para o sucesso da implantação e da regeneração de tecidos
ósseos. Deste modo, quanto mais se assemelhar ao osso, mais
este material terá a chance de ser bem-sucedido. “A propósito,
procuram-se em geral componentes com estrutura que mais se
aproxime do colágeno e da hidroxiapatita”, comenta Yoshida.
O novo hidrogel conseguiu parecer mais com o osso do que os
produtos similares disponíveis no mercado.
Um aspecto bastante curioso
da pesquisa na formação da parte inorgânica do hidrogel é
que, de certa forma, ele está mimetizando aquilo que certamente
acontece na formação do osso. “No organismo, a hidroxiapatita
nucleia e cresce em uma matriz orgânica constituída majoritariamente
de colágeno, que é mais ou menos o que acontece na formação
do hidrogel, no qual a hidroxiapatita nucleia e cresce em
uma matriz de quitosana. Essa é a grande diferença de uma
‘pasta mecânica’ composta de um pó de hidroxiapatita e de
outra fase orgânica”, esclarece Yoshida.
Uma análise de mercado realizada
por meio do projeto de pré-incubação, aprovado em julho de
2009 pela Agência de Inovação Inova Unicamp, envolvendo o
presente projeto, mostrou que existem por volta de 400 empresas
internacionais que atuam em biomateriais e revelou o seu valor
nesta inovação tecnológica e na qualificação de profissionais
preparados para levar os materiais ao conhecimento dos especialistas
da área odontomédica.
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Publicação
Tese de doutorado: “Biomateriais derivados de quitosana
e hidroxiapatita com potencial para preenchimento ósseo”
Autora: Geovanna Pires
Orientadores: Inez Valéria Pagotto Yoshida
e Celso Aparecido Bertran
Unidade: Instituto de Química (IQ)
Financiamentos: Capes e Fapesp
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