Estudo avalia evolução de lesão que
desencadeia câncer do colo do útero
Problema regrediu em 74% das 50
mulheres acompanhadas ao longo de um ano
Ainfecção
genital por papilomavírus humano (HPV) é uma doença sexualmente
transmissível que acomete o trato genital inferior tanto da
mulher como do homem, indistintamente. É um agente que induz
as lesões precursoras e é o principal responsável pelo câncer
do colo uterino. O tratamento de indicação para as lesões
precursoras deste câncer é a sua excisão mediante uma pequena
cirurgia. Outra possibilidade é a destruição da lesão através
de congelamento (criocirurgia), cauterização ou vaporização
por laser. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca),
o câncer do colo do útero é uma importante causa de morte
por câncer em mulheres no Brasil, registrando cerca de 20
mil casos novos por ano.
A transmissão do vírus é feita
sobretudo pelo contato genital com uma pessoa infectada, mas
não se descarta que a transmissão possa ocorrer pelo contato
com objetos contaminados, como toalhas, roupas íntimas, vasos
sanitários e banheira.
Uma pesquisa de doutorado
recém-defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM), orientada
pelo ginecologista do hospital Luiz Carlos Zeferino, docente
da FCM, estudou a evolução de uma lesão precursora do câncer
do colo do útero, ligada ao HPV, especificamente a Neoplasia
Intraepitelial Cervical conhecida como NIC 2. Cinquenta pacientes
portadoras desta lesão foram acompanhadas por 12 meses no
Hospital da Mulher “Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti”, o
Caism da Unicamp. O dado positivo do estudo foi que 74% dessas
mulheres com NIC 2 tiveram regressão espontânea da lesão,
isso sem necessidade de tratamento cirúrgico.
De acordo com a sua autora,
a farmacêutica bioquímica Michelle Garcia Discacciati de Carvalho,
esta é uma boa notícia, já que o tratamento pode trazer algumas
complicações, entre as quais complicações obstétricas como
parto antes do término da gestação e recém-nascido prematuro.
A casuística em questão foi
composta por pacientes com idade média de 26 anos e com lesão
de baixo grau. “Estas lesões aparecem em mulheres mais novas
e, portanto, é fundamental que se preocupe com o futuro obstétrico
delas”, expõe a pesquisadora. “A melhor sistemática para detectar
estas lesões consiste na realização do exame de Papanicolaou,
que pode ser feito em clínicas médicas, nos Postos de Saúde
ou nas Unidades Básicas de Saúde”.
A evolução de uma lesão como
a estudada, explica a pesquisadora, é capaz de atingir quatro
estágios: graus 1, 2 e 3, vindo depois o câncer. Uma lesão
precursora, no entanto, não se trata propriamente de um câncer,
mas carrega potencial para desencadeá-lo.
Os HPV podem ser divididos
em aqueles que são de alto risco oncogênico, por estarem associados
ao câncer, como por exemplo as espécies 16 e a 18; e os de
baixo risco oncogênico, como as espécies 6 e a 11 que estão
associadas às lesões clínicas representadas pelas não menos
incômodas verrugas genitais, chamadas condilomas ou “cristas-de-galo”.
Conforme Carvalho, ela acabou
optando por estudar especificamente a evolução da NIC 2 por
ser uma lesão precursora do câncer do colo uterino que tem
sido sistematicamente tratada. Além disso, Carvalho estudou
alguns testes laboratoriais para saber se eles seriam capazes
de prever a evolução: se a lesão vai regredir ou progredir
para uma lesão mais grave.
O teste analisou o DNA do
HPV (molécula que contém o código genético), sabidamente relacionado
com esta evolução. No caso particular da NIC 2, este teste
laboratorial identificou um grupo de lesões com maior probabilidade
de progredir para NIC 3 ou para o câncer. Outro teste foi
a análise do RNA-mensageiro de genes do HPV (genes que conferem
malignidade a uma célula), contudo este estudo não foi conclusivo
quanto ao papel clínico deste teste.
Casuística
A priori, a pesquisadora procurou
atingir a maior casuística possível para o estudo, enviando
cartas para mais de quatro mil mulheres atendidas nas Unidades
Básicas de Saúde de Campinas e região com exame de Papanicolaou
alterado. Destas mulheres, menos que a metade (cerca de 1.500)
compareceu ao Caism e foi avaliada no Ambulatório de Patologia
do Trato Genital Inferior, por meio de consulta ginecológica.
A seguir, elas passaram por exames mais acurados de biópsia
e colposcopia, além de citologia oncótica novamente.
Ao
final, apenas 50 pacientes atenderam aos critérios de inclusão
da pesquisa, sendo rigorosamente acompanhadas por 12 meses
pelo seu consentimento. Alguns desses critérios envolveram
o fato de não terem nenhum tipo de doença que comprometesse
o seu sistema imune, não estarem grávidas ou não pretenderem
engravidar no período de um ano. De acordo com o apurado por
Carvalho, é interessante ter a garantia de poder seguir de
perto as mulheres portadoras desta doença para que não tenham
nenhum prejuízo no caso de a lesão progredir.
O estudo foi desenvolvido
entre os anos de 2005 e 2008 e faz parte de uma linha de pesquisa
na Unicamp que já gerou duas publicações internacionais sobre
este tema. A farmacêutica informa que os testes do DNA do
HPV foram efetuados no Instituto Ludwig de Pesquisa sobre
o Câncer, ao passo que no Laboratório Salomão e Zoppi realizou-se
a análise dos RNA-mensageiros. No Caism, ocorreu atendimento
e seguimento das mulheres, além da extração do material genético
para os testes laboratoriais.
Carvalho comenta que a rotina
no país é que os médicos optem por tratar imediatamente esta
lesão, pois o protocolo recomenda a excisão ou a cauterização.
Atualmente, o seguimento com exames periódicos, para averiguar
se a doença não está progredindo, é aconselhado exclusivamente
para mulheres adolescentes e muito jovens. Contudo, outro
fato inédito que vem juntar-se a esse, além da constatação
de que 74% das pacientes do estudo com NIC 2 tiveram regressão
espontânea da lesão, foi que a investigação de Carvalho mostrou
que a regressão ocorre também em mulheres numa faixa etária
mais avançada.
Para Zeferino, orientador
da pesquisa, a importância deste trabalho foi que ele conseguiu
identificar um tipo de lesão precursora do câncer do colo
do útero muito frequente em mulheres jovens e que pode ser
seguido com segurança sem tratamento, dando chances de que
ele regrida de forma espontânea. Neste particular, a investigação,
reforça o ginecologista, revelou que a taxa da regressão e
cura depende de algumas características da lesão, mas que
podem chegar a 74% em um ano.
Ao evitar o tratamento desta
lesão, explana Zeferino, são ainda evitadas intervenções no
colo útero, o qual desempenha uma função importantíssima na
manutenção da gravidez até o momento mais apropriado para
que aconteça o nascimento. Intervenções no colo do útero tornam-o
mais frágil, levando-o a dilatar antes do final da gravidez
e, como consequência, acabam gerando o recém-nascido prematuro.
HPV: mitos e verdades
A pesquisadora defende que
é preciso se ver livre do mito de que, tendo o HPV, a pessoa
terá automaticamente câncer, pois a minoria das pessoas
que adquire a infecção por HPV apresentará alguma manifestação
clínica e poderá desenvolver lesões precursoras, porém um
contingente grande destas lesões não progredirá para câncer.
Além disso, entre a transmissão
do vírus e o desenvolvimento do câncer decorrem em média
15 a 20 anos. Nesse processo, a maior parte dessas infecções
é controlada pelo próprio organismo – o sistema imune as
combate e a infecção regride espontaneamente. Outra coisa:
não existe droga de indicação para tratar o HPV.
O exame preventivo de Papanicolaou
identifica mulheres que podem ter uma lesão precursora,
mas não detecta a presença do vírus, relata a autora da
pesquisa. Somente a infecção que persistir poderá resultar
numa lesão precursora e, ainda assim, dependendo de fatores
individuais do hospedeiro, como a resposta imune ou a virulência
e a espécie que está envolvida.
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Publicação
Tese de Doutorado “Valor preditivo da avaliação do DNA e da
expressão dos genes e6/e7 do papilomavírus humano na evolução
da neoplasia” intraepitelial cervical de grau 2”
Autora: Michelle Garcia Discacciati de Carvalho
Orientador: Luiz Carlos Zeferino
Unidade: FCM
Financiamento: Fapesp
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