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A ‘roupa inteligente’ e
a proteção ultravioleta
Engenheiro avalia artigos esportivos
confeccionados com diferentes fibras
O
desenvolvimento de novos produtos têxteis para atletas que
praticam atividades esportivas de alto rendimento tem crescido
numa velocidade muito grande. Consequentemente, esse avanço
tem proporcionado diferentes observações científicas, sobretudo
na última década, cujo intuito tem sido analisar esses tecidos
de diferentes fibras, tanto em relação ao desempenho quanto
em relação ao conforto. No entanto, são raros ou até mesmo
inexistentes os estudos que tratam das malhas sintéticas de
microfibras em misturas com elastano, notadamente aquelas
produzidas em máquinas finas, que utilizam 36-38 agulhas por
polegada.
Devido a vários fatores, entre
os quais se destaca o conforto proporcionado ao usuário, essas
malhas têm alta aceitação no mercado. A fim de avaliar o comportamento
desses artigos com diferentes fibras, especialmente poliamida
e poliéster, o engenheiro têxtil Fernando Gasi focou sua pesquisa
em aspectos como permeabilidade ao vapor, capilaridade e proteção
ultravioleta. De acordo com Gasi, os resultados obtidos dependem
tanto do tipo de fibra como da estrutura da malha. “Existe,
de fato, uma superioridade do tecido de malha de poliamida
em relação ao poliéster, nas três propriedades analisadas”,
garantiu o engenheiro. O trabalho resultou na sua tese de
doutoramento, orientada pelo professor Edison Bittencourt,
da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp.
No que diz respeito às propriedades,
Gasi considerou importante explicar que, inicialmente, durante
uma atividade física ou mesmo numa leve caminhada, a umidade
da pele passará pelos poros do tecido em forma de vapor –
daí a importância em medir-se a permeabilidade ao vapor do
tecido. Porém, se a atividade física se torna mais intensa,
tem-se a dissipação da umidade da pele em forma líquida e
de vapor. “É nesse instante que a propriedade da capilaridade
torna-se importante, por que ela avalia a capacidade de um
tecido transportar líquido ao longo da sua estrutura”, afirmou.
Já com relação à questão da
proteção ultravioleta, o engenheiro adiantou que, em razão
das propriedades das fibras, ele elegeu duas matérias-primas
sintéticas: a poliamida e o poliéster. Tanto uma quanto outra,
na opinião de Gasi, de forma geral, permite uma proteção maior
que a fibra natural encontrada no algodão, principalmente
em função da característica da fibra. Para realizar essa medição,
o pesquisador utilizou como escala uma norma australiana chamada
de “fator de proteção ultravioleta”. Essa norma surgiu como
medida preventiva para os altos índices de casos de câncer
de pele que ocorriam naquela região e atualmente é utilizada
no mundo todo.
O pesquisador alerta, entretanto,
que não se deve confundir essa denominação com o conhecido
“fator de proteção solar”. Fator de proteção ultravioleta
ocorre quando o tecido protege a pele contra a incidência
dos raios ultravioleta. Para obter dados confiáveis, ele utilizou
duas amostras comerciais de poliamida e poliéster e, a partir
de regulagens diferentes, mediu esse fator. O que foi observado
é que existem dois fatores de impacto na proteção ultravioleta.
Um é a estrutura do tecido – quanto mais compacta for a estrutura,
maior a proteção – e o outro é a característica da fibra.
Quando o tecido está sem tensão, tanto a poliamida como o
poliéster apresentam proteção máxima. “É o que chamamos de
50+, protegendo 99,9% segundo a norma australiana”, assegurou.
Porém, quando se aplica uma
tensão nesse tecido o que se percebe é que a poliamida mantém
essas propriedades de proteção e o poliéster, não. E isso
acontece por dois motivos. O primeiro é que quando se estica
essa malha – e isso acontece normalmente quando se veste uma
blusa – a estrutura fica mais vulnerável. Portanto, a importância
da fibra é maior e nesse caso a poliamida ofereceu uma proteção
mais significativa. O segundo motivo explica essa questão.
A poliamida tem um componente que se chama dióxido de titânio,
um agente para tornar o produto opaco, cuja concentração é
superior ao encontrado no poliéster. Gasi esclareceu ainda
que, se durante a produção do poliéster for adicionada a mesma
concentração do dióxido, tornará o produto extremamente abrasivo.
“Então, durante o processo de texturização do fio acarretaria
um desgaste de peças nos equipamentos por conta de um atrito
muito grande”, garantiu.
Por meio de uma análise do
estudo comparativo é possível, segundo o pesquisador, ver
a curva de absorção dos raios ultravioleta pelos tecidos.
Por meio da taxa de transferência é possível calcular o quanto
cada tecido protegeu a pele do usuário. “A fibra que transmite
mais radiação protege menos”, disse Gasi. Para confirmar os
resultados, ele adquiriu as amostras do mesmo fabricante,
com o mesmo diâmetro de fio e o mesmo fator de cobertura para
cada um dos tecidos, na mesma máquina e no mesmo dia. “E cada
matéria-prima foi feita em duplicata para confirmar o resultado”,
reafirmou.
Atualmente, quando um atleta
necessita de uma vestimenta leve para participar de competições,
a importância da fibra se torna ainda maior. Portanto, obter
esses parâmetros para cada produto que se produz é importantíssimo
porque é uma forma eficaz de proteção. “Se uma camiseta diz
que protege no fator 50+, isso significa que irá proteger
quase 100% contra raios ultravioleta UVA e UVB”, assegurou
Gasi.
Acerca das possíveis mudanças
de comportamento que essa pesquisa possa ocasionar na indústria
têxtil, o pesquisador acredita que já estejam em curso, uma
vez que é perceptível que o consumidor de material esportivo
está cada vez mais exigente. Quando o atleta sai para comprar
um produto para uma determinada atividade esportiva, o que
ele quer saber é se o tecido proporciona troca de calor com
o meio ambiente, se ele tem secagem rápida e se possui algum
outro benefício a mais. “Se a gente percebe que o planeta
está cada vez mais quente e que as pessoas cada vez mais têm
que se proteger das radiações solares, eu não tenho dúvida
que esse é um atributo importante. É essa a mudança que a
gente percebe no comportamento”.
Em termos comparativos, Gasi disse que se o atleta utilizar uma
camiseta de algodão para praticar uma atividade física sob
uma temperatura de 30°C, por exemplo, todo o suor produzido
pelo corpo será absorvido pelo tecido. Isso significa que
o tecido terá uma secagem lenta, ficará mais pesado, transmitindo
uma sensação de desconforto ao atleta. “Quando se fornece
uma camiseta sintética de poliamida, que tem uma secagem rápida,
uma troca de calor e protege da radiação solar, não está se
dando apenas uma vestimenta. Trata-se de uma roupa com atributos
a qual chamamos de ‘roupa inteligente’ ”, disse Gasi.
Entretanto, para o pesquisador,
quando se vai falar de condição do atleta está implícito falar
de um conjunto de fatores. É preciso analisar o que é importante,
no caso de um tecido inteligente, para a parte superior e
para a parte inferior do corpo humano. Por exemplo, no caso
de uma mulher, é obvio que na parte de cima a proteção ultravioleta
é importante, assim como a troca de calor, a secagem rápida,
a leveza e o conforto. Para a parte inferior, é importante
que se tenha uma compressão adequada, uma vez que uma vestimenta
com essa qualidade melhora o que Gasi chama de ‘propriocepção’
– percepção de si mesmo – e isso faz com que o sincronismo
dos movimentos de uma atleta melhore. Fora isso, com a compressão
adequada, a vibração muscular é menor, ou seja, muitas vezes
ocasiona uma melhora na dor do dia seguinte. É um conjunto
de fatores que proporcionará ao atleta, segundo ele, uma performance
melhor. Tanto que já é possível ver, até mesmo em Olimpíadas,
partes do corpo cobertas pela tecnologia da compressão.
Questionado a respeito do
ineditismo de sua pesquisa, o engenheiro têxtil foi enfático
ao afirmar que desconhece estudo igual ao seu, que mostra
as curvas de absorção comparando estruturas com a mesma cobertura
e densidade de tecido em várias regulagens, com tensão e sem
tensão. O próximo passo, revelou Gasi, será fazer um comparativo
com a roupa mais úmida. “Pouquíssimos lugares no Brasil fazem
esse tipo de ensaio. Esse foi feito no Laboratório de Simulação
em Ciência dos Materiais da FEQ, que possui uma máquina especialmente
para fazer esse tipo de trabalho e é credenciado pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, ressaltou.
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Artigos
GASI, F. ; BITTENCOURT, E.; Fernando Barros Vasconcelos. Estudo
Comparativo das Propriedades de Permeabilidade ao Vapor, Transporte
de Umidade e Proteção Ultravioleta em Malhas de Poliamida
6.6 e Poliéster com Elastano. Química Têxtil, v. 98, p. 36-40,
2010.
GASI, F. ; BITTENCOURT, E.. Evaluation of Textile Materials
in Physical Activity. Chemical Engineering Transactions, v.
17, p. 1777-1782, 2009.
Publicação
Tese de doutorado “Comparativo das Propriedades de Permeabilidade
ao Vapor, Capilaridade e Proteção Ultravioleta em Tecidos
de Poliamida 6.6 e Poliéster em Tecido de Malha para Atividade
Física”
Autor: Fernando Gasi
Orientador: Edison Bittencourt
Unidade: Faculdade de Engenharia Química
(FEQ)
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