MARIA
ALICE DA CRUZ
Estudos
com tumor Walker 256 desenvolvidos no Laboratório de Nutrição
e Câncer do Instituto de Biologia da Unicamp (IB) abrem
possibilidades para a melhoria da qualidade de vida de pacientes
com câncer. Apesar de optarem por temas diferentes, as pesquisadoras
Emilianne Miguel Salomão (doutorado) e Rebeka Tomasin (mestrado)
buscaram em testes com ratos wistar meios para inibição
de crescimento e apoptose de tumores e diminuição de risco
de caquexia (perda de peso involuntária).
Enquanto a educadora
física Emilianne estudou e comprovou a eficiência da combinação
nutrição-exercício físico na redução da caquexia, Rebeka
buscou na medicina popular, especificamente num homogeneizado
(mistura) de mel e babosa, um coadjuvante para o tratamento
tradicional de pacientes com câncer. “Há vários estudos
que comprovam a eficácia anticâncer da babosa e do mel,
isoladamente, então decidi investigar como funcionam os
dois juntos”, explica Rebeka.
Os estudos fazem parte
de uma série de pesquisas básicas desenvolvidas no laboratório
para auxiliar no avanço de investigações mais aprofundadas
nas áreas de medicina e farmácia. As pesquisadoras enfatizam
que as pesquisas foram realizadas somente com animais e
não focalizam a prevenção à instalação do tumor. “Não estudamos
a cura do câncer. A ideia é que esses estudos possam contribuir
para garantir qualidade de vida aos pacientes com câncer,
colaborando com o tratamento convencional. No caso de meu
estudo, a proposta é reverter o quadro de caquexia com auxílio
de terapia alternativa”, explica Emilianne.
A caquexia causa impacto
negativo sobre a habilidade de respostas dos pacientes diante
do tratamento antineoplásico, constituindo-se no ponto crucial
do sucesso do tratamento e, consequentemente, interferindo
em sua expectativa de vida, de acordo com Emilianne. Os
resultados de testes realizados com um grupo de ratos wistar,
nos quais foi injetado tumor Walker 256, revelaram que a
suplementação nutricional com leucina (aminoácido que atua
como sinalizador celular e fonte energética para o músculo
esquelético) e exercício físico, em longo prazo, promove
melhora no ganho de peso corpóreo, com redução do peso do
tumor; diminui a degradação muscular esquelética, associada
a maior expressão de miosina muscular (principal proteína
contrátil do músculo esquelético); traz melhora da resposta
inflamatória; melhora a expressão gênica de transportador
de glicose muscular e melhora, também, o diâmetro da fibra
muscular.
“Os animais treinados
diminuíram, de fato, a degradação proteica muscular, além
de melhorar a resposta inflamatória. Quanto aos animais
implantados com tumor tratados com dieta normal (normoproteica)
e sedentários, houve aumento da degradação e, consequentemente,
redução da síntese proteica muscular e aumento da resposta
inflamatória, quando comparados aos demais grupos”.
A pesquisadora explica
que a leucina age, principalmente, como sinalizador celular,
aumentando a síntese e diminuindo a degradação de proteína
muscular esquelética, enquanto o exercício físico promove
aumento do consumo de glicose, diminuindo os níveis de glicose
e insulina circulantes, consequentemente, reduzindo a oferta
desse substrato às células tumorais. “É preciso ingerir
este aminoácido, pois nosso organismo não é capaz de sintetizá-lo.
A massa corporal magra, em particular musculatura esquelética,
diminui em proporção direta os efeitos da massa neoplásica.
Assim, a redução da síntese e o aumento da degradação proteica
têm sido frequentemente observado nos pacientes com câncer,
sendo o principal fator responsável pela redução do tempo
de vida desses pacientes. Então, suplementamos leucina aos
animais para minimizar os efeitos provocados pela caquexia,
ajudando a melhorar o metabolismo de proteína muscular,
comprometido pelo crescimento do tumor”, explica.
Emilianne acentua
que os exercícios aeróbios de intensidade leve a moderada
ajudaram a minimizar as alterações metabólicas do tecido
de ratos diante do crescimento tumoral. “Vimos que os animais
treinados têm redução no crescimento do tumor, pois o exercício
físico promove aumento do consumo de glicose pelos tecidos
ativos saudáveis durante o exercício, diminuindo os níveis
de glicose e insulina circulantes, consequentemente, reduzindo
a oferta desses substratos para o crescimento tumoral”,
explica.
A atividade física,
segundo Emilianne, possui grandes efeitos protetores que
podem ajudar a prevenir ou retardar o desenvolvimento do
câncer. “Divulgam sempre na mídia informações sobre a importância
da atividade física em problemas cardíacos ou neurológicos,
mas quase não divulgam a contribuição do exercício para
a qualidade de vida em pacientes com câncer”, acrescenta
a educadora.
Na sua opinião, a
atividade física pode ser oferecida a pacientes que estejam
na fase inicial ou até mesmo em estágios mais avançados,
desde que os pacientes estejam em condições físicas. Apesar
de não poder precisar a cura, já que os estudos não foram
realizados com humanos, sabe-se que o índice de cura, com
tratamento precoce, é muito grande, segundo a autora. “Quando
diagnosticado o surgimento de câncer em algum paciente,
e logo inicia-se o tratamento tanto com quimioterapias,
radioterapias, quanto intervenções alternativas, tais como,
nutricionais associadas a prática de atividades físicas,
ou qualquer terapia que venha a ajudar esse paciente, será
possível obter resultados positivos”, diz Emilianne.
As terapias contra
o câncer, na opinião da educadora física, deveriam ser multidisciplinares.
A atividade física, quando bem supervisionada, também pode
favorecer o estado psicológico do paciente. “É uma alternativa
no auxílio do tratamento psicológico, pois os pacientes
que praticam atividade física podem reduzir a ansiedade
e a depressão”, acrescenta.
Os ratos foram treinados
até o período pré-agônico, gerando resultados positivos,
já para um paciente nessas condições, a prática de atividade
física pode não ser recomendável. “Mas sabe-se que os efeitos
do exercício de intensidade leve em animais, mesmo nessas
condições, são positivos”, pondera Emilianne.
Ela explica que o
desenvolvimento neoplásico causa alterações dos processos
homeostásicos e metabólicos dos pacientes com câncer, desencadeando
a caquexia, que pode levar à morte na maioria dos casos.
A perda de peso é decorrente da depleção da proteína muscular
em razão do aumento da degradação ou da diminuição da síntese
proteica, com consequências drásticas à massa corporal e
ao estado funcional do paciente. “O câncer-caquexia promove
redução da força muscular e da resistência cardiovascular,
alterações imunológicas, anorexia, dentre outras debilidades”,
informa.
A caquexia se desenvolve
geralmente em estágio avançado do câncer e em alguns tipos
de carcinoma, principalmente os de trato gastrointestinal,
segundo Emilianne. Quando o paciente está em um quadro de
caquexia avançada, no qual a perda de massa muscular é grande,
a resposta ao tratamento radioterápico ou quimioterápico
não é a mesma de um paciente que não teve perda de massa
muscular. Na opinião da educadora física, para tentar melhorar
o estado caquético do paciente, é preciso melhorar a qualidade
de vida e, assim, aumentar a sobrevida. A atividade física,
quando bem supervisionada, pode ser uma excelente alternativa
no auxílio do tratamento e reabilitação dos pacientes com
câncer.
Composto de mel e babosa
se mostra eficaz em animais
A
medicina popular poder ter prós e contras, mas antes de
tomar partido, é importante desenvolver estudos acadêmicos
para avaliar as propriedades terapêuticas de ervas e produtos
popularmente utilizados. Entre aqueles que já demonstraram
efeito anticâncer em estudos com ratos, estão a Aloe vera
(conhecida como babosa) e o mel. A partir desses estudos,
a bióloga Rebeka Tomasin, do Laboratório de Nutrição e Câncer,
decidiu combiná-los em um homogeneizado, o mesmo utilizado
na medicina popular, para avaliar sua ação sobre o crescimento
tumoral e a caquexia em ratos Wistar portadores de tumor
de Walker 256. De acordo com a bióloga, os animais tratados
com o homogeneizado após a indução do tumor apresentaram
resultados positivos na diminuição da massa tumoral e nos
efeitos modulatórios sobre os tecidos do hospedeiro (rato
portador de tumor) e simultâneo efeito deletério sobre o
tecido tumoral.
Rebeka explica que no modelo
estudado não houve efeito preventivo contra o estabelecimento
do tumor, já que os animais tratados previamente apresentaram
pouca ou nenhuma resposta positiva. A proposta, assim como
no trabalho de Emilianne, é desenvolver pesquisa básica
para mostrar a possibilidade de alguns produtos fitoterápicos
auxiliarem no tratamento tradicional.
Em um dos experimentos que
integraram o estudo, foram coletados tecidos hepático e
tumoral de animais sacrificados após 7, 14 e 20 dias de
implantação do tumor. A ação do homogeneizado foi diferente
no tecido hepático e tumoral: análises imunohistoquímicas
de tumores provenientes de animais tratados com o homogeneizado
revelaram, ao longo do desenvolvimento tumoral, queda na
taxa de proliferação celular e aumento na suscetibilidade
à apoptose (morte celular programada). Quando comparados
a animais que receberam soro fisiológico, os ratos tratados
apresentaram menor peso relativo do tumor. Já a análise
do tecido hepático dos animais tratados mostrou queda na
suscetibilidade à apoptose em relação aos animais que não
foram tratados com Aloe vera e mel. Desta maneira, a ação
dos componentes ativos do homogeneizado de Aloe vera e mel
prejudica o crescimento e aumenta a propensão à apoptose
das células neoplásicas, além de evitar dano hepático, muito
comum devido a fatores tóxicos liberados pelo tumor.
Em outro experimento, após
21 dias de evolução tumoral, análises morfométricas, associadas
à quantificação de proteínas séricas, bem como avaliação
de estresse oxidativo em órgãos como fígado, músculo e coração,
mostraram que o homogeneizado de Aloe vera e mel, quando
administrado de forma terapêutica, pode auxiliar na modulação
do estresse oxidativo, na espoliação e na caquexia.
A análise do estresse oxidativo
e da atividade de enzimas antioxidantes revelou que nos
animais tratados com Aloe vera e mel, os tecidos hospedeiros
foram “protegidos”, enquanto o tecido tumoral sofreu maior
“ataque” oxidativo.
Baseada nestes resultados, Rebeka propôs que, neste modelo
experimental, a administração de Aloe vera e mel preserva
a integridade dos tecidos hospedeiros enquanto provoca detrimento
do tecido tumoral.
Para a bióloga, o estudo
de tratamentos alternativos e coadjuvantes é de grande valia.
Ela pontua que, além das terapias convencionais como quimioterapia,
radioterapia e cirurgia, atualmente tem se investido muito
em terapias coadjuvantes na tentativa de melhorar ainda
mais o prognóstico da doença e a qualidade de vida do paciente.
Porém, no caso específico de sua pesquisa, ainda não foram
realizados testes em humanos. O que se tem até o momento
é pesquisa básica que poderá ser apoio a futuros estudos
na área médica e farmacêutica.
Rebeka acrescenta que os
estudos in vivo utilizando organismos-modelo têm sido essenciais
para compreensão do comportamento de inúmeras doenças por
possibilitar ainda a observação do desenvolvimento patológico
e a reação corporal diante de diferentes intervenções e
novos tratamentos, oferecendo assim resultados preliminares
mais seguros antes de testes em seres humanos.
Estudos realizados anteriormente
mostraram que a Aloe sp contém várias propriedades terapêuticas
importantes, incluindo prováveis efeitos anticâncer e que
os ingredientes farmacologicamente ativos estão concentrados
tanto no gel quanto na casca da folha.
Rebeka pontua que, embora alguns dados afirmem que o mel
seja comparado ao açúcar em seus valores nutritivos e que
proteínas, minerais e vitaminas estão em baixa quantidade,
tendo, portanto, pouca importância nutricional, há evidências
de que o mel seja um agente moderador antitumor, com relevantes
efeitos antimetástase.
Ela enfatiza a importância
em desenvolver estudos com plantas, o que pode desmistificar
muitos aspectos do discurso popular sobre efeitos terapêuticos.
Por outro lado, o isolamento das substâncias que compõem
uma determinada planta pode trazer ganhos para o desenvolvimento
de fármacos. “Setenta por cento dos quimioterápicos utilizados
atualmente são derivados de plantas, mas para chegar até
a utilização clínica foram necessários anos de estudo. Muitas
vezes, as pessoas fazem uso de determinada planta medicinal,
mas ela pode conter alguma substância nociva; portanto é
essencial o isolamento das substâncias responsáveis pela
atividade desejada”, explica.
De acordo com dados da Organização
Mundial da Saúde levantados por Rebeka, o câncer é responsável
pela morte de quase 8 milhões de pessoas anualmente, sendo
que são diagnosticados mais de 11 milhões de novos casos
por ano.
As pesquisas multidisciplinares
têm sido importantes para estudar a associação de métodos
no tratamento de doenças, mas ainda são poucos estudos que
fazem associações como o homogeneizado de Aloe vera e mel
e a prática de atividades físicas e nutrição. “Fico feliz
quando descubro um estudo parecido, pois nosso objetivo
é contribuir com outras áreas do conhecimento para garantir
qualidade de vida aos pacientes”, conclui Emilianne. (M.A.C.)