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Novas configurações
do mundo do trabalho
Soluções para o desemprego são tema de tese defendida
no IFCH
As
soluções alternativas para o desemprego ganham grande expressividade
no Brasil em âmbito nacional, tanto do ponto de vista das
teorias quanto da organização de cooperativas de trabalho
apoiadas pelo governo ou movimentos sindicais. As cooperativas
ou associações eclodiram durante uma das maiores crises de
desemprego enfrentadas pelo país, na década de 1990, quando
líderes sindicais, especialmente ligados à CUT, trabalhadores
e representantes de governo se apressaram em criar a empregabilidade
e a cidadania a partir de processos de geração de trabalho
e renda, incluindo os fundos de amparo ao trabalhador para
a construção de centros de referência ao trabalhador.
De acordo com a pesquisadora
Claudete Pagotto, essas novas alternativas de trabalho surgem
como forma de atenuar os efeitos do desemprego. Trabalho de
campo e estudo bibliográfico desenvolvidos por ela oferecem
informações sobre a organização das cooperativas e as teorizações
sobre economia solidária, entre as quais do economista Paul
Singer, que, na mesma época, abriram para a possibilidade
de novas formas de organização econômica e de trabalho. Luiz
Inácio Gaiger e José Luis Coraggio são outros nomes citados
pela pesquisadora como fundamentais para se entender esse
processo.
A pesquisa, segundo Claudete,
se pautou por um estudo da temática sobre cooperativas, autogestão
e grupos coletivos. Uma das iniciativas visitadas por ela,
a Uniforja, em Diadema, uma forjaria que fornece material
para a Petrobras, surgiu com o apoio do Sindicato dos Metalúrgicos,
como forma de manutenção do trabalho, na qual os funcionários
demitidos dariam continuidade às atividades da empresa, mas
trabalhando no sistema de cooperativismo. “Dos anos 1990 para
cá houve também processos de falência de empresas. Então os
trabalhadores, a partir de uma assessoria do sindicato, buscaram
formas de manter o trabalho”, explica Claudete.
O termo economia solidária,
segundo a pesquisadora, teria surgido como um dos temas do
Congresso da CUT, em 2003, reunindo trabalhadores e lideranças
sindicais. A iniciativa de ampliar as alternativas de empregabilidade
levou à implantação de projetos maiores, como a Unisol e a
Agência de Desenvolvimento Solidário, ligadas à CUT, e a Secretaria
Nacional da Economia Solidária (Senaes), administrada por
Singer, para apoiar empreendimentos gerados em determinadas
prefeituras. “Nesse momento, a CUT passa a modificar, diversificar
sua ação sindical. Tem-se então a luta do trabalhador formal,
mas também tem a luta dos terceirizados e desempregados”,
acrescenta Claudete. Na nova realidade, outras entidades se
congregam nas incubadoras de cooperativas vinculadas à Igreja
católica, como a Cáritas, organizações não-governamentais
(ONGs) e em projetos de extensão de universidades, segundo
a pesquisadora.
De acordo com a pesquisa Atlas
da Economia Solidária, realizada em 2007, o Brasil conta com
21.800 cooperativas ou associações. Isso compreende aproximadamente
1,6 milhão de pessoas, sendo 40% homens. Apesar de impressionar,
o número é ínfimo, segundo Claudete, do ponto de vista da
inserção dessa forma de trabalho na população economicamente
ativa. “Não dá para dizer se isso realmente muda a forma de
organização da estrutura econômica, porque movimenta um montante
muito pequeno de valores. E também a quantidade, mesmo sendo
1 milhão de pessoas, não representa do ponto do vista dos
60 milhões da PEA, nem 1% da população”, informa. Mas por
outro lado, na opinião de Claudete, é uma resposta que o poder
público pode adotar como políticas públicas como forma de
limitar o desemprego e oferecer oportunidade aos que estão
nessa condição de promover outras formas de organização do
trabalho.
Um dado interessante na declaração
feita pelos cooperados do ABC Paulista para o Atlas da Economia
Solidária e também para a pesquisa de Claudete é o uso da
retirada da cooperativa para complementar a renda familiar.
O valor da chamada retirada, segundo Claudete, é muito pequeno
para garantir o sustento de uma família de quatro ou cinco
pessoas, mas complementa a renda familiar.
Precarização
No
processo de formação de uma cooperativa, do trabalho autogestionário,
os princípios coletivos podem se perder, mas Claudete pede
cautela com a precarização do trabalho e pondera: “Como manter
os princípios coletivos, democráticos que se apreendem agora
numa empresa?” Segundo a pesquisadora, a cooperativa irá comercializar
pensando também numa perspectiva solidária, na qual se pretende
unir o pensamento de empresa com o pensamento coletivo. “Estão
em fase de transição. Com isso, eles podem assalariar outras
pessoas, contratar assalariados. A mentalidade é a do patrão
de si mesmo”, acrescenta.
Essa pode ser considerada
a ambiguidade que envolve a cooperativa, na opinião de Claudete:
ao mesmo tempo em que ela tem conteúdo de resistência ao desemprego
e questiona o processo que gerou o desemprego, ao se tornar
cooperativa o mercado e as relações fazem com que ela se torne
um fim em si mesmo. “Então elas tendem a se isolar e tornar-se
empresas”, explica. A pesquisadora ressalta que mesmo com
tendência à autonomia, as cooperativas são uma resposta limitada
tanto ao desemprego quanto a processos de valor democrático.
Se entre os trabalhadores
desempregados a cooperativa está em primeiro plano, em outras
formas de organização coletiva surgidas de movimentos sociais,
como o Movimento de Trabalhadores Sem-Terra, ela é parte de
um grande projeto de cooperação. Ao conversar com dirigentes
do movimento, Claudete constatou que a cooperativa não é um
fim último, pois o que vem antes é o princípio da cooperação.
Um estudo de cooperativas
de organização agroecológica (chamadas de comuna urbana ou
comuna da terra) mostra claramente a convicção dos grupos
de que não é com a cooperativa que vão mudar o mundo, mas
ela dará condições para criar escolas, por exemplo. Na região
de Jandira, em São Paulo, a pesquisadora teve contato com
um sistema de mutirão, apoiado por recursos do governo federal,
em que as casas construídas estão rodeadas de pequenas edificações
onde funcionam padaria, oficina de costura, que fazem parte
do processo de geração de renda. Além disso, eles têm no entorno
teatro, creche e escola.
Claudete explica que esta
forma de organização não deixa de ter elementos comuns com
economia solidária e outras experiências, como fábricas cooperativas
de trabalho, mas se organiza fora da crise de emprego. “Já
são caminhos que foram criados desde os anos 1990, que hoje
se estabelecem como natureza do movimento”, acrescenta.
Novas relações sociais
“Terminamos a tese, mas ainda
pensamos nessas questões, pois elas não são conclusivas. Elas
estão em curso e estão sendo geradas, discutidas e valorizadas.
Acredito que seja uma nova forma de organização que possa
gerar outras discussões ou novas formas de sociabilidade”,
diz Claudete. Diferentemente do mundo do trabalho assalariado,
em que cada profissional corre atrás de seu objetivo individual,
na cooperativa, apesar de objetivos particulares, as relações
são ampliadas e, diante disso, o trabalhador que antes era
acostumado a simplesmente fazer seu trabalho tem de conhecer
o processo todo. E, além disso, o cooperado deve se inteirar
das relações que envolvem o mercado e também da interação
com o outro.
Segundo Claudete, o processo
objetivo da lógica do sistema é fazer com que ela seja precarizada.
“É preciso ter uma resistência dos próprios trabalhadores
e das políticas públicas para que se tenha uma assessoria
no sentido da formação na consolidação numa resistência ao
trabalho precarizado porque a tendência é se precarizar”,
complementa Claudete.
Nas cooperativas que foram
objeto de estudo, a origem já vem de processo de organização
anterior e de formação, mas há situações no país em que os
trabalhadores nem sabem que são cooperados, como é o caso
de organizações que surgiram da falência de empresas de confecção
do Paraná que foram objeto de um estudo grande de sociólogos
do Ceará e da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” (Unesp). “Trata-se de arregimentação
de pessoas que têm o vínculo, porque a cooperativa não possui
vínculo entre os cooperados nem entre o tomador de seu serviço.
Nos anos 1990, foi um chamariz para assegurar as leis trabalhistas.
Ou seja, nesses casos, o cooperado não sabe, não participa,
nem sabe que é cooperado, ou se sabe, pode identificar quem
é o presidente, porque as relações de uma empresa não sumiram”,
explica. A isso, segundo Claudete, os estudiosos chamam de
“encobrir uma relação assalariada por outra”, pois o trabalhador
perde praticamente todos os direitos; o que sobra para ele
na cooperativa é a retirada.
Em alguns casos em que a empresa
se tornou cooperativa, os trabalhadores receberam ganhos maiores
em relação ao salário que recebiam, mas de contrapartida,
passaram a arcar com ônus de INSS e outros tributos que seriam
da empresa. “Isso tem de ter assessoria contábil, jurídica.
Por isso o apoio do poder público ou da universidade é muito
importante para auxiliar na formação e na administração das
cooperativas”, explica Claudete.
De carona na ideia de economia
solidária, mas de forma deturpadora, surgem algumas iniciativas
fraudulentas em canaviais, na colheita de laranjas e algumas
confecções do nordeste. Nestes casos, Claudete explica que
a denúncia é feita para o Ministério Público, que, por meio
da Justiça do Trabalho, tem intensificado a fiscalização.
“Isso é uma realidade que não está tão longe de nós e vem
em forma de denúncia. O processo de escravização dessas pessoas
é muito grande. Mas nas cooperativas que estudei, os projetos
são realizados com seriedade”, pontua.
Movimento atrai
atenção de teóricos
Economia popular solidária,
economia solidária ou economia social. Estas são as designações
que surgem nas teorias sobre as novas organizações do trabalho,
abordadas num primeiro momento por Paul Singer, economista
vienense radicado no Brasil e atualmente secretário nacional
da Economia Solidária. Segundo Claudete, Singer teria tido
relações muito fortes com a intelectualidade marxista. Exilado
durante a ditadura, sua herança judaica permitiu que tivesse
contato com os kibuts, organização israelense de cooperativas
socialistas. Quando foi secretário na gestão de Luiza Erundina
na Prefeitura de São Paulo, em 1990, o economista já havia
iniciado sua gestão de processos do que fazer com essa população
desempregada.
Durante gestão da Erundina,
Singer cria na USP um grupo de discussão, que se tornou
uma incubadora, a partir de um exemplo espanhol, a Cooperativa
de Mondragón. Ao mesmo tempo, outros movimentos surgem no
Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e também na Argentina,
no Uruguai. A nova discussão se espalha em todo o Brasil,
e a intectualidade de esquerda vê no movimento a possibilidade
de organização dos trabalhadores a partir do trabalho. “Paul
Singer é uma referência importante pela sua trajetória e
por incentivar no ambiente intelectual essas novas formas
de organizar o trabalho”, acrescenta Claudete. No governo
Lula, se torna o secretário da Secretaria Nacional de Economia
Solidária - Senaes”, explica Claudete.
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Artigos
A ideologia política da economia solidária. Revista Eletrônica
Espaço Acadêmico. v. 09, p. 93, 2009.
Apontamentos acerca das principais formas de cooperação na
China entre 1950 a 1960. Revista Novos Rumos. , v.21, p.68
- 80, 2005.
Cooperação e cooperativas: instrumentos de organização e de
resistência dos trabalhadores sem-terra, Revista Lutas Sociais
(NEILS/PUCSP). , v.11/12, p.161 - 169, 2004.
Ajustes e rupturas: cooperativismo e lutas sociais no Brasil
contemporâneo. Claroscuro Revista Del Centro de Estudios Sobre
Diversidad Cultural. Rosário/Argentina v.3, p.177 - 194, 2003.
Publicação
Tese “Produção associada na era da precarização estrutural:
uma análise da atuação das cooperativas de trabalho”
Autora: Claudete Pagotto
Orientador: Ricardo Antunes
Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas (IFCH)
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