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Extrato fitoterápico tem atividades
analgésica e anticâncer, revela tese

Compostos foram extraídos da planta popularmente conhecida como sucupira

ISABEL GARDENAL

O farmacêutico Humberto Moreira Spindola desenvolveu em sua tese de doutorado no Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp, pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), uma investigação sobre as atividades analgésica e anticâncer (ou antitumoral) de dois compostos: vouacapano e geranilgeraniol, extraídos da planta Pterodon pubescens Benth, popularmente conhecida como sucupira. Os primeiros resultados positivos mostraram, em roedores, que essa planta realmente possui estas propriedades. Trata-se ainda de uma pesquisa básica, mas que traz a possibilidade, em alguns anos, de resultar num produto para o tratamento da dor. Cogita-se uma provável aplicação, ainda que embrionária, como pomada, ou creme de massagem, para aliviar as dores reumáticas, além de um produto de uso oral também indicado para essas dores.

Além do desenvolvimento de um fitoterápico produzido com o extrato bruto ou uma fração enriquecida com os princípios ativos, existe a possibilidade de desenvolvimento de um medicamento somente com o uso de uma substância ativa. “Pode ser um medicamento para tratamento inclusive da dor do câncer”, relata o pesquisador.

O trabalho desenvolvido por meio de modelos in vitro e in vivo fez a avaliação de extratos, frações e compostos obtidos da Pterodon. A ideia, conta Spindola, foi compreender quais substâncias dentro do extrato funcionavam e de que maneira isso acontecia. Para isso, o pesquisador estudou mecanismos de ação e precisou padronizar vários modelos experimentais em laboratório. A parte experimental foi realizada no CPQBA da Unicamp entre os anos de 2006 e 2010, orientada pela professora Mary Ann Foglio, que também participa do Programa da FOP, área de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica. No mestrado, o farmacêutico estudou o extrato bruto da planta, sem se preocupar com as substâncias que seriam as responsáveis pelas duas atividades.

Segundo Foglio, a sucupira é uma árvore alta que atinge cerca de 40 metros, sendo encontrada no Cerrado dos Estados de Minas Gerais, Goiás, São Paulo e Mato Grosso do Sul e região Nordeste. Ela relembra que a literatura também atribui à sucupira uma ação anti-inflamatória – como tônico depurativo –, analgésica e, pelo uso popular, antirreumática. Da semente, se extrai um óleo viscoso e cada parte da planta acumula diferentes tipos de substâncias.

As sementes são facilmente achadas no mercado popular de plantas e, por terem passado por um processo de secagem, têm uma boa preservação, o que tem gerado grande interesse comercial por elas. Desta forma, como a procura é intensa, mais do que nunca hoje existe a necessidade de comprovar a segurança de seu uso pela população.

As folhas de sucupira já foram igualmente analisadas, relata Spindola, “não tendo a mesma atividade que os extratos das sementes, provavelmente por não conterem os mesmos princípios ativos”. Um dos pontos favoráveis da semente é que se trata de um material renovável e que fornece o produto com atividade analgésica e anticâncer, não exigindo derrubada de árvores.”

Em um estudo anterior desenvolvido no CPQBA, averiguou-se a variabilidade de sementes de diferentes origens, notando-se que todas elas tinham as mesmas classes de compostos, contudo com algumas variedades. Também foi avaliada a potência destas sementes e observou-se que todas elas acabaram por acumular um composto bastante estável, um vouacapano (vouacapano é uma família de compostos; portanto pode-se falar genericamente um vouacapano ou chamá-lo por seu nome, que é éster 6α,7β-diidroxivouacapano-17β oato de metila), envolvido tanto na atividade analgésica como na atividade anticâncer.

Spindola valeu-se do conhecimento desses estudos para ampliar o seu. Primeiramente fez o fracionamento e a padronização do que seria testado, partindo, a seguir, para a avaliação da atividade em diversas linhagens tumorais humanas. Constatada a atividade in vitro, o próximo passo foi realizar o ensaio in vivo, mediante padronização de um modelo experimental utilizando camundongos.

Foram feitos experimentos da atividade antinociceptiva (contra a excitação nervosa que provoca uma sensação dolorosa ou sua reação) e depois a determinação de possíveis mecanismos de ação que possam estar envolvidos na atividade dos compostos com maior potencial de atividade analgésica. A principal conclusão foi que ela funciona.

Foglio explica a diferença entre a atividade nociceptiva e a dor. O último termo é relacionado mais ao ser humano, pois envolve componentes ligados ao sofrimento, ocasionados pelo estímulo. A dor envolve inclusive a reação psicológica do indivíduo. Com o animal, não há condições de mensurar isso. Na verdade, o que se mensura é a resposta a um impulso dolorido. Logo, isso está ligado à nocicepção, que pode ser avaliada experimentalmente.

Mecanismos

Diferente dos mecanismos de ação da morfina, por exemplo, as substâncias estudadas demonstraram potencial para inibir a dor, sendo que os estudos de toxicidade determinarão se os efeitos adversos serão menores do que os produzidos pelos produtos disponíveis no mercado. “Interessa-nos encontrar substâncias que, além da atividade analgésica, tenham menos efeitos adversos”, expõe a orientadora.

Foram reproduzidos alguns ensaios para comparar a morfina com as substâncias isoladas do extrato. Quando se avalia a ação analgésica, exemplifica Foglio, diversos mecanismos podem estar envolvidos. E ele avaliou alguns destes mecanismos, que envolvem oito vias. Dentre elas, foram identificadas duas vias principais: a serotonina e os receptores imidazólicos.

Spindola pontua que ainda há muito a se fazer na etapa de mecanismos de ação, porém o que se pôde apurar foi a possibilidade de descartar outras vias e, descartando-as, consegue-se determinar estas duas como as principais, pelas quais estes compostos atuam modificando a atividade fisiológica.

Contudo, para chegar a um novo medicamento a partir desta planta, avisa Foglio, é preciso comprovar três parâmetros. O primeiro é se ele é eficaz: se tem atividade analgésica e/ou contra o câncer. O pesquisador conseguiu comprovar que funcionava e agora está tentando esclarecer de que maneira funciona. O segundo é a reprodutibilidade deste produto, que está relacionada com sua constância. Quando se trabalha com extratos e, portanto com uma mistura de muitas substâncias, é preciso garantir que isso seja reprodutível. O trabalho de Spindola conseguiu contemplar o parâmetro de eficácia enquanto a aluna Leila Servat, na sua dissertação de mestrado, os parâmetros de reprodutibilidade.

O terceiro parâmetro, o de segurança, está envolvido com a toxicidade. Como são os efeitos sistêmicos dos produtos dessa planta? Muitos falam de uso crônico ou uso continuado. A pessoa pode usar este produto todos os dias sem nenhum problema? Estas indagações poderão em parte ser respondidas pelos estudos de toxicidade não clínica. Esta etapa deverá ser iniciada em breve. Se o produto não apresentar toxicidade, a outra parte da comprovação virá com os estudos clínicos em pacientes. “Mas será um longo estudo”, adianta o pesquisador.

No Brasil, existem vários grupos trabalhando com o tema. Ressalta-se que esta linha de pesquisa do CPQBA – Avaliação de atividade antinociceptiva de moléculas bioativas – tem sido desenvolvida inclusive por conta desse trabalho coordenado por Foglio, fitoquímica que atua na determinação estrutural, identificação das moléculas e produção dos extratos, e pelo farmacologista João Ernesto de Carvalho, responsável pela Divisão de Farmacologia e Toxicologia do CPQBA. É uma parceria que vem dando certo há mais de uma década.

Entre o dado popular que funciona até chegar a um medicamento levam anos. Isso ocorre porque é necessário comprovar que funciona, que se consegue fazer um produto reprodutível e que ele é seguro. Spindola enfatiza que estes estudos ainda estão numa etapa inicial em que se comprovou que os extratos da planta funcionam.

Muitos fatores têm que ser considerados, mas de que forma? “Quando se fala em forma, estão sendo inclusive consideradas as formulações: fazer um produto de uso oral ou tópico?”, ensina Foglio. “Há um leque muito abrangente de perspectivas. Se for tópico, pela legislação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), é necessário fazer todos os estudos de toxicidade que incluem os de irritação da pele e de toxicidade oral, de doses repetidas. Basicamente esses estudos avaliam se o uso continuado de uma substância pode apresentar efeitos adversos graves que inviabilizem sua utilização em humanos.”

Caso não sejam observados efeitos adversos graves, prossegue ela, os estudos clínicos podem ter início e compreendem várias etapas. Para avaliação da atividade analgésica, na primeira etapa o produto é avaliado em voluntários sadios, quando podem ser observados efeitos adversos e realizados estudos de farmacocinética (absorção, distribuição, metabolismo e eliminação da substância do organismo).

Aprovado nessa etapa, na segunda o produto será avaliado em um grupo reduzido de pacientes, agora avaliando a eficácia e também os possíveis efeitos adversos. Na terceira etapa, envolvendo um grupo com número elevado de pacientes, sua eficácia será comparada com outros produtos já existentes para a mesma indicação.

Para avaliação da atividade anticancerígena, os estudos clínicos têm início com pacientes cuja doença esteja em estado avançado. Passando por essa primeira fase, é possível avaliar a atividade em pacientes com a doença em estágios iniciais. “É um trabalho que irá consumir pelo menos dez anos até conseguir colocar o produto no mercado”, estima Foglio. “Enquanto não forem realizadas todas as etapas, não se pode, de maneira alguma, recomendar o produto.”

Infelizmente muitas pessoas, ao saberem dessa pesquisa, ficam sobremodo empolgadas e já querem ver resultados. “É necessário tomar cuidado, pois sabemos que ela funciona em animais, conhecemos as substâncias envolvidas, mas ainda não temos dados suficientes de segurança e eficácia clínica”, salienta Spindola.

Conforme a orientadora do estudo, o órgão que regulamenta o uso de medicamentos fitoterápicos é a Anvisa. Os resultados de todos esses estudos são avaliados por esta Agência que poderá, ou não, registrar o produto. Com o registro, a empresa pode iniciar a comercialização do produto. Isso significa que na embalagem e no rótulo de cada medicamento deve existir um número de registro fornecido pela Anvisa.

Muitas “empresas”, de forma ilegal, comercializam produtos sem essa autorização, expondo a população a sérios riscos. Deve-se portanto sempre adquirir os produtos em farmácias e drogarias, e verificar se o número de registro consta no produto. Produtos comercializados pela Internet geralmente não possuem o registro, adverte João Ernesto. Na dúvida, o paciente deve consultar a Anvisa através de sua página na Internet: www.anvisa.gov.br.

Isso também está acontecendo com as sementes de sucupira. Algumas “empresas” estão comercializando produtos à base dessas sementes, inclusive utilizando dados desses estudos da Unicamp. “Podemos afirmar que até o momento não existem medicamentos fitoterápicos à base de sucupira autorizados (registrados) pela Anvisa”, informa João Ernesto.

A pesquisa de Spindola foi financiada pela Fapesp e contou com o amparo de uma equipe formada por botânicos, agrônomos, farmacêuticos, químicos e médicos. Outras pesquisas estão sendo realizadas para a padronização e estabilidade do extrato. Também estão sendo desenvolvidos processos de microencapsulação para viabilizar a proposição de novos produtos.

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Artigos
Spindola, H.M.; Carvalho, J.E.; Ruiz, A.L.T.G.; Rodrigues, R.A.F.; Denny, C.; Sousa, I.M.O.; Tamashiro, J.Y.; Foglio, M.A. Furanoditerpenes from Pterodon pubescens Benth with selective in vitro: anticancer activity for prostate cell line. J. Braz. Chem. Soc., 20(3):569-75, 2009.
Spindola, H.M.; Servat, L.; Denny, C.; Rodrigues, R.A.F.; Eberlin, M.; Cabral, E.; Sousa, I.M.O.; Tamashiro, J.Y.; Carvalho, J.E.; Foglio, M.A. Antinociceptive effect of geranylgeraniol and 6a, 7ß-dihydroxyvouacapan-17 ß-oate methyl ester isolated from Pterodon pubescens Benth. BMC Pharmacology, 10:1, 2010.

Publicação

Tese de Doutorado “Atividade antinociceptiva do óleo das sementes de Pterodon pubescens Benth (Leguminosaes-Papilionoidea)”
Autor: Humberto Moreira Spindola
Orientadora: Mary Ann Foglio
Unidade: CPQBA
Financiamento: Fapesp
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