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As novas vertentes de Messiaen

Carmo Gallo Netto

 

Adriana Lopes da Cunha Moreira, autora da tese: pesquisa amplia referências bibliográficas (Foto: Antoninho Perri)O resgate do caminho percorrido pelo conhecimento e pela arte é fundamental para entender seu desenvolvimento e vislumbrar novos horizontes. Principalmente, quando realizado através de seus maiores. Foi o que moveu Adriana Lopes da Cunha Moreira ao propor uma associação de técnicas de análise musical desenvolvidas durante os séculos XX e XXI aos conceitos teóricos utilizados pelo compositor francês Olivier Messiaen (1908-1992) nos dois volumes do livro Technique de mon langage musical e nos três primeiros volumes do Traité de Rythme, de Couleur et d’Ornithologie, publicações de 1944 e 1994, respectivamente. Além de ampliar a vertente teórica do compositor, o trabalho contribui para o aumento da reduzida bibliografia em língua portuguesa sobre análise musical.

O compositor francês Olivier Messiaen (Foto: Reprodução/Divulgação)A análise musical, esclarece Adriana, é uma vertente teórica do estudo que procura explicar como se dá o funcionamento de composições, útil para que estudiosos possam entender o desenvolvimento da arte musical e para que compositores aprendam o que já foi produzido e possam desenvolver trabalhos que signifiquem um passo à frente no seu tempo. Ela permite também que os intérpretes trabalhem as peças de uma forma embasada e não arbitrária. Além da compreensão, a análise musical busca explicar para estudantes de música, intérpretes e compositores como uma determinada peça opera, como se desenvolve, como seus elementos musicais interagem, onde o compositor encontrou o material utilizado e como o trabalhou.

Ela confessa que a escolha do tema da tese, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música da Unicamp, teve influência do compositor brasileiro Almeida Prado, por quem declara profunda admiração, mestre e amigo, e ex-aluno de Messiaen no Conservatório de Paris, onde o compositor foi professor de composição e análise musical. Adriana diz que, embora a música do compositor francês seja ocidental, pois este estudou profundamente Beethoven, Mozart, Bach e técnicas de composição muito próximas deles, dedicou-se intensamente à compreensão das rítmicas grega e indiana, o que o levou a uma música diferente de qualquer outra. Sua profunda religiosidade mística revela-se no seu encantamento por vitrais de igrejas e suas cores que se transformaram em composições. Mostrou-se igualmente fascinado pela natureza. Na seqüência, algumas das fontes de inspiração de Olivier Messiaen: interior da Catedral  de St-Etienne, em Bourges (Fotos: Reprodução/Divulgação)Rítmicas não ocidentais, religiosidade e fascínio pela natureza, pelas montanhas e particularmente pelo canto dos pássaros levaram-no a desenvolver uma linguagem muito particular na literatura musical, que não se assemelha à de outros grupos de compositores. Desde a infância, quando começou a compor, tendo escrito o Prélude nº1 aos doze anos, se pôs à procura consciente de uma linguagem única, automaticamente atribuída a ele por quem ouve suas composições.

Vitrais da Sainte-Chapelle, em ParisAdriana considera que o resgate de Messiaen é importante porque teve grande influência no século XX como compositor e professor de grandes autores como Pierre Boulez, Pierre Henry, Jean Barraqué, Karlheinz Stockhausen, Iannis Xenakis, Yvonne Loriod, Almeida Prado e Tristan Murail. Estudá-lo leva ao resgate de significativas influências que deixou em certas vertentes percorridas pela música de composição. Ela afirma que na música do século XX o estudo de determinados compositores como Beethoven, Mozart, Bach é fundamental para entender certas vertentes musicais, e entre eles situa Messiaen, Debussy, Stravinsky, Cage, Varèse, Berio e Penderecki.

O  pássaro Rouge gorge (pisco de peito ruivo)Acha seu estudo fundamental para a compreensão dos procedimentos composicionais de outros compositores representativos. Diz que no século XX têm-se compositores que caminharam em paralelo e deram origem a diversas tendências contíguas. Estudá-los permite melhor degustação dos caminhos percorridos pela música.

Adriana se propôs na tese, orientada pela professora Maria Lucia Pascoal e co-orientada pelo professor Mauricy Matin, inter-relacionar técnicas de análise musical desenvolvidas durante os séculos XX e XXI e associá-las aos conceitos proferidos por Olivier Messiaen; ampliar o referencial teórico do compositor econtribuir para a bibliografia sobre análise musical em língua portuguesa; bem como analisar cinco de suas peças para piano, contextualizando-as. Conclui o trabalho traçando vertentes tanto em relação às técnicas de análise utilizadas, como em relação à obra de Messiaen como um todo.

Vista do Mont Blanc a partir de Chamonix, nos Alpes francesesA autora considera ainda que a postura aberta do compositor perante os acontecimentos artísticos levou-o a descobertas diárias, sobretudo autodescobertas, em que toda a experiência vivida pode tornar-se música.

Diz ainda que Messiaen, ao criar uma linguagem própria, baseou-a em uma amálgama de materiais que pareciam díspares – em um misticismo religioso católico, na natureza, na pesquisa sobre o canto dos pássaros, na pesquisa da rítmica grega e indiana e numa visão psicológica das cores que lhe sugeriam sons e música. Traduziu esses elementos extramusicais em notas musicais, compondo com base nisso. Adriana entende que esse diferencial norteia a compreensão desse compositor.

Fachada da Église de la Sainte Trinité, em Paris, onde o compositor trabalhou como organista, entre 1931 e 1992Técnicas
Adriana lembra que a música do século XX é de audição mais complexa. Existem técnicas que ajudam o analista a explicar como a peça opera, funciona e é construída. Entre essas técnicas, a que mais costuma utilizar é a teoria dos conjuntos de sons, que pode ser aplicada à grande parte da música instrumental produzida nessa época. Mas existem também técnicas específicas para análise da rítmica, da textura, do contorno melódico – que mostram como esses parâmetros musicais interagem entre si. Ela associou essas técnicas mais generalizantes às de Messiaen, pois as deles só podem ser utilizadas em suas composições. Ao fazê-lo, constata, abre-se a possibilidade de se aprofundar na forma como ele pensava e trabalhava sua obra. Essa foi a idéia central que norteou o trabalho. O público conhecedor das técnicas do século XX, que aprendeu analisando obras de Beethoven, Mozart, Bach, Villa-Lobos, Almeida Prado, pode, a partir desse conhecimento, compreender a maneira como Messiaen trabalhava.

Um fato sucedido na vida de Messiaen e que seus biógrafos não esclarecem, conta Adriana, está ligado ao Brasil. Como o compositor tinha a idéia de publicar um segundo Catalogue d’oiseaux utilizando sons de pássaros de outros países que não a França, iniciativa de Almeida Prado levou o reitor da Unicamp da época, professor Aristodemo Pinotti, a acertar sua vinda ao Brasil. Enquanto pesquisasse o canto dos pássaros brasileiros, lecionaria composição musical e sua esposa, Yvonne Loriod, piano no curso de música da Unicamp. Acertaram-se com antecedência calendário, ornitólogo que o acompanharia e patrocínio. Mas quando a vinda do compositor se avizinhava, houve cancelamento do patrocínio. Messiaen, que já anunciara a realização do projeto, assumiu outros trabalhos e não voltou mais ao assunto. Com sua morte, seus biógrafos ficaram sem saber por que o projeto não foi concretizado. O assunto só voltou à baila com a participação de Almeida Prado no exame de qualificação de Adriana.


 
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