No
caso de incêndio em um edifício, a temperatura onde se
registra o foco pode atingir 600 graus
centígrados em apenas seis minutos. Sujeita
a este calor, uma coluna de aço passa a sustentar apenas
metade da carga para a qual foi dimensionada e “entra em
ruína” – na expressão utilizada pelos técnicos para caracterizar
a ruptura do material. No World Trade Center, a temperatura
nos pontos atingidos pelas aeronaves chegou a 1.800ºC.
O primeiro forno construído no Brasil para simular uma
situação de incêndio com elementos estruturais em tamanho
real, sob carregamento, está na Faculdade de Engenharia
Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. “É um
forno específico para colunas e a temperatura interior
chega a 1.300 graus”, explica o professor Armando Lopes
Moreno Junior, responsável por este primeiro projeto financiado
pela Fapesp, iniciado em 2004 e recém-concluído.
Um novo projeto pela Fapesp é temático e envolve a construção
de mais dois fornos. Um deles, para ensaios com lajes e
vigas, terá as dimensões de um quarto: 4m x 4m e 3m de
altura; no outro serão feitos testes com paredes. “Completaremos
assim a gama de elementos estruturais que precisam ter
o comportamento avaliado em situação de incêndio”.
Segundo Armando Moreno, este projeto previsto para quatro
anos será desenvolvido em conjunto com duas unidades da
USP: a Escola de Engenharia de São Carlos, que tem tradição
em estudos com estruturas de madeira e de aço, e a Escola
Politécnica, que contribuirá principalmente com a simulação
dos ensaios em computador.
Experimentos em fornos com incêndios padronizados permitirão
estabelecer parâmetros nacionais de segurança, além de
soluções mais econômicas e adequadas à realidade brasileira.
“As normas existentes no país baseiam-se em resultados
experimentais obtidos no Exterior. A simulação do comportamento
dos nossos materiais em situação de incêndio, e com nossas
técnicas de construção, pode orientar um padrão nacional
de dimensionamento”, diz o professor da FEC.
Colunas mistas
Geraldo Silveira Leite Junior, aluno de doutorado que trabalha
no inédito forno já em funcionamento na FEC, dá o exemplo
das colunas de aço ocas preenchidas com concreto, largamente
empregadas na construção civil mundial, mas desconsideradas
no Brasil. “Observamos nos ensaios que o preenchimento
melhora o comportamento da estrutura, aumentando a resistência
e rigidez da coluna. A coluna mista permite diâmetros
menores e custos também menores”.
De acordo com Armando Moreno, a coluna mista de aço e de
concreto se destacou também por um melhor comportamento
em situação de incêndio, por vezes dobrando o tempo da
ruína quando comparado à mesma coluna sem preenchimento.
“O concreto ‘resfria’ o aço, retardando o processo de ruína
estrutural. Se um pilar de aço entra em ruína a 600 graus,
o preenchimento com concreto pode aumentar o tempo e o
nível de temperatura que a estrutura pode suportar”.
O mestrando Mateus Sarcedo Sant’Anna, também participante
do projeto, acrescenta que o desconhecimento sobre o comportamento
da coluna mista justifica sua rara utilização no país.
“O concreto é um preenchimento barato e de fácil utilização,
que oferece economia de materiais de revestimento contra
o fogo. A questão é que tudo vem da literatura internacional,
não há informações nacionais sobre o assunto”.
Geraldo Leite explica que, durante um incêndio, a coluna
de aço convencional, geralmente retilínea, sofre uma deformação
exagerada, entrando em ruína acima de certos limites de
carga. Para Mateus Sant’Anna, a ocorrência de incêndios
em edifícios não é freqüente, mas desastrosa quando acontece.
“É importante pensar em todas as possibilidades para minimizar
as perdas humanas e materiais. E vimos que a coluna mista
é um elemento favorável”.
A preocupação dos pesquisadores com o revestimento contra
fogo se deve ao seu alto custo para as condições do país,
mas esclarecem que o concreto armado tem comportamento
excelente em situação de incêndio. “No caso, a armadura
de aço, material menos resistente ao calor, está envolta
pelo cimento, que faz com que a temperatura interna seja
bem inferior à do incêndio. Quanto maior o cobrimento de
concreto, maior a proteção contra a ruína”, esclarece Armando
Moreno.
Preço do pioneirismo
O professor lembra que sua equipe na FEC, formada por dez
pesquisadores, sujeitou-se inclusive a acidentes durante
a construção do forno e os ensaios com colunas. “Tivemos
que projetar praticamente todo o equipamento. Quando
se tem acesso à bibliografia internacional, os autores
estrangeiros descrevem apenas o que deu certo e nada
do que deu errado. No nosso caso, foram tantos os imprevistos
que a conclusão do projeto teve dois anos de atraso”.
Moreno se refere a queda de materiais durante a simulação
de carga sobre os pilares, choques elétricos e até explosões
de amostras, com todos trabalhando próximos a temperaturas
extremas. “É um estudo que se completa. Avaliamos desde
o comportamento do aço ou do concreto até o elemento estrutural,
sob carregamento, executado com esses materiais. O comportamento
do concreto, por exemplo, pode ser avaliado por meio de
amostras em fornos pequenos – e foi quando ocorreram explosões
das amostras, o chamado spalling”
Um problema do concreto, como esclarece o docente da Unicamp,
é o lascamento explosivo, quando o material sofre um desplacamento
a altas temperaturas. “O concreto é poroso. Cada poro contém
água e vai funcionar como uma pequena panela de pressão.
A água transformada em vapor tenta escapar por microfissuras
do concreto e, quando esta fuga é rápida, tem um efeito
explosivo – é o spalling, concreto a mais de 600oC explodindo
em pequenos pedaços”.
O grupo da FEC prosseguirá com os ensaios para evitar o spalling, focando misturas com concretos de alta resistência
a compressão, mais sujeitos ao fenômeno. Segundo Armando
Moreno, os estudos podem contribuir para que o meio técnico
científico nacional emprego concretos de alta resistência
com segurança. “Já foram construídos edifícios com este
tipo de concreto em nosso país, mas seu comportamento em
situação de incêndio ainda não foi totalmente esclarecido.
São respostas a questões como esta que este projeto pioneiro
pode trazer”.
A engenharia de segurança como ciência
Os pesquisadores envolvidos no projeto temático Fapesp informam
que nos países desenvolvidos a engenharia de segurança
é considerada ciência,
fazendo parte dos cursos de graduação e de pós-graduação
sobre o tema. Aqui, estados como São Paulo e Minas Gerais
determinam a verificação das estruturas em situação de
incêndio, em que pesem as dificuldades para se fazer cumprir
a legislação, devido ao pouco conhecimento técnico sobre
o comportamento das estruturas em situação de incêndio.
O Brasil adotou maior rigor em relação a instalações de
segurança contra incêndio depois das tragédias do edifício
Andraus em 1972 e dos edifícios da Caixa Econômica do Rio
de Janeiro e do Joelma em 1974, que resultaram em 195 mortes.
No Estado de São Paulo, outros incêndios graves, como do
Grande Avenida e do prédio da Cesp na Capital, resultaram
em medidas legais efetivas em 1994 e 2001, por meio de
decreto. Em 2005 foram publicadas 38 instruções técnicas.
Edifícios de fácil desocupação podem dispensar a verificação
da segurança estrutural, exceto quando haja interesse de
proteção patrimonial. Edifícios de grande porte, em que
o tempo de desocupação é de difícil determinação, ou edifícios
com alto risco de incêndio, devem ter a segurança estrutural
verificada para evitar o colapso, permitindo assim a desocupação
e execução de reforços para sua reutilização.
Métodos analíticos de dimensionamento de edifícios em concreto
em situação de incêndio são pesquisados por diversas instituições
científicas da Europa, Oceania e América do Norte, à procura
de uma padronização. Levam-se em conta as características
geométricas dos elementos estruturais (forma, dimensões,
cobrimentos das armaduras) e as reduções de resistência,
com critérios de segurança adequados à situação excepcional.
A norma da União Européia, Eurocode 2, apresenta princípios
a serem utilizados no dimensionamento, mas sem detalhamento
completo.
No Brasil, considerando-se apenas as características geométricas,
conclui-se que para o tempo requerido de resistência ao
fogo (TRRF) igual a 30 e 60 minutos, os elementos estruturais
com dimensões usuais atendem, com poucas exceções, às prescrições
internacionais, exceto as lajes pré-moldadas tipicamente
utilizadas no país, que demandam estudos mais aprofundados.
Entretanto, no caso de edificações de maior risco, cujo
TRRF é igual ou superior a 90 minutos, as dimensões usuais
ainda estão aquém das exigências internacionais. Os pesquisadores
consideram que o meio técnico brasileiro precisa se conscientizar
da importância de se seguir padrões internacionais para
o dimensionamento das estruturas de concreto em situação
de incêndio, visando à qualidade do desempenho das construções.
Os pesquisadores julgam ainda que o processo de proteção
por meio de revestimento contra fogo, largamente utilizado
no Brasil, é dimensionado com base em ensaios simplificados,
que consideram um limite de temperatura de 550 °C. Este
método, segundo eles, é antieconômico em grande parte das
situações, num país que não pode se dar ao luxo de desperdiçar
material.