As patentes das universidades
públicas
Renato Dagnino
Rogério Bezerra da Silva
As
universidades públicas brasileiras superaram as empresas
em solicitações de patentes junto ao Instituto Nacional
de Propriedade Intelectual. E a Unicamp é a campeã...
Há professores que comemoram! Eles consideram que patentes
registradas pelas universidades são bons indicadores de
inovação e aumentam a competitividade do país. E defendem
que elas sejam incentivadas como tem feito a Unicamp, dado
que podem gerar benefícios econômicos para a universidade
e, indiretamente através de empresas que venham a utilizá-las,
para a sociedade que a mantém.
Outros não aceitam a via
do “mercado”, mas argumentam que se as universidades não
patentearem os conglomerados multinacionais se apossarão
do conhecimento desenvolvido; e isto não é justo. Citando
quase sempre o exemplo associado ao “binômio” Embrapa x
Monsanto, eles defendem que o conhecimento seja patenteado
e transferido ao movimento social organizado.
Um terceiro grupo pensa
diferente em relação à questão dos indicadores. Discordam
dos primeiros dizendo que as patentes das universidades
públicas dificilmente contribuirão para melhorar a vida
dos pobres. E dizem, também para o segundo grupo, que se
o objetivo é retribuir com conhecimento aqueles que com
o fruto do seu trabalho são os que mais colaboram para que
possamos fazer pesquisa em meio a um crescente número de
instituições privadas e tendo que contrariar tantos outros
interesses, devemos fazer isso diretamente.
Municiar esse debate parece
essencial para orientar nossa instituição. E seria desastroso
se os resultados alcançados e as metas propostas na Unicamp
por aqueles professores primeiramente citados fossem tomados
como exemplo a ser emulado por outras universidades públicas
brasileiras. Por isso, nos iremos referir primeiro aos seus
argumentos.
Sobre a questão dos indicadores,
vale a pena olhar o que ocorre nos EUA, país que é sempre
citado por aqueles professores como exemplo a emular quando
se trata de temas como o que nos ocupa.
Logo de início, é importante
frisar algo que é sabido, mas raramente mencionado por eles.
Nos EUA a participação das patentes universitárias no total
— cerca de 3% — é quase — significante e, no Brasil, as
universidades são responsáveis por 59%! De fato, entre os
anos de 2001 e 2008, elas solicitaram 1.359 patentes contra
933 das empresas.
Essa situação, que se repete em outros países avançados,
nos leva a pensar que é inerente ao bom funcionamento do
capitalismo o fato de as universidades não gerarem patentes.
Na verdade, sua contribuição
para a inovação e a competitividade das empresas não decorre
das patentes que gera. Para a sociedade, que pode por essa
via, ainda que com os vazamentos que o capitalismo impõe,
ser beneficiada, as patentes tampouco são importantes.
Um
fato significativo, mas que nada tem a ver com isso embora
seja citado como se tivesse, é a tendência de utilização
do conhecimento proveniente de instituições públicas para
a geração de patentes por empresas. Tanto nos EUA quanto
em outros países avançados, a intensidade de citação de
trabalhos científicos nas patentes, embora seja variável
(é quase dez vezes maior na área de fármacos do que na de
componentes eletrônicos, por exemplo), tem aumentado significativamente.
Mas para proporcionar mais
elementos de avaliação, retiramos dentre os muitos que existem
na bibliografia sobre o tema três conjuntos de informação
lamentavelmente pouco citados pelos que apóiam as iniciativas
de “patenteamento nas universidades”.
Primeiro: a significativa
correlação observada — entre número de trabalhos científicos
e patentes — existente nos EUA ao longo do tempo e, numa
visão estática, em outros países avançados, não tem porque
ser assumida, como nos alerta a Estatística, como causalidade.
Na verdade, é outra correlação dinâmica — entre o gasto
em P&D empresarial e patentes —, a que explica causalmente
o crescimento das patentes observado nos EUA e naqueles
países. O que “de lambuja” explica porque os papers brasileiros
não se transformam (e nem é provável que venham a sê-lo)
em patentes.
Segundo: as empresas estadunidenses
não estão interessadas nas poucas patentes geradas na universidade
para obter maiores lucros. Na realidade, nem sequer estão
interessadas nos resultados que a pesquisa universitária
pode gerar: apenas 1% do que a empresa gasta em P&D
é contratado com as universidades. O que “de lambuja” explica
o fracasso da experiência dos nossos “Parques e Pólos de
Alta Tecnologia” e mostra o quão improvável é a meta de
“transferência de conhecimento” da universidade para a empresa
perseguida pela Política de C&T em curso.
Terceiro: o importante para
as empresas de lá não é o conhecimento intangível ou incorporado
em patentes, processos ou equipamentos que a universidade
pode produzir. É, sim, o conhecimento incorporado em pessoas
que, absorvidas pelas empresas, irão realizar a P&D
que garante diferenciais de lucro cada vez mais apoiados
em “progresso” tecnológico. Nos EUA, cerca de 70% dos mestres
e doutores que se formam em “ciências duras” e engenharias
a cada ano vão fazer pesquisa na empresa privada.
Dado que é assim que a universidade
estadunidense através das empresas pode contribuir para
a sociedade, cabe indagar o que acontece no Brasil.
Há aqui uma diferença ainda
mais gritante do que a de 20 vezes da relação entre os 3%
dos EUA e os 59% do Brasil referente à participação das
patentes universitárias no total.
De fato, no ano que vem o Brasil formará 30 mil mestres
e doutores em ciências “duras” e engenharias. Se as empresas
contratarem 10% a mais dos 3 mil que nelas fazem P&D,
estarão absorvendo apenas 1% daqueles que serão formados.
O que dá, grosso modo, uma relação de 70 vezes!
Voltando ao debate: os que
não acreditam que as patentes das universidades brasileiras
possam servir para melhorar a vida dos pobres e defendem
uma agenda de pesquisa alternativa àquela que os orienta
a produzir conhecimento para as empresas, precisam saber
que nem mesmo para elas a agenda dominante é importante.
De fato, há muito tempo
todos sabemos que as empresas aqui localizadas não demandam
conhecimento científico-tecnológico autóctone para serem
lucrativas. Nossa condição periférica, com sua dependência
cultural que condiciona um padrão produtivo e tecnológico
imitativo e com baixa remuneração da classe trabalhadora
que induz, “envia” um sinal de mercado às empresas que determina
um comportamento — racional e justificado — avesso à P&D.
As pesquisas realizadas
pelo IBGE – as Pintecs – têm produzido a base empírica que
nos faltava para comprovar a veracidade das análises críticas
que têm sido feitas desde os anos 60. Dado que temos explorado
essa informação em outros artigos, não as repetiremos aqui.
Mas os que querem reorientar
a agenda de pesquisa para atender outros atores, como os
empreendimentos solidários, os movimentos sociais ou o próprio
Estado, podem estar preocupados com o que se poderia deixar
de ganhar com a mudança. Para eles, indicamos uma realidade
relacionada à Unicamp e outras duas do cenário internacional.
Das 470 patentes solicitadas
pela Unicamp ao INPI entre 1989 e 2006, foram obtidos 50
registros. Os quais deram origem em 2006 a 30 contratos
de licenciamento firmados com 24 empresas, que geram uma
receita média anual de R$ 250 mil. O que corresponde a 0,13%
do orçamento de pesquisa da Universidade e a apenas 0,02%
de seu orçamento total. O que não surpreende se comparamos
essa porcentagem com o que significa, do orçamento da universidade
estadunidense, aquele 1% do gasto de P&D da empresa
com ela contratada. Ele representa, por casualidade, 1%
do orçamento total da universidade.
Ou seja, as iniciativas
de “patenteamento nas universidades” não geram nem mesmo
ganhos financeiros de curto prazo para o conjunto da Universidade.
O que não quer dizer que, tal como ocorre em qualquer área
de política pública – sempre um misto de policy e politics
–, não beneficiem alguns dos seus segmentos...
É dos EUA a primeira realidade
do cenário internacional. O sucesso de algumas grandes universidades
na produção de patentes associado às injunções e facilidades
do sistema universitário estadunidense, provocou a partir
dos anos de 1980 uma “febre” de criação de escritórios de
patentes semelhante à que hoje se verifica no Brasil. O
resultado tem sido pouco alvissareiro: pesquisa junto a
62 das maiores universidades estadunidenses mostrou que
em 60 delas (97%) as receitas obtidas com a exploração de
patentes foi inferior ao custo de montagem e manutenção
dos escritórios.
A outra ocorreu quando a
“febre” cruzou a fronteira. O caso mexicano, também bastante
mais antigo que o brasileiro, ainda que impressionista,
é elucidativo. Em conversas off the record, o encarregado
do escritório da UNAM nos anos de 1980 revelou que a grande
maioria das patentes que elaborava a pedido dos seus colegas
era un agradito para que eles pudessem fazer jus à gratificação
que o sistema de merit pay já então implantado concedia
aos “pesquisadores inventores”.
Apresentados os argumentos
que servem para contextualizar a posição daqueles professores
que comemoram o “sucesso patenteador” da universidade pública,
é necessário um outro esforço: o de dialogar com os que
não aceitando a via do “mercado” ressaltam a injustiça que
seria deixar que as multinacionais se apossem do conhecimento
desenvolvido na universidade.
É uma démarche mais complexa,
ainda que mais significativa para a universidade. Ela tem
sido abordada em outros trabalhos e não seria adequado retomá-la
aqui. Apenas lembraremos que ela está associada a uma questão
sistematicamente protelada: qual é a agenda de pesquisa
que nos interessa explorar?
Que siga o debate...