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Tese relativiza papel do setor de serviços
no crescimento e na geração de emprego

LUIZ SUGIMOTO

Ricardo Azevedo Silva, autor da tese: “Os dados sugerem que nosso terciário vem crescendo estimulado pela terceirização” (Fotos: Antoninho Perri)Nos últimos anos, criou-se o senso comum de que o setor de serviços é o que mais cresce na economia brasileira e chegam a lhe atribuir um peso de 60% do PIB, bem acima da indústria e da agricultura. “Não é verdade. Considerando os valores de mercado, o terciário já alcançou 56% do PIB em 1993, mas caiu para 46% em 2004 [última série do IBGE]. Já o peso da indústria é de 43%, bastante semelhante, mostrando que o Brasil ainda possui uma forte base industrial, ao contrário do que pregam os defensores da tese da desindustrialização”, afirma o economista Ricardo Azevedo Silva.

Estes e outros índices que contrariam também a tese da “terciarização” – de que a economia, conforme amadurece, passa a ser ditada pelo terciário – estão no estudo em que Ricardo Silva avalia o desempenho do setor de serviços no crescimento econômico e na geração de emprego, englobando o período de 1985 a 2006. Ele acaba de defender a tese de doutorado no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob orientação do professor Cláudio Salvadori Dedecca.

Com graduação e mestrado igualmente na Unicamp, o autor da pesquisa decidiu voltar à academia depois de dez anos na iniciativa privada, atraído pelo curso de desenvolvimento econômico. “Apesar do maior interesse que os serviços vêm despertando recentemente, este ainda é o menos estudado dos macro-setores da economia. Entre 2003 e 2006, o Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), o Dieese e o CNPq realizaram um grande projeto de pesquisa no setor, que envolveu muitos pesquisadores e gerou várias dissertações e teses na Unicamp”.

Além de se ocupar dos dados do IBGE sobre o PIB, o estudo de Silva esmiúça as edições da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) constatando, entre outras coisas, que o setor de serviços detinha 53% do emprego em 1985, percentual que passou a 60% em 2006. O economista observa, entretanto, que o peso do emprego industrial também cresceu, indo de 19,3% para 21,5%. “Isso significa que a indústria ainda responde por parcela significativa dos postos de trabalho, sendo que depois da maxidesvalorização de 1999 o crescimento do emprego neste setor vem sendo de 3,8% ao ano, contra 3,1% no terciário”.

O pesquisador não se limitou ao emprego com carteira e analisou também os ocupados sem contribuição à previdência pública, levantando dados que contrariam outro mito: que nos serviços a informalidade é bem maior que na indústria. “Há, sim, um terciário atrasado, onde grande parcela da população é informal e submetida a baixos rendimentos e más condições de trabalho. Mas existem muitos autônomos com remuneração acima da média. Um dado surpreendente é que no terciário, entre 1995 e 2006, o nível de ocupados que não contribuem com a previdência caiu de 45% para 41,5%, enquanto que na indústria subiu de 38,5% para 44,4%”.

Ricardo Silva observa que boa parte deste aumento se deve ao aquecimento da construção civil, onde estão 3 milhões dos cerca de 9 milhões de trabalhadores da indústria que não contribuem com a previdência. “Levando em conta que na agricultura o índice de não-contribuintes atinge 86%, a média no terciário está bem abaixo em relação à economia em geral (de 50,5% em 2006). Podemos dizer que os esforços do governo para fazer valer a legislação trabalhista e, também, as alternativas de contribuição oferecidas ao autônomo, melhoraram muito essa condição no país, visto que 56,4% dos ocupados não contribuíam para a previdência em 1995”.

Modernização
O autor do estudo dirige foco especial aos setores considerados mais dinâmicos do terciário, ou seja, onde a modernização e a reestruturação produtiva se destacaram, e que em sua opinião são os de comunicações, transporte e armazenagem, comércio e reparação, e intermediação financeira. “A década de 90 no Brasil foi sui generis, com forte estatização da economia e papel importante da privatização. Nesse contexto, devemos considerar a grande heterogeneidade do terciário, que possui setores modernos e capitalizados, como o de telecomunicações e, do outro lado, uma extensa gama de serviços tradicionais com baixa remuneração”.

De acordo com Ricardo Silva, os setores dinâmicos do terciário passaram por grandes transformações, como em relação ao peso das comunicações em termos regionais. “A partir de 2000, vemos uma desconcentração das comunicações para regiões periféricas como Norte e Nordeste. São mudanças pequenas, porém importantes, porque elas acontecem muito lentamente e não víamos esse movimento desde 1985. Isso contribui para equilibrar um pouco mais o PIB, excessivamente concentrado no Sudeste”.

O economista acrescenta que o avanço das telecomunicações está trazendo profundos efeitos, mas que só poderão ser medidos mais à frente. “Um país que praticamente não possuía celulares em 85, saltou para mais de 100 milhões de aparelhos, o que estimula as atividades no terciário, como de autônomos e prestadores de serviços. Veja que a participação do Sudeste nesse mercado foi reduzida em quase 8%, não porque ela deixou de aumentar, mas porque nas regiões periféricas o aumento foi bem maior. O setor de comunicações cresceu mais de 400% desde 85”.

Terceirização
Em seu estudo, o autor promoveu uma divisão dos serviços prestados no terciário, que são os seguintes: os serviços distributivos, como transporte e armazenagem, comércio e reparação de veículos; os serviços produtivos, como comunicações, prestação de serviços a empresas, atividade imobiliária, intermediação financeira; os serviços coletivos, como administração pública, saúde e educação mercantis; e serviços pessoais, como alojamento e alimentação, domésticos.

Segundo Ricardo Silva, os serviços distributivos e produtivos (de apoio a empresas) são os que mais se modernizaram e ganharam participação no PIB. “Os dados sugerem que nosso terciário vem crescendo estimulado pela terceirização – a estratégia adotada na década de 90 em função de uma abertura comercial e financeira nunca vista, o que estimulou demais a concorrência ao facilitar a entrada do capital estrangeiro. O grosso dos serviços já foi terceirizado, mas as empresas jamais abandonarão essa estratégia”.

A pesquisa revela dados novos também nesse aspecto, a exemplo do que vem ocorrendo com São Paulo, que para muitos mudou seu perfil e se consolida como uma metrópole de serviços. “O terciário do Estado de São Paulo perdeu bastante peso no PIB (assim como do Sudeste como um todo); dentre os dez setores, perdeu em sete, diante do avanço em outros estados importantes. A queda é de 33,3% para 31,5% na participação; os leigos podem achar muito pouco, mas repito que as mudanças são lentas e falamos de valores extremamente elevados – nosso PIB em 2008 foi de quase 3 trilhões de reais”.


‘ O terciário é muito mais forte no primeiro mundo’

O economista Ricardo Azevedo Silva informa que o conceito da “terciarização” – segundo a qual o terciário assume a dinâmica da economia a partir do momento em que ela vai se tornando madura – é motivo de polêmica nos países desenvolvidos. Entretanto, em sua opinião, o Brasil está muito longe dessa discussão. “Os setores do terciário que mais cresceram e se modernizaram são os de menor peso no PIB, como os de comunicações (2%), transporte e armazenagem (2%) e intermediação financeira (6%). Mesmo no comércio, que responde por 7%, a modernização se deu em serviços como de atacadistas, grandes redes varejistas ou shoppings”.

O autor da pesquisa insiste que a modernização e o crescimento do terciário foram limitados, já que boa parte dele continua atrasada, ainda que mantenha sua relevância tanto para a geração do PIB como do emprego. “Em termos de comando da economia, ainda temos uma forte base industrial. Os setores que crescem no terciário são justamente aqueles puxados pela indústria e agricultura, o crescimento não é autônomo. O terciário é muito mais forte no primeiro mundo”.

Para o economista, os grupos industriais ainda têm peso tão ou mais importante do que os grupos financeiros nas decisões de investimento no país. “O banco seria um grande indutor, desde que oferecesse crédito barato e de longo prazo. Aumentou a tomada de crédito pela economia, mas ela ainda é muito baixa em relação aos países ricos. Se a venda de veículos melhorou por causa do crédito mais barato, na loja de departamentos o juro é de 100% ao ano”.

Ricardo Silva lembra o socorro dado pelo governo aos bancos quando o Plano Real acabou com a elevada receita inflacionária que os mantinham. O Proer [Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional] contribuiu, juntamente com a quebra de bancos pequenas e os lucros exorbitantes que os grandes grupos obtiveram, para uma grande concentração no setor. “O porte e a força aumentada pelos lucros permitiram inclusive que o capital nacional vencesse o capital estrangeiro, que foi surpreendido com a importância que o atendimento físico, através das agências bancárias, tinha no país”.

Na visão do economista, isto, mais a compensação da perda do lucro inflacionário pela implantação das tarifas, contribuíram para um sistema bancário sólido, ainda que dominado por dois grandes bancos privados nacionais, além dos dois federais. “Os bancos têm obtidos lucros exorbitantes: um estudo encomendado pela Folha de São Paulo mostra que o lucro dos dez maiores bancos aumentou 1.000% entre 1994 e 2004. No entanto, a média de juro no país ainda é de 45% ao ano, e mesmo com a Selic caindo pela metade, chegando aos 8,75% atuais. O setor bancário, que deveria ser indutor, é meio que parasitário da economia”.

 
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