Combinação de medicamentos inibe
proliferação de tumores em cânceres
Experimentos em animais e em cultura
de células
mostram que quimioterápicos têm efeitos potencializados
LUIZ
SUGIMOTO
A
combinação de medicamentos utilizados no controle do diabetes
e no combate ao câncer vem apresentando resultados preliminares
bastante promissores em pesquisas de laboratório realizadas
pelo grupo do professor José Barreto Campello Carvalheira,
na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Os experimentos
em cultura de células e em animais apontam para uma redução
da massa tumoral e potencialização do efeito de alguns quimioterápicos
contra a sua proliferação, praticamente zerando o crescimento.
A equipe de Carvalheira
segue um itinerário difícil de memorizar: é a via de sinalização
intracelular IRS/PI3K/Akt/mTOR, usada pela insulina para
metabolizar a glicose e que serve, também, como uma das
principais vias para proliferação de neoplasias. “Iniciei
o trabalho com a insulina no meu mestrado, quando ninguém
dava atenção para esta relação. De uns tempos para cá, sinto-me
atropelado pelo interesse de tantos pesquisadores nessa
via de sinalização”, diz o docente do Departamento de Clínica
Médica.
Na verdade, o trabalho de
José Barreto Carvalheira está no mínimo em concomitância
com as pesquisas sobre transmissão do sinal intracelular
intensificadas na última década, quando se constatou que
essas vias são radicalmente alteradas no câncer humano,
o que levou à busca de inibidores específicos das mesmas.
“Esta linha de pesquisa começou na diabetologia e progrediu
para a oncologia, sendo que nesse caminho buscamos uma estratégia
que está no meio das duas especialidades”.
O pesquisador da Unicamp
afirma que seu grupo conseguiu abordagens importantes para
o tratamento de cânceres recorrendo ao bloqueio da via de
sinalização da insulina, mediante associação de quimioterápicos
já bastante utilizados. “A estratégia foi potencializar
os medicamentos. Observamos que a associação traz uma resposta
maior em comparação com o uso isolado do quimioterápico,
não só detendo a proliferação como aumentando a morte das
células tumorais”.
Rede complexa
Para
que compreendamos melhor o tema, os pesquisadores atentam
para a complexidade do desenvolvimento e crescimento de
organismos. Esta complexidade pode ser atribuída em parte
a interações dinâmicas e diversas entre hormônios, fatores
de crescimento, contatos entre células e outros estímulos
externos que coordenam o destino de cada célula através
de seus receptores de membrana.
Os pesquisadores vêm decifrando
os mecanismos básicos da sinalização intracelular de um
grande número desses receptores de membrana. Uma constatação
importante é que muitas vias, que conduzem a diversas ações,
apresentam o chamado cross-talk, isto é, podem interagir
em múltiplos níveis. O cross-talk representa um dos principais
desafios para descoberta de inibidores de sinalização.
Ainda segundo os especialistas,
embora esta rede de sinalização seja altamente complexa
e redundante, há obstáculos em suas vias: tratam-se de proteínas
onde o sinal converge e que ao serem bloqueadas podem impedir
diversos processos celulares simultaneamente. Tais processos
correspondem a capacidades da célula cancerosa como autossuficiência
de fatores de crescimento, defeito de apoptose (autodestruição
das células), insensibilidade a sinais que inibem o crescimento
e metástase.
Proteínas adaptadoras, que
se ligam a múltiplos elementos de uma cascata de sinalização
e coordenam a sinalização celular, bem como quinases intracelulares,
podem ser candidatos ideais para o bloqueio das vias. É
nesse sentido que José Barreto Carvalheira e equipe elegeram
a via de sinalização da insulina e determinadas proteínas
como alvos para bloqueio de crescimento e indução de apoptose
de células tumorais.
Câncer de cólon
Em um dos trabalhos desenvolvidos no laboratório, a doutoranda
Marília Meira Dias e a mestranda Kellen Ketty de Souza estudaram
os efeitos do irinotecano, medicamento derivado de uma planta
ornamental chinesa e amplamente empregado no tratamento
do câncer de cólon. “A ideia foi associar esse quimioterápico,
que descobrimos ativar a via da insulina, à rapamicina,
substância que bloqueia a via, para conter o crescimento
e induzir apoptose das células cancerígenas”, explica Marília
Dias. A apoptose é um processo de autodestruição das células.
De
acordo com a autora, os estudos foram realizados em cultura
de células e em camundongos. “Nos experimentos com os animais
vimos que associando o irinotecano à rapamicina para modular
a via de sinalização relacionada à proliferação celular,
mantinha-se o tamanho do tumor, que não progredia na mesma
proporção em relação ao uso das duas drogas isoladamente.
Já nas células cultivadas, a combinação promoveu redução
da proliferação das células tumorais e, analisando as proteínas,
observamos que a adição da rapamicina conteve o aumento
observado na via de insulina em decorrência da administração
do irinotecano”.
Com esta pesquisa, Marília
Dias e Kellen de Souza ganharam um prêmio internacional
oferecido ao melhor trabalho na área de oncologia na América
Latina.
Câncer de mama
Guilherme Zweig Rocha desenvolveu pesquisa de mestrado na
mesma linha, com foco na metformina, a droga mais utilizada
para diabetes, e o paclitaxel, medicamento ministrado principalmente
em câncer de mama. “A metformina ativa a AMPK [proteína
importante para o metabolismo da glicose] e inibe a mTOR
[mammalian target of rapamycin, proteína que age na proliferação
de células cancerígenas]”.
A pesquisa de Guilherme
Rocha demonstrou, igualmente, que o combate ao tumor (no
caso, de câncer de mama) em duas frentes resultou em melhor
resposta contra a proliferação celular e o crescimento do
tumor, em comparação com o uso isolado de paclitaxel. “É
um resultado importante, pois a metformina é um medicamento
bastante barato e reduziria o custo do tratamento do câncer”.
Nesse aspecto, o professor
José Barreto Carvalheira informa que todas as drogas testadas
nos experimentos têm eficácia comprovada e já estão com
suas patentes quebradas, o que torna essas pesquisas importantes
também no aspecto econômico. “Entretanto, a viabilização
dos tratamentos depende do financiamento do Estado, já que
a indústria farmacêutica não teria interesse em estimular
o uso de tais medicamentos”.
Saindo
da bancada
Um aspecto ressaltado por Carvalheira é a expectativa de
que essas pesquisas de bancada se transformem em pesquisas
clínicas, estando em trâmite o projeto para a próxima fase,
envolvendo os primeiros testes com pacientes que não mais
respondem ao tratamento de câncer de cólon. Entretanto,
o pesquisador é extremamente cauteloso em não alimentar
esperança demasiada. “Estamos apenas iniciando a caminhada.
O trabalho sequer foi publicado e o projeto ainda precisa
passar pelo comitê de ética, processo que é demorado”.
osé Ribeiro Carvalheira
afirma que esta linha de pesquisa é apenas uma dentre tantas
desenvolvidas pela comunidade brasileira e internacional,
a partir de uma visão mais abrangente sobre o tratamento
do câncer. “Tradicionalmente, na quimioterapia, observa-se
a taxa de resposta do tratamento: como está o tumor hoje
e o seu tamanho depois de alguns meses. As drogas têm efeito
menos importante quanto à morte celular e radical para inibir
a proliferação, deixando a doença estável. Na nossa abordagem,
também usamos essas drogas, mas demonstramos que elas não
funcionam bem sozinhas”.