Pesquisa da FCM abre perspectivas no
combate a doenças causadas por fungos
Estudo sugere que tratamento pode
ter
concentrações menores de antifúngicos
RAQUEL
DO CARMO SANTOS
Estudo
realizado por pesquisadoras do Laboratório de Investigação
em Fungos da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) sugere
que concentrações menores de antifúngicos administradas
a pacientes acometidos por doenças causadas por fungos patogênicos
podem ter o mesmo efeito, no microrganismo, se comparadas
àquelas prescritas atualmente no tratamento clínico.
A explicação é simples.
Ao invés de se utilizar os conídios, a forma como os fungos
são encontrados no ambiente para a determinação das concentrações
de medicamentos, são usadas como base da metodologia, as
hifas – que constituem a maneira como os fungos se apresentam
no organismo humano. Segundo a autora da pesquisa, a bióloga
Fernanda Biancalana, na prática clínica, embora os conídios
sejam elementos muito resistentes, são eles os usados na
metodologia clássica para determinar o antifúngico adequado
e a quantidade a ser administrada. Este procedimento, no
entanto, pode não apresentar resultado satisfatório do ponto
de vista do nível de concentração, pois não leva em consideração
o fungo como ele é encontrado no organismo humano, no caso
na forma de hifas que, por sinal, são muito mais sensíveis.
Essas micoses podem ser dermatológicas ou sistêmicas. Neste
último caso, elas podem atingir o cérebro, pulmão e outros
órgãos, e até chegar à corrente sanguínea.
Ao
inverter o elemento-base de avaliação, Fernanda garantiu
não só a inovação do trabalho, como também abriu novos caminhos
para a terapêutica de doenças relacionadas aos fungos patogênicos,
pois a possibilidade de que sejam reduzidas as concentrações
dos medicamentos significa menos dano ao paciente. Seu trabalho,
orientado pela professora Angélica Zaminelli Schreiber,
do Departamento de Patologia Clínica-FCM, mereceu em agosto
último o primeiro lugar no 8º Fórum Latino-americano de
Infecções Fúngicas na Prática Clínica (Infocus), organizado
pela Sociedade Brasileira de Infectologia. Em outro trabalho
focando as investigações sobre equipamentos e técnicas,
avaliando a suscetibilidade aos antifúngicos de hifas, de
dermatófitos, aqueles que causam micoses de pele, Fernanda
conseguiu o aceite na revista científica holandesa Mycopathologia.
Atualmente, continua na mesma linha de pesquisa para o doutorado,
só que, desta vez, estudando os fungos demáceos, bastante
resistentes, sendo o tratamento das doenças causadas por
eles considerado complexo e difícil (veja texto nesta página).
Nocivos
Em contato com o organismo humano, os fungos podem causar
as mais variadas morbidades. Desde uma micose na pele, cujos
medicamentos são de uso tópico, até lesões mais sérias em
órgãos vitais, como o cérebro. É justamente nestes casos
que reside o problema. Os antifúngicos são muito tóxicos
e o seu uso prolongado, como no caso das infecções sistêmicas,
pode gerar efeitos colaterais danosos nos rins e em outros
órgãos. A composição e estrutura química das células dos
fungos, explica a professora Angélica, são bastante semelhantes
às células do organismo humano e, por isso, a ação do medicamento
pode atingir também as células do paciente. Neste sentido,
a importância de se reduzir as concentrações dos medicamentos.
As
portas de entrada dos fungos no organismo humano são as
mais variadas possíveis. Pode ser contato com terra, vegetação,
fezes de morcego, pombos, inalação de conídios e outras.
O órgão em que se instala o fungo dentro do ser humano,
também é outra questão complexa. Depende das características
do fungo e, principalmente, da imunidade do paciente. “Por
isso, a importância de pesquisas neste sentido”, destaca
a professora Angélica Schreiber. Os pacientes imuno-comprometidos
como transplantados, com AIDS e aqueles que fazem uso de
corticóides, por exemplo, são os que mais preocupam. “No
organismo de uma pessoa saudável, os fungos podem ser mais
facilmente combatidos, mas nos deficientes de imunidade
isso não ocorre, pois não há barreiras que impeçam sua progressão”,
explica a pesquisadora. Mesmo os fungos não considerados
patogênicos. Os chamados oportunistas podem encontrar lugar
neste tipo de paciente, que deve ser cercado de muitos cuidados,
inclusive, ambiente com ar filtrado para evitar a contaminação.
Os
resultados alcançados na pesquisa só foram possíveis, graças
ao equipamento BioCell-Tracer®, cedido a partir de um projeto
de cooperação entre a Unicamp e a Universidade de Chiba,
no Japão, financiado pela JICA, que se encontra alocado
no Laboratório de Epidemiologia Molecular da FCM, coordenado
pela professora Maria Luiza Moretti. As pesquisadoras afirmam
que pesquisas semelhantes são bastante restritas uma vez
que só existem outros quatro como o BioCell Tracer no mundo
– três no Japão e um no Canadá. Ele permite, por exemplo,
observar “ao vivo” o que ocorre com o fungo em tempo real.
Possibilita ainda realizar testes e investigar as reações,
por meio de um microscópio acoplado a uma estufa com temperatura
a 37º, simulando o que ocorre no organismo humano.
Após
isolar o fungo, o mesmo é cultivado em um meio de cultura
até sofrer as transformações para chegar ao estado de hifa.
Um programa do computador, ligado ao microscópio, mede as
extremidades de crescimento dessas hifas de acordo com o
tempo pré-determinado pelas pesquisadoras e, em um processo
sistemático, é adicionada a concentração do medicamento,
diretamente sobre as hifas do fungo e feita a análise do
efeito em cada uma. O processo se repete várias vezes ao
dia para emissão dos relatórios. “Para garantir a comparação
dos resultados são realizados experimentos tanto em conídios
quanto nas hifas. Primeiramente, determino a concentração
inibitória para os conídios e, depois, testo concentrações
ainda menores nas hifas. Por exemplo, se no conídio coloquei
um micrograma por mililitro (ug/ml) e obtive um determinado
efeito, nas hifas testo 0,5 ug/ml e vou diminuindo a concentração
enquanto alcançar o mesmo efeito”, explica Fernanda , que
buscou duas ou três concentrações abaixo, tomando como base
uma taxa de inibição de crescimento do fungo superior a
85%.
Em
outra etapa, a bióloga também mediu a atividade das concentrações
de medicamento. Para isso, utilizou a classificação de fungicida,
ou seja, se a quantidade de substância matou o fungo ou
fungistática que significa dizer que as concentrações apenas
inibiram a atividade do fungo. Isto possibilitou chegar
à concentração, atividade e tempo em uma média de três horas
e meia. Na metodologia clássica com os conídios para se
obter todos estes dados são necessárias várias etapas, entre
as quais transferir os elementos para outro meio de cultura
sem inibidor, no que resultam em torno de dez dias de experimentos.
Outras pesquisas
Além dos testes com os antifúngicos comercialmente disponíveis,
a linha de pesquisa mantida pela professora Angélica Schreiber
busca novas alternativas terapêuticas em extratos de plantas
e substâncias novas em fase de síntese. Em parceria com
pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, os
estudos mantêm atenção especial em uma planta originária
da Amazônia, Carajiru ou Arrabidaea chica e, no seu extrato
vegetal. Usada na indústria cosmética, a planta já faz parte
da lista de fitoterápicos do Sistema Único de Saúde (SUS).
Popularmente, ela é ingerida na forma de chá. A ideia é
avaliar extratos obtidos com solventes orgânicos determinando
seu efeito antifúngico para aplicação em produtos para tratamento
de micoses da pele.