Você já ouviu falar
do novo tratamento para dor de cabeça? E de
um novo vírus de computador que se espalha
pelos telefones celulares? Sabia que surgiu uma nova
teoria provando que Einstein estava errado? E conhece
o novo método de leitura que permite ler centenas
de páginas em minutos, com total compreensão
e retenção? No meio de conversas, ouvindo
rádio ou televisão, ao ler revistas
ou jornais, ou por meio de mensagens eletrônicas,
surgem freqüentemente assuntos que nos interessam
particularmente, pois se referem a novos tratamentos
de doenças, perigos no uso e manuseio de objetos
cotidianos, técnicas de aprendizado mais eficazes,
entre outros. De uma maneira ou de outra, qualquer
afirmação que indique a eficácia
de algo novo (produto, tratamento serviço ou
teoria) pressupõe, a priori, a realização
de algum tipo de experiência científica
para comprovar a sua validade.
Mas, como podemos discernir, nesse
mar de informação, o que é realmente
confiável ou não?
Em seu clássico livro O
Mundo Assombrado por Demônios - A Ciência
vista como uma Vela na Escuridão, o físico
Carl Sagan descreveu, de modo brilhante, um kit de
detecção de mentiras ou bobagens (Baloney
Detection Kit), principalmente no que se refere a
afirmações aparentemente científicas.
Ele enfatiza o uso do pensamento crítico para
reconhecer argumentos falhos ou fraudulentos, o que
podemos chamar de um modo geral de pseudociência.
Além do raciocínio lógico e do
reconhecimento de alguns elementos característicos
das pseudociências, é particularmente
importante conhecer, ao menos superficialmente, como
a ciência funciona.
De acordo com Sagan, há algumas
ferramentas básicas no kit que devem ser utilizadas
para analisar argumentos e afirmações
que, aparentemente, são embasadas em experimentos
científicos:
Sempre que possível deve
haver uma confirmação independente dos
fatos;
Deve-se estimular um debate substantivo
sobre as evidências, do qual participarão
notórios partidários de todos os pontos
de vista;
Os argumentos de autoridade
têm pouca importância - as autoridades
cometeram erros no passado. Voltarão a cometê-los
no futuro. Uma forma melhor de expressar essa idéia
é, talvez, dizer que na ciência não
existem autoridades; quando muito há especialistas;
Deve-se considerar mais de uma hipótese.
Se alguma coisa deve ser explicada, é preciso
pensar em todas as maneiras diferentes pelas quais
poderia ser explicada. Então deve-se pensar
em formas de derrubar sistematicamente cada uma das
alternativas. A hipótese que sobreviver a esta
seleção natural tem maiores
chances de ser a correta;
Não se apegar demais à
sua própria hipótese. Deve-se buscar
razões para rejeitá-la. Se você
não fizer isto, outros o farão;
Quantificar sempre que possível.
Aquilo que é vago e qualitativo é suscetível
a muitas explicações;
Se há uma cadeia de argumentos,
todos os elos da cadeia devem ser válidos (inclusive
a premissa) - não apenas a maioria deles;
Na realidade, há muitas outras
características comuns que podem ser utilizadas
para tentar esboçar uma demarcação
das pseudociências, o que nem sempre é
trivial. De fato, as pseudociências têm
esse nome pois tentam mimetizar uma aparência
de ciências, incluindo uma linguagem mais complexa,
com afirmações veementes de que os resultados
são comprovados cientificamente,
ou abalizados por estudos aprofundados.
Além disso, as pseudociências normalmente
baseiam-se em anedotas e rumores para confirmar
os fatos, e incluem personagens que afirmam que não
são compreendidos e são hostilizados
por nossa sociedade, assim como foram Galileu e Copérnico
em suas épocas.
Para tentar combater as crenças
propagadas pelas diversas pseudociências, surgiram
no mundo diversos grupos de pessoas que se auto-denominam
céticos.
Os céticos tentam aproveitar
o espaço dado pela mídia aos mais esdrúxulos
charlatões para oferecer o contraponto científico,
como explicar alguns fenômenos com as ferramentas
construídas pela ciência ao longo dos
anos. Mas a idéia de ceticismo é um
tanto quanto restritiva. Os cientistas (e as pessoas,
de modo geral) devem ser céticos, mas no sentido
proposto por Sagan, de sempre manter a mente aberta.
Por exemplo, eu sou físico, acredito na ciência,
mas não me considero um cético fundamentalista.
Até acredito em coisas incríveis: entes
que são ondas e partículas simultaneamente;
universos multi-dimensionais; tempos e comprimentos
que dependem da velocidade do objeto; estruturas nanoscópicas
que podem atravessar verdadeiras paredes, e em muitos
outros fenômenos que certamente não são
nada intuitivos, mas continuam sendo impressionantes,
mesmo após anos e anos de estudo. O importante
é que as teorias sejam comprovadas seguindo
critérios rígidos, metodologias adequadas
e publicadas em periódicos de circulação
internacional, para que outros pesquisadores possam
tentar repetir os experimentos e modelos. Se algo
novo é proposto ou descoberto, o primeiro passo
do cientista é tender ao ceticismo, repetir
o experimento, verificar possíveis falhas,
buscar explicações alternativas. Ter
um espírito crítico aguçado,
mas sempre com algumas janelas abertas para enfrentar
algo completamente novo e desconhecido, ainda inexplicado,
mas não necessariamente inexplicável.
---------------------------------------------------------------------
Marcelo Knobel é professor do Instituto de
Física Gleb Wataghin (IFGW), coordenador do Núcleo
de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri) e editor
da sessão “Radar da Ciência”, da Revista Eletrônica
ComCiência (http://www.comciencia.br)